- Políticas para as juventudes
- Um Brasil para as mulheres
- LGBT
- Sociedade e educação
- CUT: democracia interna, defesa da classe trabalhadora e construção de alternativas
- Elementos para um Programa para a cultura brasileira
- Defender a vida, ampliar os recursos, reverter a privatização, implantar o SUS
- Sobre ampliação do financiamento público da Saúde pela União
- Em defesa dos princípios da reforma psiquiátrica
- Nossa política para as cidades
- Sobre o Setorial de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT
- Sobre grandes obras
- Apoio à luta contra as PPPs e privatizações
- Atuação em parlamentos, governos e eleições
- Sobre história e memória
*Obs.: As Resoluções agrária-agrícola, de direitos humanos e de combate ao racismo foram remetidas para a direção nacional da AE, para aprovação e posterior divulgação do texto final.
Além das publicadas aqui houve outras Resoluções sobre: finanças, campanha de assinaturas do jornal Página 13 e composição da Direção Nacional da AE e Moções.
A Resolução sobre Conjuntura e Tática bem como as demais resoluções podem ser baixadas na íntegra separadamente no site Página 13.
Políticas para as juventudes
Um balanço necessário (2008-2012)
1. Por 19 anos, a Articulação de Esquerda e sua juventude remam contra a maré, o que exige constante alerta. Qualquer descuido permite à correnteza retroceder em pouco tempo o caminho percorrido a duras remadas. Por isso se impõe sobre nós a necessidade de avaliar nossas ações constantemente e fazer os balanços, autocríticas e correções que se julgarem necessárias.
2. A última vez que a Juventude da AE fez um balanço de suas ações foi em 2008, após a realização do I Congresso da JPT. Na ocasião, concluímos que o novo modelo de organização da JPT recém aprovado, apesar de estar de acordo com nossas posições, só seria capaz de culminar em uma organização militante de massas que contribua para solucionar os problemas organizativos e políticos que sofremos atualmente no PT caso tivéssemos condições de seguir influenciando na construção da própria organização.
3. Desde então, sabíamos que, não obstante o I Congresso tenha sido decisivo para a mudança de rumos da JPT, a concretização desta guinada não estava dada e ainda seria palco de intensas disputas políticas. Afinal, a política presente nas resoluções de concepção e funcionamento da JPT não foi construída pela maioria da direção nacional eleita, significando um empecilho ou até mesmo a descontinuidade da política que veio sendo construída na gestão anterior e durante o processo congressual.
4. Portanto, o sucesso da nossa política no Congresso não bastaria em si mesmo, mas dependeria da capacidade do conjunto da JPT de aproveitar a inércia positiva que deixou como legado para realizar uma ruptura na história da organização dos jovens no PT. Assim, podemos dizer que o período pós-congressual teve a mesma importância para definir se a juventude, tomando ela mesma a organização da JPT como prioridade política do partido, seria capaz de forjar seu próprio instrumento de massas e organizar o petismo entre os jovens.
5. Não conseguiríamos superar, da noite para o dia, três décadas de precariedade na organização dos jovens petistas e nem elaborar uma proposta de programa completo para a juventude brasileira. O I Congresso iniciaria uma transição que só reuniria condições para ser completada na medida em que toda base partidária discutisse este tema. Este seria um processo de médio e longo prazo, devendo passar por mais de um congresso da juventude petista.
6. A condução desta transição exigiria a continuidade do movimento de contra-hegemonia iniciado em 2005, que deveria se manifestar em três frentes prioritárias:
a) incidência na política geral do partido, contribuindo para a construção de uma nova estratégia diante das oportunidades abertas pela crise capitalista, que exige da esquerda brasileira e latino-americana a consolidação das conquistas obtidas, o aprofundamento das mudanças estruturais e a articulação entre ação de governo e luta pelo socialismo;
b) construção de uma organização militante, que assuma a luta ideológica e a luta social no mesmo patamar de importância dado à luta institucional nos últimos quinze anos, atribuindo à militância a base fundamental da força social partidária;
c) disputa da concepção de juventude do partido, fazendo com que a estrutura organizativa da JPT esteja a serviço de uma política que considere os jovens como segmento específico e atores políticos do presente no partido e na sociedade, dotados de autonomia política e organizativa.
7. Para isso, as resoluções do I ConJPT deveriam ser assimiladas por toda a militância. Viabilizar isto era a tarefa central da JPT. Contudo, não se concretizaram projetos de formação que multiplicassem e irradiassem atividades acessíveis, nas quais os programas básicos seria justamente o conteúdo das resoluções do I Congresso.
8. A energia acumulada e a inércia positiva gerada pela gestão 2005/2008 da SNJPT, pela mobilização de mais de 15 mil pessoas e pelo resultado político do I ConJPT, bem como pela Caravana Nacional da JPT nas eleições 2008 foram capazes de conduzir a juventude petista a um grau superior de organização e intervenção política.
9. O legado deixado por estas iniciativas, porém, não se reverteu substancialmente em inovação da dinâmica interna de nosso funcionamento. Basta averiguar a dificuldade em se instituir a JPT nos municípios, os núcleos por local e área de militância e a continuidade da dispersão dos jovens petistas que militam nos respectivos movimentos sociais.
10. Por falta de uma política mais bem definida e de uma ação mais sistemática de estímulo à organização, são poucos os municípios que antes não tinham juventude organizada passaram ter JPT com funcionamento regular e diálogo com os jovens do local. Por incrível que pareça, ainda não termos constituído um cadastro dos municípios que tem JPT organizada.
11. Formalmente, não é mais o modelo setorial que orienta a política organizativa da JPT, questão superada já no 3º Congresso do PT, em 2007, e consolidada institucionalmente no estatuto partidário na segunda etapa do 4º Congresso, em 2011. Contudo, do ponto de vista político, apenas alcançamos o teto da capacidade organizativa que o modelo setorial proporcionava, mas não fomos capazes de superá-lo.
12. Já em 2008, dizíamos que boa parte de nossas debilidades residia no investimento insuficiente que havíamos desprendido à nossa organização interna, o que fez com que identificássemos neste fator o foco central de nossa atuação no período seguinte para construirmos a JPT e fortalecermos a juventude da AE. À luz das tarefas traçadas, então e na VII Conferência de Juventude da AE, realizada em Salvador, em 2009, cabe realizar um breve balanço.
13. Nestes documentos, destacamos os seguintes desafios políticos e organizativos a enfrentar:
a. Investir na formação de quadros;
b. Organizar a intervenção de nossa militância nos movimentos sociais;
c. Fortalecer e organizar nossas instâncias (coordenações, conferências e coletivos de base);
d. Fortalecer a intervenção nacionalizada e articulada de nossa militância nos municípios;
e. Potencializar a comunicação interna;
f. Aprofundar nossa formulação estratégica sobre a transição da JPT;
g. Organizar a JAE segundo as necessidades de novo modelo que defendemos para a JPT;
h. Organizar uma frente institucional na CNJAE;
i. Conduzir a renovação geracional e a transição de quadros.
14. Em linhas gerais, podemos dizer que não estivemos à altura das tarefas que nos propomos a realizar. Nossa organização segue com fragilidade das instâncias; dificuldades em acompanhar e articular nossa intervenção a nível local; falta de repasses, informes e orientações entre os níveis municipais, estaduais e nacional; dispersão e falta de diálogo de militantes da juventude da AE que atuam nos movimentos sociais; dificuldade em promover método mais coletivo de elaboração política; insuficiente apropriação de nossas formulações por parte da militância; e baixo grau de difusão de nossas opiniões para fora da corrente e do partido.
15. Obviamente, nossas dificuldades não decorrem apenas de nossas debilidades próprias. A situação atual da classe trabalhadora e seu nível de consciência, o refluxo das mobilizações de massas, a defensiva estratégica do movimento socialista, o rebaixamento programático e estratégico das organizações de esquerda, os problemas políticos e organizativos do próprio PT, entre outros fatores, impõem à Articulação de Esquerda e à sua juventude uma circunstância desfavorável para fortalecer nossa organização e ampliar nossa força social.
16. Para atuar neste cenário, fortalecendo nossa organização, devemos:
a. Criar uma lista de e-mails da juventude da AE;
b. Ampliar o cadastro nacional da JAE;
c. Atualizar e dinamizar a seção de juventude no site Página 13;
d. Fazer um boletim de lutas da JAE impresso ou eletrônico;
e. Disponibilizar textos e resoluções antigos e materiais para baixar;
f. Definir tarefas específicas para os membros da CNJAE;
g. Traçar um plano de trabalho da CNJAE para organizar-nos em diferentes movimentos sociais da frente de massas;
h. Desenvolver uma política de finanças para a juventude da AE em conjunto com a DNAE e as DEAEs;
i. Estruturar a juventude da AE nos estados e suas respectivas CEJAEs.
O PT e as juventudes brasileiras
17. Todos os jovens no Brasil compõem a juventude brasileira, pois todos jovens vivem a juventude. De fato, vivem a realidade do país sob a mesma perspectiva da condição juvenil, mas o fazem de determinada maneira, com particularidades proporcionadas por diferenças de classe social, regionalidade, gênero, raça/etnia, orientação sexual, cultura etc.
18. Neste sentido, é preciso reafirmar que precisamos dialogar prioritariamente com a juventude trabalhadora rural e urbana, os jovens das classes populares, as jovens mulheres, a juventude negra, a juventude LGBT, a juventude em situação de rua, a juventude indígena e a juventude dos povos tradicionais.
19. Estes setores da sociedade brasileira têm sido positivamente impactados pelas ações de distribuição de renda e políticas sociais dos governos Lula e Dilma. Mas, de modo geral, o nível de vida dos trabalhadores brasileiros continua baixo e o acesso à direitos fundamentais, em que pese os avanços obtidos, permanecem restritos para uma parcela ainda ampla da população jovem. Ademais, as melhorias das condições materiais de existência não foi acompanhada por uma mudança qualitativa da visão de mundo das classes trabalhadoras, que seguem hegemonizadas pelo ambiente cultural e ideológico construído pelas classes dominantes.
20. Portanto, na luta política dos próximos anos, a mera estratégia de comparar os governos petistas com os governos tucanos, apesar de importante, não será suficiente. Sem abrir mão de disputar a memória sobre o período FHC, aos jovens será fundamental que o PT apresente uma agenda de conquistas e mudanças para o futuro, resolvendo os seus problemas concretos e imediatos de forma articulada com a luta pelo socialismo. Afinal, muitos, pela idade, não vivenciaram com tanta nitidez o contraste entre um e outro modo de governar.
21. Isto se faz ainda mais necessário quando constatamos que existe uma onda conservadora que tem nos jovens um foco estratégico de disputa. O individualismo, o liberalismo, a aversão à política tradicional e aos partidos políticos, refletem o grau de incidência que a direita política e social tem na juventude.
22. Para grande parte dos jovens, o PT já é visto como igual aos demais partidos tradicionais. O anti-petismo entre os jovens tem considerável audiência. A crescente institucionalização, o refluxo do debate ideológico e a ausência de discurso e diálogo com os movimentos juvenis reforçam este estigma.
23. São por esses e outros motivos que o PT, mesmo com quase 30% da preferência do eleitorado nacional, tem perdido apoio nas novas gerações. Apesar de ter sempre contado com muitos jovens em suas fileiras, o PT nunca tratou o tema e a organização dos jovens como prioridade. Por vezes, inclusive, relegou a outros partidos da esquerda brasileira a referência do projeto democrático e popular na juventude.
24. Contrariando o senso comum conservador de que a juventude é apática e despolitizada, acompanhamos o surgimento cada vez maior de novas redes e formas de participação da juventude. No trabalho, nos estudos ou mesmo conectada ao mundo a partir da internet, percebemos na ação comunitária, nas redes sociais ou nas marchas e movimentos juvenis, uma atuação coletiva cada vez mais diversificada.
25. É central para a juventude do PT dialogar com essa nova geração de lutadoras e lutadores sociais. Sob pena dela ser atraída, não apenas por outros setores da esquerda, mas principalmente por idéias conservadoras.
26. Para estar à altura deste desafio, precisamos superar em nosso partido a visão instrumental que encara os jovens como “tarefeiros” ou apenas como quadros “inexperientes” a serem formados para o futuro. A compreensão do jovem como sujeito político do presente, capaz de participar da renovação do projeto político do partido, permanece como um grande desafio.
Um novo patamar da Juventude do PT
27. Apontar caminhos que reforcem o caráter democrático e militante da Juventude do PT será fundamental no próximo período, em que a JPT coordenará a campanha municipal de juventude em 2012 e deve criar as condições políticas e organizativas para ampliar a sua presença nas lutas da juventude.
28. Alcançando mais de 1500 municípios em todos os estados do país, a mobilização do 2° Congresso da Juventude do PT indicou que há espaço para o enraizamento e municipalização de uma organização militante e de massas dos jovens petistas.
29. No entanto, o Congresso também foi pautado por visões distintas de como organizar a juventude do PT. E em muitos momentos, revelou os mesmos vícios presentes em congressos estudantis e outras eleições partidárias. Práticas como fraudar delegações e o controle da burocracia do Congresso nas mãos de apenas uma força política devem ser superadas.
30. Precisamos também reformar nossos fóruns e espaços de debates. Quatro dias de mesas e uma programação vertical sem grupos de discussão entre jovens de todo o Brasil, além de um desperdício, só reforça o afastamento da juventude com os espaços do PT. Aliás, reiteramos o discurso do presidente do partido, quando este disse que para atrair os jovens devemos enfrentar os burocratas.
31. A JPT que queremos não é uma juventude institucionalizada e encastelada nos gabinetes, que restringe o debate político e as decisões a pequenos grupos privilegiados. O fisiologismo, o clientelismo, a cultura política tradicionalista e as práticas viciadas e degeneradas, infelizmente, passaram a fazer parte da conduta de diversos militantes da JPT. Com isso, ao invés superar os problemas político-organizativos do PT, reproduz-se o que há de pior nas práticas políticas que observamos nos fóruns e instâncias partidárias.
32. É a partir desta crítica que rejeitamos a renovação conservadora que representaria a proposta de PED da juventude. Apresentada de maneira tímida e sem enraizamento nos debates preparatórios do Congresso, o PED de Juventude é uma proposta que, acima de tudo, não supera os problemas do atual modelo. Ao contrário, acentua uma concepção de filiado-eleitor em detrimento de uma participação militante, que não colabora na politização da renovação das direções de juventude.
33. A nova organização da JPT, apontada pelo 4º congresso do partido e fortalecida pelo congresso da juventude petista, deve ser tirada do papel pelos próprios jovens do PT. Tal autonomia não deve ser compreendida como independência ou separação do partido, mas como condição indispensável para a Juventude do Partido dos Trabalhadores dispor de sua própria organização e capacidade de incidir nas pautas e lutas da juventude brasileira.
Agenda Política da JPT
34. 2011 foi um ano de muitas lutas para a juventude em todo o mundo. Nas ruas do Chile, entre os Indignados espanhóis, na Primavera Árabe, no Ocupar Wall Street, entre tantos outros enfrentamentos, os jovens se rebelaram contra um sistema econômico que, mesmo em crise, desconsidera os “99%” do planeta.
35. No Brasil, vivemos o primeiro ano do Governo Dilma, nos marcos deste cenário internacional adverso, com avanços, limites e linhas de continuidade com o projeto iniciado em 2003. Os avanços, no entanto, ainda não se tornaram estruturais, não se converteram em um outro modelo de desenvolvimento, o que torna cada vez mais premente aprofundarmos a luta por uma plataforma de reformas democráticas e populares que aprofundem as mudanças em curso, a exemplo das reformas política, tributária e da democratização dos meios de comunicação.
36. Para tanto precisaremos ampliar as lutas sociais e a organização partidária nos próximos anos. E nesse sentido, a juventude do PT terá grandes tarefas nos próximos dois anos de gestão. Traduzir as resoluções do IV Congresso – que apontou uma organização de juventude diferente da setorial e aprovou a cota de 20% de jovens nas próximas direções partidárias – exigirá um trabalho de base, formação e organização muito superior ao atual.
37. Para construirmos uma juventude militante e de massas do PT, a nossa frente de atuação nos movimentos sociais será fundamental. Para colaborar com esta tarefa, a Articulação de Esquerda assumiu a Coordenação de Movimentos Sociais da JPT, com a disposição de articular um trabalho setorial com as lutas dos mais diversos movimentos sociais, frentes de atuação e participação da juventude.
38. Esses setoriais devem ser espaços mais livres e flexíveis de atuação dos jovens petistas, aglutinando simpatizantes e militantes do movimento juvenil, a exemplo da JN13, coletivos de jovens feministas, de diversidade sexual, meio ambiente, cultural, estudantil, entre outros. No mesmo sentido, a Juventude do PT deve estar comprometida com as resoluções do seu 2º Congresso que apontou um conjunto de atividades voltadas para os jovens militantes sociais do PT, como o Encontro Nacional da Juventude Trabalhadora, o I Seminário de Meio Ambiente da JPT, o ENEPT, e atividades permanentes voltadas para as mulheres jovens, a juventude negra e a juventude LGBT.
Eleições municipais: 2012 é 13!
39. A municipalização da JPT deve ser uma das prioridades, sobretudo em uma gestão que coordenará a mobilização dos jovens petistas nas eleições municipais de 2012 e deve consolidar seu novo modelo organizativo desde a base.
40. As eleições municipais de 2012 serão fundamentais para aprofundar as mudanças em curso no nosso país, sendo a grande ante-sala da disputa nacional que travaremos pela reeleição de Dilma em 2014. Será preciso dar nitidez programática na disputa de projetos para as cidades brasileiras e impulsionar uma ampla campanha de juventude em todo o Brasil.
41. Nossa mobilização começará nas próximas semanas com os preparativos de lançamento da nossa campanha de filiação e alistamento eleitoral do Voto aos 16. Em seguida, com a realização da I Plenária Nacional de Direções Municipais da JPT, planejaremos a intervenção da JPT nos próximos dois anos e convocaremos a 2ª Caravana Nacional da JPT, a percorrer os estados de todo o país, debatendo o programa de juventude para as eleições.
42. A Coordenação Nacional de Juventude da AE será responsável por realizar um mapeamento de nossas candidaturas jovens, visando o acompanhamento das campanhas e fornecimento de subsídios para a construção do programa e organização da campanha. Com isso, nossas candidaturas estarão consonantes com nossa política nacional para a juventude.
43. Para isso, AE deve realizar um curso de formação política no primeiro semestre de 2012, garantida a paridade de gênero, organizado pelo Coletivo Nacional de Formação política e voltado para a juventude, focando nas candidaturas jovens da AE e suas coordenações de campanha e nos dirigentes da JAE no movimento estudantil e movimentos sociais.
44. Ademais, caberá à CNJAE formular e divulgar ao conjunto da militância da AE, em especial às candidaturas jovens e suas coordenações, um material sobre juventude, desenvolvimento e as PPJs, como contribuição à construção dos programas das candidaturas proporcionais e majoritárias da AE.
Movimento Estudantil: Balanço e perspectivas
45. A juventude da Articulação de Esquerda em toda sua história sempre teve uma forte atuação no movimento estudantil, organizada nacionalmente, construída nas universidades e nas ruas, em cada ocupação, mobilização e debate Brasil afora.
46. No último período apresentamos para o conjunto da sociedade uma política acertada e coerente com a defesa de uma Universidade Democrática e Popular. Nossa formulação em que apresenta a necessidade eminente de se fazer uma revolução pedagógica em nossas Universidades, casada com um substancial programa de assistência estudantil e democratização do acesso, da gestão e do conhecimento concretizam um norte estratégico para nossa intervenção no dia a dia.
47. Somos uma tendência genuinamente petista e não escondemos isto em nossos documentos e intervenções, ao contrário de alguns grupos que disfarçam sua origem partidária em nomes “fantasias” para atraírem militantes autonomistas e apartidários.
48. Nesta VIII Conferência de Juventude detectamos que precisamos retomar com maior organicidade e formulação política nossa atuação nas Executivas de curso. Tais entidades cumprem um importante papel no indispensável trabalho de base nos centros e diretórios acadêmicos, no debate curricular e na disputa das políticas setoriais. Todavia, por entendermos que o movimento estudantil deve ter atuação em rede, defendemos que as Executivas de curso retornem/aproximem a relação com a União Nacional dos Estudantes, entidade máxima de representação das/dos estudantes universitários.
49. A luta educacional vai para além do movimento universitário. A maioria absoluta das/dos estudantes que se encontram no ensino fundamental e médio. Por isto a luta pelo fim do vestibular, por eleição direta nas escolas, pela valorização das/dos trabalhadores da educação, pelo fim da formação educacional eurocêntrica, individualista, meritocrática, sexista e por um plano nacional de enfrentamento a violência homofóbica no espaço escolar em todos os níveis passam necessariamente por uma forte atuação no movimento secundarista.
Linha programática
50. O debate acerca das concepções de movimento estudantil e educação conduziram a juventude da Articulação de Esquerda a estabelecer e reforçar no seu programa quatro elementos fundamentais:
a. A luta por uma Universidade Democrática e Popular;
b. A defesa da educação pública, gratuita e de qualidade;
c. Democratização do acesso e permanência, da gestão e do conhecimento;
d. A disputa contra-hegemônica em defesa do socialismo.
51. Estes elementos são oriundos de indagações como: a que(m) serve a Universidade? A quem se destina o conhecimento produzido nelas? Quem tem acesso? Que papel cumpre diante dos grandes desafios e demandas da sociedade.
52. Defendemos a educação como um direito universal, um bem público que não pode se constituir em privilégio de uma minoria e que deve ser garantida pelo Estado. Para nós, cabe ao movimento estudantil, aliado aos demais movimentos sociais, aprofundar a luta por uma educação contra hegemônica e libertadora, que caminhe na contramão da lógica do capitalismo, e proporcionar e elevação da consciência política através da inserção crítica na realidade.
Desafios
53. Nós da JAE, depois de problematizar sobre como tem se dado nossa atuação e organização, levantando pontos positivos e negativos, encontramos algumas fragilidades que encaramos enquanto desafios a serem repensados para seguirmos avançando na nossa política, que referem à comunicação, formação teórica e política, articulação nacional e política de alianças.
54. Para conseguirmos ter uma boa comunicação tanto interna como externa devemos:
• Ativar o coletivo nacional de comunicação;
• Fazer uma boa propaganda revolucionária nos utilizando para isto de charges, artes, pichações, peças publicitárias e campanhas;
• Maior atuação militante nas redes sociais;
• Atualizar e dinamizar a página eletrônica da Reconquistar a UNE;
• Disponibilizar os textos antigos e materiais para baixar.
55. Para melhorar nossa capacidade de formulação teórica teremos que:
• Socializar os nossos materiais e lê-los;
• Sistematizar nosso acumulo num prazo de 6 meses de forma coletiva através de GT’s sobre os temas: trabalho de base; assistência estudantil; revolução pedagógica; realidade e perfil das universidades e estudantes brasileiros; balanços das políticas do Governo Lula/Dilma;
• Produzir um Página 13 especial sobre Universidades;
• Aproveitar nossos trabalhos acadêmicos para acúmulo do M.E.;
• Desenvolver e aperfeiçoar nossa tecnologia de disputa eleitoral;
• Realizar um seminário nos estados para acompanhar a produção dos PNE's estaduais.
56. Para avançar na nossa formação política teremos que:
• Realizar um curso nacional de formação de quadros, com paridade de gênero;
• Organizar acampamentos e/ou encontros politizados;
• Disponibilizar para download no site todas as resoluções da AE, além de filmes e músicas relevantes.
57. Para fortalecer nossa articulação Nacional e Regional iremos:
• Construir articulação entre nossas entidades e construir campanhas conjuntas de mobilização.
• Estruturar a Reconquistar a UNE nos estados em que não está organizada;
• Indicar uma pessoa para coordenar a atuação no Movimento Estudantil Secundarista a nível nacional;
58. Por fim, para garantirmos uma boa política de alianças, teremos que construí-la de forma programática.
Conferência
Convocamos conferências estaduais da JAE e a realização de uma etapa devolutiva nacional, ainda no primeiro semestre de 2012, com calendário a ser apresentado pela CNJAE.
Sobre a JAE e a Reconquistar a UNE
Decidimos impulsionar um amplo debate a respeito das mudanças político-organizativas que se fazem necessárias para a construção da nossa política no movimento estudantil, o que envolve, inclusive, o nome da tese que temos apresentado, a Reconquistar a UNE. A etapa devolutiva dessa Conferência, realizada após as etapas estaduais, será a instância responsável pela deliberação a respeito desse assunto.
Campanha do ME
Realizaremos uma Campanha de ação de massas no ME, que será acumulada e proposta na próxima reunião da CNJAE. A reunião de planejamento da CNJAE também debaterá e deliberará sobre a nossa linha política em relação ao PNE, a partir de subsídio a ser apresentado pelo Secretariado.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso Nacional da Articulação de Esquerda
Um Brasil para as mulheres
Os avanços políticos, o debate e as conquistas na luta pela igualdade de gêneros e contra todas as formas de violência e discriminação contra a mulher nunca estiveram tão vivos como hoje, na sociedade brasileira.
Isso é resultado dos movimentos de mulheres, dos movimentos feministas e de outros setores da sociedade, que conduziram a uma abertura única do Estado brasileiro para a construção de políticas nesta direção.
Um dos marcos – primeiro ato do primeiro governo Lula – foi a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). A eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher a assumir a presidência da República no Brasil, ampliou e trouxe uma nova luz a este debate.
A realidade, sobre a qual os governos anteriores faziam vistas grossas, torna mais urgente a cada dia a necessidade da construção de políticas públicas e de grandes nortes de ação.
Dados recentes mostram que quase 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. Segundo o Censo 2010, há no Brasil 57 milhões de unidades domésticas, com um número médio de 3,3 moradores cada uma. Nestes lares, 61,3% dos responsáveis são homens (35 milhões) e 38,7%, são mulheres (22 milhões). Isso representa um imenso crescimento da participação das mulheres no comando da família, em pouco menos de 10 anos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2001, a proporção de casas chefiadas por elas no país era de 27%, mais de 10 pontos percentuais a menos do que é hoje.
O fenômeno da chefia familiar feminina é observado de norte a sul do Brasil e em todas as classes sociais, apesar de estar mais presente entre as chamadas classes C, D e E. Outro dado importante: de acordo com levantamento do instituto Data Popular, de 2011, 25% do total da renda da “classe A” vem da mulher, enquanto na “classe C” esse índice chega a 41%.
Mesmo diante deste quadro, as disparidades ainda são contundentes. As mulheres receberam em média, 28% a menos do que os homens em 2011, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Na zona rural, essa disparidade aumenta para 46,1%. Segundo a pesquisa, as trabalhadoras das cidades ganharam em média R$ 1.343,81 contra R$ 1.857,64 dos homens. A disparidade não atingiu somente gênero, mas também raça. Os trabalhadores de cor preta ou parda ganham, em média, pouco mais da metade do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca.
Isso mostra que as diferentes formas de inserção no mercado de trabalho, aliadas à existência de mecanismos discriminatórios e preconceitos, fazem com que a remuneração das mulheres ainda seja muito inferior à dos homens. A disparidade da participação de homens e mulheres no mercado de trabalho é ainda reflexo da divisão sexual do trabalho, que responsabiliza as mulheres pela reprodução social; e da insuficiente rede de apoio como equipamentos e serviços públicos, que possibilitem às mulheres compartilhar com o Estado essa responsabilidade.
O quadro nos remete ao conceito chamado de “feminização da pobreza”. O Relatório de Desenvolvimento Humano, do PNUD de 1995, já anunciava que a pobreza tem gênero e raça, pois são as mulheres as mais pobres e entre elas as negras. Entre as pessoas pobres da população mundial, as mulheres assumem 70% no ranking. As famílias consideradas mais vulneráveis são aquelas em que a mulher está sem o seu cônjuge, com filhos pequenos, em condições desfavoráveis e que ainda chefiam seus lares. Essa família é composta, numa proporção maior, por mulheres de cor preta/parda. A chefia feminina acontece também em muitos casos em que o homem não pode sê-lo, seja por motivo de doença, alcoolismo, abandono, separação ou mesmo desemprego.
Os números acima mostram parte importante do desafio que se coloca hoje. A autonomia econômica, financeira, social e cultural das mulheres passa por garantir a participação das brasileiras em condições de igualdade neste momento econômico do país. O mandato da presidenta Dilma Roussef estabeleceu como estratégia principal a erradicação da pobreza extrema. Esse desafio deve ser enfrentado ao mesmo tempo em que se enfrenta também as desigualdades de gênero. A erradicação da pobreza e da miséria só será efetiva se levar em conta a dimensão da desigualdade existente entre mulheres e homens.
Construir a igualdade de direitos entre mulheres e homens é a bandeira histórica da luta feminista na defesa da cidadania plena das mulheres. Uma das diversas condições para alcançar isto é a equidade entre os gêneros.
Nos últimos anos, importantes conquistas foram alcançadas, como a Lei Maria da Penha, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, e a construção do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Dados do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (MDS) dão conta de que em janeiro de 2012 mais de 19 milhões de mulheres foram beneficiárias do Bolsa Família. Isto significa a inversão de prioridades nos programas sociais que desde o Governo Lula podemos perceber ao indicar a mulher como prioridade em receber o benefício. Nas 13,3 milhões de famílias atendidas, 93% têm mulheres como titulares para o recebimento. O Minha Casa Minha Vida proporcionou autonomia para as mulheres na medida em que passaram a ter a prioridade de titularidade dos imóveis.
Vemos também que o interesse da mulher em aumentar seu nível de escolaridade e aperfeiçoamento tem crescido. Mas a igualdade salarial entre homens e mulheres não está atrelada à qualificação e tampouco à escolaridade. Há mais mulheres inserindo-se no mercado de trabalho e provendo seus lares com seu salário. Mas as mulheres ainda estão sendo educadas para uma formação profissional tradicional, com atividades majoritariamente pouco valorizadas no mercado de trabalho.
Todas as dificuldades de gênero sofrem um agravante quando associadas às mulheres negras, porque essas ainda devem enfrentar o preconceito étnico-racial, deixando claro que existem desigualdades também entre as mulheres. O preconceito também é um agravante quando associado à livre orientação sexual e especialmente as Travestis e Transexuais.
A desigualdade de gênero estende-se para além da esfera doméstica e fatalmente atingirá as futuras gerações de meninas que já vivem em situação de exclusão. Para a Organização das Nações Unidas, a equidade de gênero é indispensável no sentido de promover o desenvolvimento e obter a redução da pobreza.
Não há desenvolvimento econômico sem enfrentar o machismo e a violência contra as mulheres
Para que sejam superadas as condições reais da vida das mulheres é necessário um modelo de desenvolvimento que combine a autonomia pessoal com desenvolvimento econômico e social. Não é possível que um país como o Brasil que deseja ser a 5ª potência econômica do mundo, permita que a violência contra as mulheres ainda impere dentro de suas próprias casas.
Os índices de violência contra as mulheres crescem significativamente, muito embora não exista ainda no Brasil, um sistema que registre um dado unificado. Mas a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, já realizou mais de 2 milhões de atendimentos desde a sua inauguração em 2005, segundo informa a o Governo Federal. No ano de 2011 foram efetuadas 667.116 ligações de todo o País, constituídas por 74.984 denúncias de violência e 35 de tráfico de mulheres. Das violências denunciadas, 45.714 são casos de violência física, e, destas, 44.279 de lesão corporal leve. Em 52.605 casos denunciados os agressores mantinham alguma relação afetiva com a vítima: eram cônjuges, companheiros, namorados, ex-maridos ou ex-namorados. E, em 36.244 casos, os filhos presenciaram ou sofreram violência. A Central Ligue 180 é um serviço criado para orientar as mulheres em situação de violência sobre seus direitos e encaminhá-las para os serviços da rede de atendimento.
No período compreendido entre 2003 e 2011 houve um aumento do número de serviços especializados, somando hoje 945 serviços. A ampliação da rede de serviços especializados para atendimento às mulheres em situação de violência deve ser uma prioridade para os governos estaduais e para o governo Dilma, pois estes equipamentos não dão conta do enfretamento à violência.
Mídia ignora desigualdades
As mulheres são a maioria da população brasileira e quase metade da população economicamente ativa do país. Mas é comum jornais, rádios e televisões reforçarem o machismo, ignorarem a promoção à igualdade entre homens e mulheres e tratarem como censura iniciativas que provoquem discussão sobre as manifestações sexistas e a garantia de direitos básicos.
O estudo da análise da cobertura da imprensa, coordenado pela Andi – Comunicação e Direitos e pelo Instituto Patrícia Galvão, no âmbito do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero da Secretaria de Políticas para as Mulheres, divulgado entre agosto e setembro de 2011, mostra que a imprensa simplesmente continua a ignorar as desigualdades de gênero no trabalho e a valorizar a trajetória individual das mulheres. Também revela, que 85% dos textos pesquisados desconsideram a dupla jornada feminina e que a discussão sob a desigualdade salarial entre mulheres e homens não é mencionada em mais de 90% das notícias.
Os dados confirmam o que notamos no dia a dia: a imprensa deixa para segundo plano a discussão mais ampla e contextualizada das questões do mundo do trabalho, a abordagem de políticas públicas e de marcos legais e desafios que ainda se fazem presentes para as mulheres. No entanto, esta discussão começa a ganhar volume e força nas publicações, notícias e debates veiculados pela internet, em grande número de sites e blogs.
Nessa ação estratégica e unitária, ainda que levada a efeito dentro da diversidade de cada organização e iniciativa, através de suas redes de diálogos, é preciso reconhecer a comunicação não como mera ferramenta, mas compreender a sua potência mobilizadora, essencial à organização política. Objetivo central desse esforço é estabelecer de fato um contraponto à mídia comercial e hegemônica, não só no que diz respeito ao que é veiculado, mas sobretudo quanto à apropriação pela sociedade dos meios de acesso, produção, difusão e distribuição de informação e cultura.
Educação inclusiva
A educação pode fomentar novos valores que superem o conservadorismo na visão sobre os direitos das mulheres e favoreçam comportamentos para a promoção da igualdade de gênero. Nesse sentido, a Secretaria de Políticas para Mulheres criou, em parceria com o Ministério da Educação, o Programa Gênero e Diversidade na Escola (GDE), para formar professoras e professores que repassem os princípios de respeito e igualdade com mulheres e homens, à orientação sexual, raça e etnia e às pessoas com deficiência. Até o final de 2014, o GDE formará 140 mil profissionais. Outros programas também têm este corte de gênero na Educação, como o da Redução do Analfabetismo; Educação Infantil (Creches e Pré-Escola); e Programa Mulher e Ciência.
A educação de qualidade inclusiva, não-sexista, não-racista, não-homofóbica, não-lesbofóbica e não-transfóbica contribui decisivamente na construção de valores e na superação do conservadorismo e de todas as formas de preconceitos, discriminações e violações dos direitos das mulheres na sociedade.
Os processos educativos devem enfrentar os mecanismos de exclusão enfrentados pelas mulheres, acentuados quando se faz o recorte de classe social, raça/etnia, regional, geracional e de mulheres com deficiência.
É preciso promover a erradicação do analfabetismo feminino, especialmente entre mulheres acima de 50 anos, estimulando e garantindo a participação das mulheres na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA); incentivar a escolarização das mulheres em todos os níveis e modalidades de ensino, promovendo seu acesso a uma educação pública de qualidade, com as condições para a sua permanência no sistema educacional, considerando as mulheres em sua diversidade, além de produção de materiais didático-pedagógicos que incorporem a perspectiva de gênero em todos os conteúdos elaborados.
O Brasil e as mulheres
Para que sejam superadas as condições de opressão e pobreza da vida das mulheres é necessário um novo modelo de desenvolvimento, baseado em alguns pilares que expomos a seguir:
O primeiro deles é a democratização profunda de nossa sociedade. O sistema político existente no Brasil segue produzindo enormes distorções. Um destaque é a sub-representação das mulheres nas diferentes esferas de participação políticas e acesso aos espaços de poder. Quanto aos meios de comunicação, como vimos, interferem de maneira descarada em prejuízo da democracia, inclusive reforçando a subordinação da mulher.
O segundo pilar é a ampliação do alcance e a qualidade das políticas públicas e sociais, no fortalecimento de direitos de cidadania, considerando que as mulheres ainda são as principais vítimas do Estado mínimo.
Com esse olhar, há que se empenhar na consolidação do SUS (Sistema Único de Saúde) e SUAS (Sistema Único de Assistência Social) que, pela própria condição social das mulheres, faz com que elas sejam as que mais demandam essas políticas públicas.
Considerando que tanto o SUS quanto o SUAS são norteados pelos princípios de igualdade e equidade, ambos contribuem para a superação da exclusão a que as mulheres foram submetidas ao longo da história.
Para assegurar isso, muito ainda há que ser feito, principalmente no momento atual, onde o SUS enfrenta problemas com a criação de organizações sociais, OSCIP´s, implantadas por governos neoliberais (estados e municípios), que terceirizam e/ou privatizam a gestão do SUS. Esse retrocesso caracteriza, novamente, os malefícios do Estado mínimo.
O SUAS exerce papel fundamental no conjunto de ações que contribuem para a promoção social das mulheres. Nesse contexto, a transversalidade de políticas públicas de assistência social assegura às mulheres a condição de “sujeitos de direito” e beneficiárias diretas na política de inclusão social.
O terceiro pilar consiste na realização de reformas estruturais, que alterem a matriz social e econômica de nossas sociedades. São essenciais: a reforma urbana, a reforma agrária, a democratização da comunicação social, a reforma política, a reforma do sistema financeiro, a reforma tributária e do Estado. Ao pautarmos a reforma política, é necessário debatermos a participação da mulher nos espaços de poder e decisão e sua conseqüente sub-representação.
O quarto pilar é a criação de um modelo econômico alternativo, que combine capacidade de crescimento, inovação, geração de trabalho, redistribuição de renda e riqueza.
Estamos assistindo, nos últimos anos, a uma escalada do conservadorismo religioso na seara pública, elegendo representantes nos parlamentos e governos, e pautando a mídia. Temos sofrido ataques aos direitos reprodutivos das mulheres, principalmente no que diz respeito à descriminalização do aborto e sua legalização, e à livre orientação sexual.
É tarefa do movimento de mulheres discutir e reivindicar a importância do Estado laico. Propostas como o PL 1763/2007 (o “bolsa estupro”) e o Estatuto do Nascituro são manifestações deste conservadorismo, que atuam na direção inversa daquela construída historicamente pelos movimentos de Mulheres e de Saúde, atacando duramente a autonomia das mulheres e o direito de decidir sobre seu corpo e sua vida.
Finalmente, é preciso enfrentar a imensa desigualdade de gênero, a desigualdade racial, a lesbofobia, a homofobia e todas as formas de preconceito e discriminação. É preciso incorporar a dimensão universal dos direitos humanos, com políticas afirmativas e com a promoção de políticas públicas que afirmem valores democráticos, o respeito à diversidade e o combate contra as discriminações e exclusões.
Devemos ter como objetivo acabar com as variadas formas de discriminação associadas ao capitalismo e ao neoliberalismo, como é o caso do preconceito étnico/racial, do sexismo e da lesbofobia. O enfrentamento do machismo, do racismo e da lesbofobia/homofobia fazem parte da construção de um novo modelo de desenvolvimento, pois não será possível avançar na emancipação da mulher sem enfrentarmos o capital, o machismo e o patriarcado.
É preciso pautar mais fortemente, na sociedade brasileira, o debate sobre o papel das mulheres e dos homens, seus direitos, a naturalização das diferenças hoje existentes, a pouca inserção da mulher no espaço público e no mundo do trabalho, as diferenças de salário, a educação e violência sexista, a livre orientação sexual e a necessidade de políticas públicas que promovam a autonomia pessoal, econômica e financeira das mulheres.
Enquanto a sociedade não superar o debate sobre a real necessidade da divisão sexual do trabalho doméstico, o qual ainda é visto como uma tarefa feminina, propomos a aprovação e regulamentação da aposentadoria para as donas-de-casa como um dos elementos de reparação e principalmente a garantia e igualdade de direitos trabalhistas para as trabalhadoras domésticas com as demais categorias.
As mulheres no atual modo de produção
As mulheres são diretamente responsáveis pela reprodução biológica e pela reprodução da força de trabalho. Daí a necessidade, do ponto de vista do Capital, do controle sobre a sua sexualidade, sua função de procriação e a manutenção no trabalho doméstico. Assim, tais tarefas, de sustentação cotidiana dos indivíduos, ou melhor, o trabalho doméstico tornou-se uma obrigação da mulher, desresponsabilizando o Estado, a iniciativa privada e a burguesia de criar as condições para que esse trabalho totalmente social seja desenvolvido fora da esfera da casa.
Dessa forma a sociedade e o Estado se desobrigam da educação das crianças, do cuidado com as pessoas idosas, doentes e as pessoas com deficiência, da alimentação, das necessidades cotidianas como lavar e passar roupa, transporte, entre outras. Ao mesmo tempo, a subordinação sexual das mulheres faz também com que elas não tenham o direito de definir os caminhos de sua própria vida, e, portanto, decidir se querem ter ou não ter filhos.
Assim, através da dominação sexual, mantendo as mulheres desvalorizadas enquanto sexo se justifica uma subordinação que se manifesta em todos os setores da sociedade, na utilização da violência sexual, no controle sobre sua função reprodutiva, na posição secundária no mercado de trabalho, na exigência de uma super-disciplina no trabalho, na reprodução no seio da própria classe trabalhadora desses valores que aumentam as condições de exploração.
Com a estratégia de manter a maioria das mulheres isoladas em casa, sem participação social e política, a subordinação da mulher cumpre papel fundamental na estrutura familiar para a reprodução da ideologia que justifica a desigualdade, a exploração e a opressão em todos os campos na sociedade.
Do ponto de vista ideológico, a família patriarcal, que reproduz os valores da burguesia é o principal mecanismo para manutenção da opressão das mulheres, que se traduz na divisão do trabalho, na divisão entre o mundo público e privado, na existência de uma dupla moral baseada na hipocrisia e na mercantilização das relações pessoais; o cultivo da violência e do poder masculino, o machismo, sobre as mulheres; a manutenção das ideologias religiosas conservadoras.
A supremacia masculina e o capitalismo definem-se com as principais relações que determinam a opressão das mulheres. O capitalismo assimilou a opressão das mulheres como um de seus pilares de dominação.
Além das relações de classe presentes em nossa sociedade, outros sistemas de opressão são determinantes na vida das pessoas, na construção dos valores, na organização de relações sociais e pessoais.
As condições em que vivem mulheres e homens não são produtos de um destino biológico, mas são antes de tudo construções sociais. Mulheres e Homens formam dois grupos sociais que estão engajados em uma relação social específica: as relações sociais de sexo. Estas, como todas as relações sociais, têm uma base material, no caso o trabalho, e se exprimem através da divisão social do trabalho entre os sexos, chamada, de maneira concisa: divisão sexual do trabalho.
Na sociedade capitalista a subordinação e opressão das mulheres são fundamentais, pois dessa forma se diminui os custos com a reprodução da força de trabalho e rebaixam os salários do conjunto da classe trabalhadora.
Essa situação propicia a naturalização dos privilégios de um sexo sobre o outro – valores burgueses e patriarcais – e, principalmente, divide e aliena a classe trabalhadora, criando maiores dificuldades para o desenvolvimento de uma consciência capaz de libertar a classe de sua opressão.
A divisão sexual do trabalho no capitalismo, embora favoreça a burguesia enquanto classe, favorece também aos homens enquanto indivíduos. Além disso, a violência masculina na família e nas relações pessoais, no movimento operário, dentro dos partidos e organizações políticas da classe trabalhadora e as prepotências masculinas são problemas com que as mulheres têm de se defrontar cotidianamente, não apenas por parte da burguesia e dos patrões, mas no seu convívio com os homens na sociedade em geral.
Direitos das trabalhadoras domésticas
A participação da SPM na 100ª Conferência Internacional do Trabalho em Genebra ajudou na aprovação da Convenção 189 sobre o Trabalho doméstico e da Recomendação 201.
Agora, o Brasil deve ratificar a Convenção, o que beneficiará mais de sete milhões de pessoas que hoje vivem do trabalho doméstico.
Na construção da Consolidação das Leis Trabalhistas, no governo Vargas, os trabalhadores rurais e domésticos foram esquecidos. Já a Constituição de 1988 equiparou os direitos dos trabalhadores rurais ao dos urbanos, mas não fez o mesmo com os domésticos.
Paralelo à ratificação da Convenção, o Brasil deve realizar mudanças na legislação.
Uma comissão especial no Congresso Nacional deve dar parecer à proposta de emenda à Constituição (PEC 478/10), que trata da igualdade de direitos trabalhistas para os empregados domésticos. A proposta revoga o parágrafo único do artigo 7º da Constituição, que trata especificamente dos domésticos, concedendo a eles apenas alguns dos 34 direitos trabalhistas previstos para o conjunto dos trabalhadores.
As mulheres estão mais concentradas em ocupações consideradas precárias (piores salários, baixa proteção social e trabalhista etc.). Cerca de 41% das mulheres estava, em 2009, nessas condições, enquanto para os homens o resultado era de cerca de 25%. Se considerarmos a questão racial, 48% das negras estavam em ocupações precárias, enquanto cerca de 34% das brancas estava na mesma condição.
Dados da PNAD 2008 mostram que existem no Brasil 7,2 milhões de trabalhadores domésticos. Destes, 6,7 milhões são mulheres, 62% são negras e 30% não têm carteira assinada. A grande maioria também não tem acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e não dispõem de horário de trabalho definido.
As 6 milhões e 700 mil empregadas domésticas recebem, na média, R$ 395,00 mensais, valor abaixo de um salário mínimo e inferior à média geral das mulheres (que é de R$ 759,00). E são menos escolarizadas: 6,1 anos de estudo no caso das empregadas domésticas, sendo que a média das mulheres é de 7,7 anos de estudo.
A luta das mulheres negras
O Estado brasileiro fomentou e absorveu o principio da miscigenação como forma de convivência harmônica e igualitária entre as raças que formaram a nação, acrescentando no imaginário da população uma crença de democracia racial, tornando o racismo algo supostamente superado.
Em 1975, quando as feministas se reuniram na Associação Brasileira de Imprensa para comemorar o ano internacional da mulher, as mulheres negras ali compareceram, apresentando um documento onde caracterizavam a situação de opressão da mulher negra.
Todavia, esse grupo pioneiro acabou por se desfazer, e suas componentes continuaram a atuar nas diferentes organizações que se criaram. Os anos seguintes testemunharam a criação de grupos de mulheres negras como o Aqualtune em 1979; Luiza Mahin em 1980; Grupo de mulheres negras do Rio de Janeiro - todos eles foram, de um modo ou outro, reabsorvidos pelo movimento negro.
O movimento negro ressurge no fim dos anos 70, pautando com outros movimentos, dentre os quais o movimento feminista, a luta pela redemocratização, superação das desigualdades e busca da reparação.
Percebe-se que ambos os movimentos (feminista e negro) deixaram de considerar as mulheres negras como sujeitos de suas lutas, silenciando a questão do sexismo e do racismo respectivamente, posicionando as mulheres negras em uma situação desfavorável. Com isso, estas mulheres perceberam a necessidade “de enegrecer” a agenda do movimento feminista e “sexualizar” a do movimento negro, afirmando novos sujeitos políticos e exigindo reconhecimento das diferenças e desigualdade entre esses novos agentes. A partir de então, consolida-se o movimento de mulheres negras pautando suas particularidades.
O fato de 48% das mulheres negras estarem no serviço doméstico é sinal de que a expansão do mercado de trabalho para essas mulheres não significou ganho expressivo e ainda sim, quando essa barreira social é rompida e as mulheres negras conseguem investir em educação, numa tentativa de mobilidade social, acabam tendo que se submeter a empregos com menores rendimentos e menos reconhecimento no mercado de trabalho.
O lugar predestinado para as mulheres negras, dentro da linha de pensamento capitalista, capitaneado pelo racismo e pela heteronormatividade, é de lavadeira, passadeira, doméstica e de serviços de faxinas em geral.
A inserção da mulher negra no mercado de trabalho ainda é permeada por preconceito e posicionamentos racistas, concretizados pela exigência de fotos nos currículos como um mecanismo de pré-seleção, imperando a “boa aparência” dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade capitalistas, nas contratações.
A trajetória de luta das mulheres negras pela emancipação, alcançando a condição de sujeitos ativos da própria história exige trabalhos, discussões e acúmulos que abrem a mente e mudam a forma de pensar e agir das gerações na construção de uma sociedade socialista, na relação gênero/classe/raça.
O socialismo petista e as mulheres
A luta pela libertação das mulheres é um componente fundamental da luta para construção de uma nova sociedade: o socialismo. O III Congresso Nacional do PT reafirmou o caráter socialista do partido, reconhecendo a centralidade das contradições de gênero, de raça e de classe no processo de dominação capitalista e a manifestação dessas contradições no interior da classe trabalhadora, um passo fundamental para construirmos a identidade política das mulheres, de negras e negros, de trabalhadores e trabalhadoras na luta pelo socialismo.
A reafirmação da perspectiva socialista recoloca, necessariamente, na pauta do partido a retomada da formulação da correlação intrínseca entre feminismo e socialismo; a afirmação da democracia como elemento fundamental da política, a superação do machismo, do racismo, da homofobia/lesbofobia e de todas as formas de preconceito e discriminação requerem comprometimento e apoio efetivo do PT.
A perspectiva de um feminismo socialista não dissocia a luta pela superação da opressão sexual da necessidade de profundas mudanças sociais e da ruptura com as brutais desigualdades de classe e étnico-raciais. Por esta razão, consideramos indispensável que o partido identifique-se, de forma efetiva, com a subversão dos padrões, dinâmicas e valores que se fundam na hierarquia opressora das relações entre mulheres e homens que permeiam a sociedade e mantêm a lógica de opressão, envolvendo toda a população nos dois pólos desta contradição.
As mulheres e o socialismo: desafios que se apresentam
As experiências socialistas que tiveram lugar no século XX foram incapazes de alterar a hierarquia de gênero, apesar de terem consignado direitos às mulheres muito avançados para época, como: aborto legal, direito ao divórcio, proteção à maternidade e supressão do poder marital.
A Revolução Russa foi marcada por contradições, pois apesar de ter concedido direitos às mulheres, na década de 30 verificaram-se mudanças que restringiram os direitos da mulher – o aborto foi abolido, o direito ao divórcio foi restringido, e as disposições legislativas orientavam-se pelo fortalecimento da família, apesar das mulheres estarem inseridas na produção.
Não podemos menosprezar o peso material dos privilégios e a sua incorporação na consciência dos homens e, portanto, a dificuldade de se romper efetivamente com eles.
A contradição entre os interesses da classe trabalhadora e os privilégios que os homens mantém devido à opressão das mulheres é tão grande, que a subordinação e opressão das mulheres se manteve nas sociedades onde a classe trabalhadora tomou o poder.
O feminismo, ao lutar contra o sistema social baseado na injustiça, na exploração e na opressão, aponta nesta luta o papel central da luta contra a opressão das mulheres. Reivindica os direitos e responsabilidades de cada mulher sobre si mesma: sua força de trabalho, sua capacidade de procriar e sua sexualidade, articulando o pessoal e o público, o individual e o coletivo, a transformação pessoal e a construção de um movimento de mulheres massivo que organize a força das mulheres em luta.
O PT e a luta das mulheres
A luta contra a discriminação das mulheres na sociedade é parte constitutiva do programa, manifesto e resoluções do Partido dos Trabalhadores. As Secretarias de Mulheres do PT, nos seus diferentes níveis, têm cumprindo um papel importante na organização e fortalecimento do movimento de mulheres, construindo e solidificando bandeiras como a autonomia das mulheres sob o seu corpo, a socialização do trabalho doméstico, salário igual para trabalho igual e construindo e elaborando políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero.
Outras bandeiras que marcaram a organização das mulheres no partido foram: a luta por creche, a luta pela saúde integral da mulher, o direito à livre orientação sexual e à diversidade sexual, a luta por igualdade salarial, a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos, a luta pela autonomia de seu corpo, pela defesa da legalização do aborto e melhoria das condições de saúde, pela constituição de instrumentos de gestão para a implementação de políticas públicas para as mulheres, pelo direito civil e previdenciário dentre outros.
Neste sentido o programa do PT enfrenta o desafio de, a partir de uma perspectiva socialista, incorporar as questões feministas, da juventude, geracional, raciais e étnicas, de livre orientação sexual, do meio ambiente, indígenas, dentre outras.
A organização das mulheres no interior do Partido dos Trabalhadores acumulou importantes conquistas dentro e fora do partido. Internamente ao PT, a principal discussão, a partir de 1987, foi o debate e aprovação da política de ação afirmativa. Ele incidiu na organização das mulheres no interior do partido, na discussão sobre o poder, e na conseqüente instituição das cotas obrigatórias de, pelo menos, 30% de mulheres na direção partidária. E, mais recentemente, na aprovação da paridade pelo IV Congresso do PT.
Estas iniciativas inspiraram, além da CUT - Central Única dos Trabalhadores, diversos partidos de esquerda e, por fim, a legislação eleitoral (ao instituir a obrigatoriedade de mulheres nas chapas proporcionais).
Entretanto, o rebaixamento político, ideológico, programático e organizativo do PT, com a opção da política de centro-esquerda, que originou as crises vividas nos anos de 2005 e 2006, influenciou o conjunto do partido.
O seu impacto na política e ação da secretaria de mulheres foi tão nocivo, que, em muitos casos, inviabilizou um maior avanço na luta das mulheres e, em especial, comprometeu a construção de uma visão feminista e socialista no interior do PT.
Essa concepção se expressou também nas políticas de alianças eleitorais, na construção de acordos de sustentação de governos com partidos conservadores, os quais foram negociados, muitas vezes, princípios fundamentais do PT. Sendo visível, em especial, nas campanhas eleitorais, nas quais a abordagem do tema sobre o papel das mulheres na sociedade, seus direitos e a luta pelo fim da desigualdade se tornaram periféricos e distorcidos.
Assim o debate sobre o aborto e a livre orientação sexual – bandeiras histórias das mulheres petistas – foram retirados da pauta política. A falta de orientação partidária, associada à onda conservadora que se abateu sob o PT, introduziu elementos na cultura partidária contrários à nossa construção histórica, como o culto à figura da primeira dama, a redução do debate da criação, implantação e ampliação das políticas públicas para mulheres.
No plano legislativo, iniciativas parlamentares também foram na contramão, como a Frente Parlamentar em Defesa da Vida – articulada e composta por diversos deputados do PT, além do projeto da Bolsa-Estupro, que prevê ajuda financeira às mulheres vítimas de estupro. Ambas numa clara oposição aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, rompendo inclusive com a natureza laica de nosso partido.
O PT em seu III Congresso (2007) reiterou seu compromisso com a luta feminista e das mulheres ao aprovar, após uma dura batalha, a descriminalização do aborto, com garantia de atendimento público humanizado e legal às mulheres, se somando ao movimento que empurra o Brasil a dar um importante passo rumo à construção da igualdade entre homens e mulheres, mas temos que continuar avançando e fazer com que o PT intervenha e puna os deputados que ferem essa resolução.
Defendemos um Estado laico, a auto-determinação pessoal, econômica e financeira das mulheres, o fim de todas as formas de violência contra as mulheres, a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos e o combate a todas as formas de discriminação. O Partido tem que ir para as ruas levantando a bandeira do feminismo na sociedade.
As políticas públicas para mulheres
As mulheres do PT, na década de 80, elaboraram uma proposta de políticas públicas para serem implementadas pelo poder executivo em todos os níveis, partindo do pressuposto que a pseudo-imparcialidade do Estado favorece aqueles que estão em vantagem.
A proposta consistia em criar, no âmbito governamental, órgãos específicos para elaborar, formular, articular e executar políticas para mulheres, com dotação orçamentária e interface com as demais secretarias/políticas/ programas de governo.
O objetivo dessa proposta era o de colocar o poder de Estado, nos seus diferentes âmbitos – municipal, estadual e federal – a serviço da eliminação das desigualdades entre homens e mulheres. Seja na família, no trabalho, na escola, no lazer ou na cultura. Isso se daria através de políticas públicas concretas. Tal concepção se contrapôs aos Conselhos da Condição Feminina, que expôs seus limites, por possuir caráter consultivo e não ter autonomia na ação frente ao conjunto do governo.
A criação da SPM, organismo federal que elabora e implementa as políticas publicas especificas para as mulheres, foi um grande avanço no âmbito do governo federal. Criada em 2003 no governo Lula, e mantida pela Presidenta Dilma, teve papel fundamental na implementação de mecanismos que buscam o enfrentamento das desigualdades nas relações de gênero no país, além da realização de três Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, que envolveram etapas Municipais e Estaduais, a construção de dois Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres, construídos de maneira participativa pelas mulheres Delegadas das Conferências.
Lamentavelmente, esta experiência em curso não tem sido implementada em municípios e Estados dirigidos pelo Partido dos Trabalhadores e, em alguns estados e municípios, foram substituídos por núcleos temáticos de governo, perdendo o caráter de eixo estruturante que a política pública para mulheres deve ter nas políticas e ações de governo. Existe um limite claro na ação puramente institucional, como também naquela pautada na defesa exclusiva dos marcos legais e tratados internacionais, convenções nacionais e outras iniciativas que tomaram impulso na década de 90, com o avanço do neoliberalismo. Conhecemos a importância desses mecanismos, mas nada substitui a luta das mulheres pela igualdade de direitos.
Em 2003 havia no Brasil (entre municípios e estados) apenas 13 organismos de políticas para mulheres e hoje são 24 organismos estaduais e mais de 300 organismos municipais. Foi um aumento considerável do ponto de vista da gestão pública, mas que não alcança se quer 5% do total de municípios existentes no Brasil. Cabe registar que a 1ª Assessoria dos Direitos da Mulher foi criada em 1989, em Santo André/SP e em 1999 vieram as experiências estaduais do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
Mulheres e a reforma política
Setores conservadores do nosso País se organizam em torno de duas posições, entre aqueles que já se esforçam para que a reforma se inviabilize não avançando um milímetro, e, outro que enxerga uma oportunidade para fazer uma contra-reforma conservadora, promovendo um verdadeiro golpe à democracia.
Se o atual sistema eleitoral, mesmo com os seus enormes limites, possibilitou que nós mulheres de esquerda chegássemos ao patamar que estamos, elegendo uma presidenta da República, por outro, ele não permite que continuemos avançando e aprofundando as mudanças de cunho estrutural e de caráter estratégico que precisamos para ampliar a participação das mulheres nas eleições e nos espaços de poder.
Nas regras eleitorais atuais, as trabalhadoras, as mulheres em geral, as negras, as jovens e a esquerda, estarão sempre sub-representadas.
Neste contexto, nós mulheres continuaremos encontrando enormes obstáculos. Necessário se faz a aprovação de medidas que signifiquem mudanças capazes de incidir na correlação de forças e acabar com a sub-representação de segmentos da sociedade.
Hoje, somos apenas 46 mulheres na condição de deputadas federais, ou seja, menos de 10% da Câmara Federal e apenas 8 na condição de senadoras, não alcançando 10% no Senado.
Segundo dados da União Interparlamentar, o Brasil até 2010 ocupava o centésimo segundo lugar no ranking de mulheres nos espaços de poder, entre 187 países, atrás de várias nações sul-americanas.
Na Argentina, as mulheres conquistaram avanços significativos em relação ao Brasil. Desde a década de 90 aprovaram a Lei de Cotas, que obriga os partidos políticos (sob pena de severas punições) ordenarem a lista com mulheres pelo menos nas posições terceira, quinta e sétima. Antes da vigência desta lei, a proporção de mulheres na Câmara de Deputados da Argentina era apenas de 7%. Na primeira eleição, já sob a nova lei saltou para 21%. Hoje a presença da mulher no parlamento é superior 40%.
Na experiência latino-americana ficou bem clara a grande utilização do dispositivo da sanção aos partidos que não cumprem as cotas, ponto que na discussão das reformas anteriores teve enorme resistência por parte dos representantes dos partidos políticos aqui no Brasil.
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o CFEMEA realizou pesquisa junto aos parlamentares da legislatura 2007-2010 sobre os direitos das mulheres e 60% dos parlamentares entrevistados não concordaram em estabelecer punições aos partidos que não cumprissem as cotas de mulheres nas chapas proporcionais. 72% discordavam em adotar lista fechada com alternância de sexo.
Em linhas gerais, essas pesquisas demonstram a resistência de parte significativa dos parlamentares à ampliação da participação política das mulheres. Portanto, se desejamos uma reforma política inclusiva e que leve em consideração as demandas femininas por participação política e de acesso aos espaços decisórios, necessitamos de muita ousadia, organização e mobilização.
Embora a participação das mulheres venha crescendo no Brasil, ainda, é uma presença frágil e em grande medida subordinada a cultura patriarcal.
Neste contexto é fundamental lutar pela aprovação da reforma política e trabalhar pelo:
- Financiamento público de campanha que facilita ao colocar em igualdade financeira a participação das mulheres nas eleições;
- Lista fechada preordenada, com paridade entre mulheres e homens (alternância, uma mulher e um homem), com recorte étnico-racial e fidelidade partidária;
- Mobilizar as mulheres para a importância da reforma política, pois avançaremos menos ou mais, dependendo do nível de mobilização e pressão social que conquistarmos.
O PT e o movimento de mulheres
Na história brasileira, as militantes feministas petistas tiveram uma valiosa contribuição na construção do movimento de mulheres, com papel decisivo em sua ampliação e enraizamento nos movimentos sociais e na construção de uma referência socialista para um campo importante desse movimento. Um forte setor do movimento de mulheres, em sua base social mais ampla, identificou-se com o Partido dos Trabalhadores e depositou nele parte de suas esperanças de alterar a profunda desigualdade entre mulheres e homens em nossa sociedade.
Atualmente existem importantes movimentos que têm articulado a luta pela libertação da mulher e buscado incidir na pauta política. Nós, mulheres petistas, estamos inseridas em alguns deles como: o Setorial de Mulheres da CMP (Central de Movimentos Populares), a Marcha Mundial das Mulheres, o MMTR (Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais), MMC (Movimento de Mulheres Camponesas), AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras), MMTU (Movimento das Mulheres Trabalhadoras Urbanas), SMTCUT (Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT), Articulação de Mulheres Negras, Liga Brasileira de Lésbicas, Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a Marcha das Margaridas/CONTAG.
A existência desses movimentos está diretamente ligada ao centro de suas reivindicações, que combinavam uma pauta específica com a luta geral, ou seja, o setorial de Mulheres da CMP organizava as mulheres ao mesmo tempo em que reivindicava do Estado o atendimento de suas exigências – água, luz, moradia, saúde, alimentação, dentre outras demandas da vida urbana.
A Marcha Mundial das Mulheres vem organizando as mulheres contra a pobreza e a violência sexista, relacionando a luta anticapitalista à luta contra o patriarcado. Hoje, os quatro eixos em debate são a autonomia econômica das mulheres, bem comum e serviços, paz e desmilitarização e a violência contra as mulheres.
Os Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais, nos últimos anos, têm lutado pela valorização da auto-estima, pelos direitos e cidadania da mulher, direito à produção, geração de trabalho e renda, políticas públicas, participação e representação das mulheres rurais, articulação e mobilização política, saúde e meio ambiente conquistando ainda benefícios como a aposentadoria, direito à licença maternidade e direito ao título da terra, que até então as mulheres trabalhadoras rurais e do campo não possuíam. Recentemente as mulheres da Via Campesina lançou a campanha Internacional “Basta de Violência contra Las Mujeres” chamando a atenção para a violência doméstica, familiar e patrimonial a que são submetidas as camponesas.
A Marcha das Vadias é um movimento recente, iniciou-se em 3 de abril de 2011 em Toronto no Canadá e, desde então, tornou-se um movimento internacional realizado em todo o mundo. A pauta principal é a luta contra a violência sexista e a luta pela autonomia do corpo da mulher.
Os Coletivos de Mulheres Universitárias são essenciais para o fortalecimento e a auto organização das mesmas no espaço universitário e o movimento estudantil. As pautas são voltadas para o combate a opressão e a discriminação dentro e fora da Universidade, violência sexual nos campos e a luta por creches, dentre tantas outras inerentes a realidade das estudantes.
A Marcha das Margaridas, realizada nos anos de 2000, 2003, 2007 e 2011, teve como plataforma política e pauta de reivindicações as questões estruturais e conjunturais e aquelas específicas das trabalhadoras do campo e da floresta, todas buscando a superação da pobreza e da violência e o desenvolvimento sustentável com igualdade para as mulheres.
Neste aspecto é fundamental reconhecer e incorporar as diferenças, reelaborar novos conceitos sobre autonomia, relação com o Estado, a institucionalização do movimento e refletir sobre as novas formas de poder que se instalam no interior dos movimentos sociais e de como nós mulheres petistas contribuiremos nesta discussão.
A luta das mulheres do campo e das florestas por terra, trabalho, justiça e igualdade se confunde com a história de organização e resistência dos povos e comunidades tradicionais e camponeses.
No entanto, a invisibilidade do trabalho das camponesas é intensa, uma vez que grande parte da produção do campo envolve diferentes membros da família, seja para o auto-consumo ou para a venda.
O trabalho feminino, essencial para a produção familiar, permanece invisível. Com isso as camponesas arcam em maior grau com a sustentação da família, sem ter esse trabalho remunerado e, menos ainda, reconhecido.
As especificidades das políticas de autonomia das mulheres do campo e das florestas devem levar em consideração as experiências existentes no campo da economia solidária, que envolvem o fortalecimento da comunidade local, valorização do conhecimento e promoção de renda.
Na trajetória de luta e reivindicações, as camponesas já computam alguns avanços como: obrigatoriedade da titulação conjunta da terra; a assistência técnica, por meio da Assistência Técnica de Extensão Rural (Ater) para mulheres; o acesso ao crédito, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); o acesso à documentação civil, por meio do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural; os programas de inclusão produtiva e o apoio aos grupos produtivos de mulheres rurais e comunidades tradicionais. É de se destacar, ainda, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Um dos problemas fundamentais é o enfrentamento à violência. No Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, composto por ministérios afins e sociedade civil (movimentos sociais), percebeu-se a urgência em ampliar e aperfeiçoar a Rede de Atendimento às Mulheres em situação de violência que vivem nas áreas rurais, através de unidades móveis de atendimento às mulheres em situação de violência.
Organização e tarefas das mulheres petistas
É necessário retomar a plataforma feminista no PT. Neste processo é necessário fazer o balanço das últimas gestões da Secretaria Nacional de Mulheres do PT. Uma das marcas deste longo período foi a interdição do debate do feminismo no PT, truncando o trabalho coletivo que até então existia e, principalmente, secundarizando o papel que esta instância sempre teve nos embates nacionais, articulando ao longo da história importantes conquistas para as mulheres petistas.
Lamentavelmente o resultado desta política consciente resultou no esvaziamento do papel da secretaria nacional no conjunto da vida partidária, abriu mão da visão de um feminismo socialista e não enfrentou o retrocesso no movimento de mulheres e no interior do partido. Foi dentro dessa dinâmica que vimos aumentar as práticas machistas dentro do partido e a permanente desqualificação das militantes mulheres e sua presença vista como figurativa causando o afastamento das mulheres da vida partidária; diminuição da importância e do papel da política feminista na vida partidária; um rebaixamento programático que aceita e mantém a desqualificação das mulheres, não questiona os papéis tradicionais, a despeito da presença massiva das mulheres no partido e nos movimentos sociais.
É fundamental, para resgatar o protagonismo das mulheres do PT, que a Secretaria Nacional de Mulheres: recupere um processo democrático de funcionamento; que busque enfrentar os desafios colocados para uma prática feminista dentro do partido; que supere as fortes ambiguidades que levam a uma postergação permanente das bandeiras prioritárias das mulheres; e que contribua efetivamente para fortalecer as mulheres como sujeito coletivo. Sem esta atuação coletiva é cada vez mais difícil enfrentar uma luta que por si só encontra dificuldades no partido: garantir na sua atuação e no seu programa uma coerência com as bandeiras do feminismo.
Nossa plataforma feminista tem que ser capaz de atuar a partir de uma análise real da situação das mulheres brasileiras e fazer a defesa contundente de uma perspectiva feminista e socialista, da igualdade étnico-racial e da livre orientação sexual e que, portanto, construa uma visão crítica aos retrocessos, ocorridos a partir do neoliberalismo e articule da luta por mudanças na vida das mulheres com a luta anticapitalista.
Uma plataforma que: valorize a intervenção no movimento de mulheres e invista na retomada das mobilizações e da ação coletiva; que lute por políticas sociais universais, rompendo com o atual paradigma de políticas focais nas políticas públicas, sem que isso signifique abandonar a ação direta sobre desigualdades entre mulheres e homens; que organize o combate ao machismo dentro do partido e busque construir novos valores e novas práticas, o que só será possível com o reforço da auto-organização das mulheres dentro do partido e com a nossa contribuição para a construção de um vigoroso e massivo movimento de mulheres; que fortaleça a participação das mulheres nas direções e delegações – como um mecanismo provisório de estímulo à superação da desigualdade - buscando dar condições às mulheres de fazer o enfrentamento político na disputa por espaço de poder, concretizando a perspectiva de sermos sujeitos históricos de nossas bandeiras.
A vitória no III Congresso Nacional do PT, na votação onde foi vencedora a posição da “descriminalização do aborto, com garantia de seu atendimento pelo SUS”, foi uma vitória daquelas companheiras que ousaram mais uma vez em colocar o debate dos direitos da mulher em pauta. O mesmo deve ser dito da vitória, no IV Congresso do PT, da proposta de paridade nas direções.
Essa plataforma feminista tem que dialogar com a dinâmica e reivindicação específica das mulheres urbanas, rurais, jovens, negras, lésbicas, enfim, tem que ser capaz de expressar a luta e toda sua diversidade.
As Secretarias de Mulheres do PT – nacional, estaduais e municipais - têm condições de apresentar neste próximo período, em especial, na elaboração do Programa de Governo para as disputas municipais, contribuições efetivas para ampliarmos os direitos e as políticas para as mulheres.
Ressaltamos a importância da organização partidária, que sofreu um profundo retrocesso nos últimos anos. É necessário o aprofundamento da democracia interna que respeite a diversidade, reafirme e faça cumprir as resoluções políticas votadas em encontros e congressos que representam o acúmulo da luta das mulheres. Um partido que invista nas secretarias como instrumentos de formulação política e de relação permanente com os movimentos sociais, que tenha nos setoriais o espaço de interlocução e diálogo para a implementação de políticas nos governos municipais, estaduais e nacional. Uma das respostas para estes desafios é organizar nossa ação, enquanto mulheres da Articulação de Esquerda, em diferentes frentes.
Na organização partidária:
a) Fortalecer a atuação das Secretarias de Mulheres em todos os níveis;
b) Fortalecer os coletivos das Secretarias de Mulheres do PT existentes;
c) Acompanhar e fiscalizar o cumprimento da paridade em todas as instâncias partidárias;
d) Estimular, dar estrutura e investimento financeiro à presença das mulheres na disputa dos espaços de poder e de decisão;
e) Fortalecer e assegurar as reuniões, assim como construir um sistema de formação permanente das mulheres e do coletivo de mulheres, com participação e responsabilidades coletivas/conjuntas;
f) Realizar a formação política e feminista das filiadas;
g) Atuar, junto à secretaria de formação política, para que em todos os cursos de formação a perspectiva feminista e a construção da igualdade de gênero, raça e etnia estejam contempladas, construindo e realizando também formação específica nestas áreas;
h) Construir e fortalecer em todos os diretórios municipais a Secretaria de Mulheres, a fim de enraizar a organização e o debate das mulheres;
i) Atentar para que o calendário feminista e suas principais datas de mobilização sejam incorporados no calendário partidário, assegurando assim toda a estrutura necessária para estes momentos;
j) Atuar de forma conjunta com as secretarias da juventude, combate ao racismo e com o setorial LGBT, em especial com as lésbicas, para que possamos ampliar o debate e fortalecer o acúmulo das políticas públicas já construídas e organizar cursos de formação política sobre a questão LGBT;
k) Retomar a política de comunicação, de forma permanente e contínua, para que possamos dialogar com todas as mulheres filiadas ao partido;
l) Retomar a luta em defesa da descriminalização e legalização do aborto e pela autonomia das mulheres, bem como valorizar a paridade como parte da política de ações afirmativas;
m) Assegurar em todos os encontros/reuniões a creche, para que mulheres e homens possam realizar sua militância em iguais condições de participar dos debates políticos e do partido;
n) Criar mecanismos de controle das finanças do partido, contribuindo assim para uma maior e melhor distribuição e uso dos recursos partidários, estimulando a contribuição militante e o resgate do compromisso de cada filiada e filiado.
Junto aos movimentos sociais:
a) Priorizar o fortalecimento, organização e a articulação dos movimentos de mulheres que representem as principais lutas e bandeiras do movimento feminista nacional e internacional;
b) Estabelecer diálogo permanente com os movimentos sociais onde as mulheres estão presentes e organizadas, debatendo e construindo propostas de políticas públicas que melhorem a vida das mulheres, levando em consideração a saúde das trabalhadoras;
c) Participar e fortalecer os movimentos sociais e contribuir para a formação feminista destes movimentos;
d) Incentivar a formação de coletivos de mulheres nos movimentos sociais e sindicais mistos e estimular a formação de grupos de mulheres;
e) Estabelecer prioridade de ação junto aos movimentos sociais que mais representam as lutas das mulheres para seu fortalecimento e mobilização, organizando um calendário de lutas conjunto;
f) Constituir e participar de fóruns que exijam a implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
Junto aos espaços institucionais:
a) Assegurar relação e diálogo permanente com as bancadas de parlamentares para discutir propostas e projetos com a perspectiva feminista, como também evitar a apresentação de projetos cujo conteúdo se contraponha às bandeiras históricas das mulheres do PT;
b) Assegurar a implementação e o fortalecimento dos organismos executivos municipais e estaduais de políticas para a igualdade de gênero/políticas para as mulheres, principalmente nos governos petistas, garantindo o avanço, em nossas administrações, das políticas públicas para as mulheres;
c) Lutar pela continuidade e/ou implementação de organismos executivos municipais e estaduais de políticas para a igualdade de gênero/políticas para as mulheres, também em governos que não sejam nossos, como forma de manter as mulheres organizadas e em luta;
d) Estabelecer, de forma permanente, diálogo e debates, com troca de experiências e de formação, com as companheiras que estão à frente dos espaços institucionais de políticas públicas para mulheres;
e) Estabelecer comunicação e debate com as/os prefeitas/os do PT, fazendo a discussão do modelo de gestão e da implementação das secretarias da mulher em seus municípios;
f) Elaborar materiais informativos e de formação dos principais temas e debates feministas para que nossas companheiras gestoras nas suas cidades possam também realizar o debate;
g) Criar uma formação política permanente com as gestoras petistas;
h) Realizar campanhas de fortalecimento e estímulo para as mulheres concorrerem aos cargos públicos e aos espaços de decisão partidária, inclusive com destinação de fundo partidário proporcional;
i) Realizar materiais que contribuam para a atuação das/os parlamentares e das/os prefeitas/os, como instrumento para o avanço das políticas públicas para as mulheres.
Mulheres jovens e a AE
A Juventude da Articulação de Esquerda - JAE é orgânica em diversos movimentos sociais, como os movimentos: estudantil, secundarista, sindicalista, étnico, cultural, sem-terra, de luta pela moradia, dentre outros. E tem papel fundamental na luta por uma sociedade socialista democrática e popular. Sua participação e intervenção, nestes movimentos e, principalmente, dentro do partido, são expressivas, o que não é diferente nos movimentos feministas.
O atual modelo de sociedade tem um livre acesso às diversas juventudes, moldando as suas escolhas, alienando e impondo sua ideologia, fortalecendo uma cultura centrada no consumismo mercadológico.
Visivelmente, as jovens são as mais afetadas, pois este mercado as explora de diversas formas, inserindo conceitos que justificam a sua subjugação em todos os níveis, originárias do sistema patriarcal, como a educação sexista, padronização da beleza, assim como a naturalização da mercantilização do corpo da mulher.
Na infância são estimuladas a reproduzir estes conceitos de forma contundente, reforçando papéis intitulados como femininos, como o trabalho doméstico, cuidado com as/os filhas/os e companheiro e a idealização de uma imagem e beleza a serem alcançadas.
As jovens são as maiores vítimas da mercantilização, de abortos clandestinos mal sucedidos, da prostituição, do tráfico e do turismo sexual. Reprodutoras condicionadas, duplamente, a não se envolver com política, mantendo a postura de passividade.
Em nossa luta, enquanto militantes socialistas revolucionárias, no processo de conscientização, devemos saber identificar as especificidades como as geracionais, de gênero, étnica, orientação e superação da opressão sexual.
Os nossos desafios são muitos e nossas tarefas devem ser direcionadas na contra mão da realidade machista e opressora existentes em todos os espaços da sociedade.
Por isso, é essencial:
• Garantir a paridade nas direções: nacional, estaduais/distrital e municipais, como também, nas delegações;
• Participar dos espaços nacional, estaduais/distrital e municipais de auto-organização partidários e da corrente, voltados para o debate de gênero;
• Fortalecer nossa participação nos movimentos feministas, como os Coletivos Feministas nas Universidades, a Marcha Mundial das Mulheres, Marcha das Vadias, Articulação das Mulheres Brasileiras – AMB, assim como nos espaços da JPT e da UNE, como o Encontro de Mulheres Estudantes – EME, participando e intervindo de forma permanente na organização, mobilização e na construção de um espaço real de auto-organização das mulheres e um ambiente de formação e socialização de discussões, reconhecendo as mulheres enquanto sujeito político, promovendo o enfrentamento da opressão, buscando a igualdade em todas as formas e espaços;
• Garantir mais inserção e participação das mulheres, principalmente nos espaços de decisão, para tanto é necessário avançarmos na democratização dos espaços decisórios, combatendo as práticas conservadoras;
• Lutar pelas políticas públicas estruturantes para mulheres nas Universidade;
• Criar espaços de auto organização das jovens mulheres da AE;
• Criar espaços de debate de gênero para que as mulheres e homens da AE endossem a construção de uma sociedade sem machismo.
Articulação de Esquerda e a luta das mulheres
A Articulação de Esquerda reconhece que o movimento de mulheres e o movimento feminista trouxeram, para a luta geral da classe trabalhadora, um componente questionador das relações de poder entre mulheres e homens, entre as classes e intra-classe trabalhadora.
Defende na sua práxis cotidiana e em todos os seus espaços de organização e lutas a reafirmação da superação de todas as formas de discriminação/opressão das mulheres, considerando nesse aspecto a diversidade que envolve essa opressão, especialmente no que toca as mulheres negras, jovens e idosas; e aponta como uma das bases fundamentais para a superação das desigualdades de gênero e um pilar primordial na construção da democracia e do socialismo.
Para tanto, como uma corrente política que se propõe disputar na sociedade uma opinião política, organizar as lutas diversas da classe trabalhadora, a AE deve aprofundar sua contribuição teórica sobre as lutas pela superação da estrutura patriarcal da sociedade capitalista.
Sobre a autonomia das mulheres, bem como sua autonomia financeira:
-Enfrentar e organizar a luta pela superação de todas as formas de violência contra as mulheres, em especial a violência doméstica;
-Participar ativamente das organizações de mulheres e defender a participação das mulheres nos movimentos mistos;
-Defender nos espaços institucionais onde atuamos a transversalidade das políticas públicas com recorte de gênero, raça e geração;
-Lutar para transformar o PT num partido que avance a passos largos, na garantia da igualdade para as mulheres;
-Bem como lutar pela reforma política, que dê condições reais às mulheres de participar dos espaços de poder e decisão, propondo lista fechada, com alternância entre mulher/homem, bem como o financiamento público de campanha;
-Assegurar que nos congressos, conferências, plenárias, cursos de formação, reuniões, e quaisquer outros espaços de debate e deliberação as temáticas gênero, LGBT, raça e juventude, não sejam paralelos as primeiras que são transversais, permitindo assim, que todas e todos se apropriem das outras discussões políticas da tendência, garantindo uma maior politização das/os militantes;
-Assegurar em todos os encontros/reuniões a creche, para que mulheres e homens possam realizar sua militância em iguais condições de participação nos debates políticos dentro da corrente.
As Mulheres da Articulação de Esquerda reafirmam todas as bandeiras feministas das Mulheres do PT e neste momento conjuntural, em que estamos à frente da Secretaria de Política para as Mulheres, reiteramos nosso compromisso com a luta das mulheres brasileiras e trabalharemos dentro dos marcos institucionais para que o governo Dilma seja um divisor da história, dando um salto da superação das opressões que vivenciam as mulheres
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
LGBT
1. O reconhecimento da diversidade de expressões e práticas sexuais, da pluralidade, do direito ao próprio corpo e a autonomia, serão questões centrais na construção da estratégia socialista.
2. Isto só será possível se, de fato, compreendermos que as relações de exploração e opressão não se restringem à simples relação entre as classes, mas incluem também aquelas resultantes do machismo, do heteronormatismo, do patriarcalismo, do conflito inter-geracional e de toda forma conexa de intolerância, que impõem regras, ditam normas e valores, desassociam homens e mulheres, brancos e não brancos, heterossexuais e homossexuais, idosos(as) e jovens.
3. Para isto, identificamos que a exploração e a opressão não existem apenas entre diferentes classes, mas se encontram também no seio de uma mesma classe, de maneira muito mais drástica quando no interior das classes dominadas.
4. Por isto é preciso elevar o tom do debate, insistir numa estratégia de luta de longo prazo, a partir da superação das contradições da própria classe trabalhadora.
O combate à discriminação com base na orientação sexual
5. O tema da discriminação com base na orientação sexual foi formalmente suscitado em um foro das Nações Unidas, durante a Conferência Mundial de Beijing (1995). O debate sobre a não-discriminação com base na orientação sexual foi retomado de forma organizada durante o processo preparatório para a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia realizada em Durban, África do Sul (2001).
6. O Governo Brasileiro, em conjunto com organizações da sociedade civil, levou o tema para a Conferência Regional das Américas, realizada em Santiago do Chile, em 2000, preparatória para a Conferência de Durban. A Declaração de Santiago compromete todos os países do continente a reconhecer a orientação sexual como forma agravada de discriminação e exorta os Estados a preveni-la e combatê-la, conforme documento presente no programa Brasil sem Homofobia.
7. A criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, em outubro de 2001, foi uma das primeiras medidas adotadas pelo governo brasileiro para implantação das recomendações oriundas da Conferência de Durban. Entre as vertentes temáticas tratadas pelo CNCD está o combate à discriminação com base na orientação sexual.
8. Representantes de organizações da sociedade civil, dos movimentos de gays, lésbicas e trans integram o CNCD e, em 2003, cria-se uma Comissão temática permanente para receber denúncias de violações de direitos humanos, com base na orientação sexual.
9. Além disso, em novembro de 2003, o CNCD cria um Grupo de Trabalho destinado a elaborar o Programa Brasileiro de Combate à Violência e à Discriminação a Lésbicas, Gays, Bissexuais,Travestis e Transgêneros (LGBT) e de Promoção da Cidadania Homossexual, que têm como objetivo prevenir e reprimir a discriminação com base na orientação sexual, garantindo ao segmento LGTB o pleno exercício de seus direitos humanos fundamentais.
Homo, lesbo, trans e bifobia – crimes motivados pela intolerância
10. Informações do GGB (Grupo Gay da Bahia) comprovam que o Brasil lidera o ranking mundial de homicídios contra LGBT’s. O Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais de 2010 divulgou que foram registrados 260 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil, 62 a mais que em 2009.
11. Houve um aumento de 113% nos últimos cinco anos. Dentre os mortos, 140 eram gays (54%), 110 eram travestis (42%) e 10 eram lésbicas (4%). Segundo o GGB, o risco de um homossexual ser assassinado no Brasil é 785% maior que nos Estados Unidos. Lá, em 2010, foram registrados 14 assassinatos de travestis.
12. Ainda hoje, existem aproximadamente 80 países com legislações que consideram crime as relações entre pessoas do mesmo sexo. Em alguns casos, isso é punido com prisão perpétua ou pena de morte. Em muitos países, a mera defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais é algo perigoso.
13. O Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, resultado das conferências nacionais LGBT's ocorridas em 2008 e 2011, traz as diretrizes e ações para a elaboração de Políticas Públicas voltadas para esse segmento.
14. O Plano tem como base as diretrizes e preceitos éticos e políticos que visam à garantia dos direitos e do exercício pleno da cidadania. Garantir os recortes de gênero, orientação sexual, raça/etnia, origem social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, religião, faixa etária, situação migratória, especificidades regionais, particularidades da pessoa com deficiência, é uma preocupação que perpassa todo o Plano e será levada em conta na implementação de todas as suas ações.
Saúde da população LGBT
15. A saúde dos LGBT's também enfrenta as dificuldades promovidas pela heteronormatividade, sendo uma população vulnerável e suscetível aos constrangimentos e a ausência da qualificação e capacitação de profissional que assegure o atendimento digno e o acesso à saúde humanizada.
16. Publicado pela Rede Feminista de Saúde em 2006, o ‘Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas - Promoção da Equidade e da Integralidade’ apresenta dados que evidenciam as desigualdades de acesso à saúde pelas lésbicas e mulheres bissexuais. O estudo mostra, por exemplo, que 40% das mulheres que procuram os serviços de saúde não revelam sua orientação sexual. Entre as que revelam não serem heterossexuais, 28% afirmam receber um atendimento pouco atencioso pelos médicos, e 17% acreditam que estes deixam de solicitar exames indispensáveis por considerarem desnecessário procedimentos mais detalhados.
17. No que se refere à realização do exame preventivo do câncer cérvico-uterino - Papanicolau, dados do dossiê demonstram que a proporção de procedimentos realizados em mulheres heterossexuais é de 89,7%, enquanto entre as mulheres lésbicas e bissexuais este indicador cai para 66,7%, mesmo em grupos com maior escolaridade e renda.
Juventude
18. A próxima década do século XXI será a década da diversidade, do combate aos antagonismos sociais e da luta pelo respeito à diferença, esses serão o cerne do discurso dos movimentos juvenis a fim de contrapor a lógica machista, homofóbica, racista e branca que impõe valores e instaura poderes. As idéias sobre corpo e sexualidade, em geral atreladas a um paradigma onde o heterossexual representa o normal e o admissível, está cada vez mais em debate. O respeito ao direito alheio de ter e ser, assumirá uma condição inalienável onde nenhum jovem deixar-se-á subjugar.
19. A sexualidade juvenil, em especial a diversidade sexual, tem sido objeto de atenção na sociedade principalmente pela grande incidência da gravidez na adolescência, da exploração sexual e prostituição enquanto precarização do trabalho e da violência homofóbica contra jovens. A morte do Jovem Alexandre Ivo, torturado e morto em Junho/2010, aos 14 anos em São Gonçalo/RJ, abre um importante debate quanto às vulnerabilidades da juventude no campo da sexualidade e denuncia a existência de uma sociedade que impõe padrões e comportamentos em detrimento de uma homogeneização social que não reconhece a diversidade do pensamento e da percepção sexual de cada indivíduo como um direito humano, e que reproduz uma moral repressora do prazer e da identidade sexual.
20. A tentativa de associar a homossexualidade como princípio desagregador da família e dos valores sociais, evidencia a intolerância de uma sociedade excludente e opressora. Isso se acentua ainda mais na juventude que precisa dar conta, entre outras violências, da opressão geracional. É por isso que dizemos que não é fácil ser jovem quando há um contra senso no campo das descobertas.
21. Apesar de não haver indicadores sobre a situação dos jovens LGBT’s, podemos supor que existam vulnerabilidades muito específicas, associadas àquelas vulnerabilidades próprias da juventude. Uma atenção especial deve ser prestada, por exemplo, no caso dos adolescentes transexuais, que têm seu rendimento escolar comprometido e, na maioria, nunca chegam aos bancos universitários.
22. Outro aspecto, não menos importante, é assegurar que as políticas públicas voltadas ás juventudes campesinas (nativas, rurais, ribeirinhos) e indígenas também vislumbrem a possibilidade de emancipar inúmeros jovens ceifados do direito de ser/estar LGBT, mas que vivem de forma subjetiva e clandestina o sabor do afeto.
Um movimento na contramão da história
23. Há pouco mais de três décadas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais do país decidiram “sair do armário” para formar um movimento organizado, cuja agenda está focada em assegurar suas identidades, seus direitos e garantias civis fundamentais. E, para o grupo LGBT, vencer a resistência conservadora está longe de ser uma tarefa simples.
24. Do movimento homossexual ao LGBT, dos anos 70 até hoje, os homossexuais do Brasil e do mundo percorreram um caminho árduo. Instituições, como família, escola, igreja e mídia se vêem ameaçadas e ainda consideram os homossexuais como doentes – isso tudo apesar de o Conselho Federal de Medicina brasileiro ter deixado de tratar como doença mental a homossexualidade , em 1985, e de a OMS (Organização Mundial de Saúde) ter retirado a homossexualidade da lista de doenças em 17 de maio de 1990, data que ficou determinada como o Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, celebrado em várias partes do mundo.
25. A relação do movimento homossexual nas décadas de 70 e 80 com a esquerda e as lutas sociais é inegável, e esta é uma importante lição para o movimento LGBT de hoje. É importante lembrar, contudo, que a esquerda nem sempre foi receptiva com gays e lésbicas.
26. Alguns setores do movimento LGBT na década de 80 fizeram um giro do libertário em direção a um individualismo ultraliberal que os aproximaram de posições ideológicas de direita.
27. No decorrer dos anos 90, impulsionado por uma série de fatores – inclusive a reação aos ataques e ao aumento do preconceito decorrentes do surgimento da epidemia da AIDS – o movimento LGBT seguiu crescendo e se afirmando, ainda que muitas vezes distante da esquerda.
28. Para muitos, o caráter policlassista do movimento LGBT o manteria distante dos interesses dos trabalhadores. Outros, apesar de reconhecerem sua importância, inclusive no que se refere aos problemas enfrentados pela própria classe trabalhadora, alegavam que estes problemas representavam questões menores, dado aos desafios que estavam colocados. De uma forma ou de outra a esquerda em geral absteve-se do debate, não reconheceu essa luta como elemento importante para a superação do modelo atual capitalista.
29. No Brasil, durante o governo Lula, o movimento protagonizou avanços e suscitou esperanças de dias melhores para esse grupo social, trazendo mais consistentemente o debate LGBT para o âmbito partidário.
30. Dentre as inúmeras iniciativas do nosso governo, destacamos a realização das Conferências LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) e a criação da Coordenadoria Nacional de Promoção dos Direitos LGBT, as quais são marcos histórico no fortalecimento dos Direitos Humanos e Políticas Públicas para os LGBT’s no Brasil.
31. Trata-se de um movimento político. Neste aspecto, os desafios apresentados para construção de uma linha política partidária em consonância com a luta pelo exercício pleno dos direitos humanos se apresentam como um dos grandes desafios para o partido.
32. Este documento suscita a idéia de que não há valor único a uma sociedade que possui muitas faces, muitas vozes e muitos campos de disputas a serem travados. Não existe moral construída que não tenha em sua própria existência a raiz ideológica de sua imoralidade ostentada pela divisão binária entre ser mulher e ser homem, que ignora a existência de qualquer outro tipo de identidade física, humana e sexual existente entre duas distinções de gênero.
33. Da mesma forma, as conquistas LGBT podem significar a existência de uma luta antagônica em relação à legitimidade da ordem patriarcal, à ordem imposta pela doutrina religiosa e pela sociedade industrial, que preserva a manutenção da exploração do trabalho humano, a partir do sexo e da diferenciação do salário e ignora o verdadeiro conflito ou interesse que existe nesta recriminação sexual manifestada de maneira bruta e constante.
34. Apesar dos avanços que já sinalizamos neste texto, não podemos focar nossa discussão apenas em determinadas políticas públicas específicas dos LGBT's e desconhecer a luta do movimento social brasileiro, embora cumpra, evidentemente, não reproduzirmos o mesmo comportamento de setores da esquerda em relação a esta luta no decorrer da história.
35. Nós temos Partido: o Partido dos Trabalhadores. Acreditamos que um salto qualitativo na elaboração do seu programa, seus métodos e sua orientação política pode e deve contribuir para abrir um processo onde o conjunto do PT formule tendo em vista a superação de todas as formas de violência.
36. O PT, à luz desta expectativa referencia-se enquanto um espaço necessário para o debate das linhas políticas voltadas à contribuição para as conquistas de direitos que hão de vir e possui tamanha responsabilidade na inclusão da temática nas agendas dos programas de governo, nas pautas e diretrizes que consolide a implantação de políticas públicas, e no apoio a leis e serviços dirigidos a Lésbica, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis.
Uma velha tática, para um novo momento
37. Temos que nos desafiar, mais do que isso, temos que encorajar o PT ao enfrentamento da imensa desigualdade de gênero, combater a homofobia e todas as formas de preconceito, violência e a violação de direitos. Incluir a temática “sexualidade” como parte dos debates e trabalhar estrategicamente com a dimensão universal dos direitos humanos, com as políticas afirmativas e com a promoção de políticas públicas que afirmem valores democráticos, respeito à diversidade e o combate aos antagonismos que conciliam valores morais, éticos e ideológicos que na prática, se sustentam nos comportamentos comuns da sexualidade.
38. Reforçar as trincheiras do movimento antimachismo. Reforçar a luta pelo Estado laico e pelo direito à autodeterminação dos nossos corpos, à vivência plena de nossa sexualidade, ao acesso à educação e saúde pública e à garantia de nossos direitos reprodutivos.
39. Buscar maior articulação com o movimento sindical. Nós somos trabalhadores e trabalhadoras e lutamos por direitos trabalhistas muito específicos. O combate à discriminação no mercado de trabalho e a ampliação de direitos precisam constar nas pautas de reivindicação dos sindicatos que dirigimos, e nos acordos coletivos firmados.
40. No campo da educação, fomentar a construção de um Plano Nacional de enfrentamento à violência homofóbica no espaço escolar em todos os níveis de ensino, coloca-se como uma medida necessária para combater a homo, lesbo, trans e a bifobia.
41. Efetivar parcerias com o movimento negro no combate à homofobia racista é possível e deve nos levar também a assumir a luta pela superação desse mal.
42. Também defendemos relações mais orgânicas com o movimento popular, com a juventude, com os trabalhadores e trabalhadoras urbanas e rurais, com o movimento de direitos humanos, pela democratização da comunicação e acesso à cultura.
43. Devemos consolidar os setoriais LGBT do Partido, tanto em nível estadual, quanto em nível nacional. Será necessário o fortalecimento das bases e dos movimentos sociais que sempre foram a marca fundamental do PT.
44. Fomentar a implantação do programa de cidadania e combate à homofobia nos executivos.
45. No que se refere à conjuntura atual das políticas direcionadas a população LGBT, estamos em um momento de incertezas: se de um lado se avança em algumas políticas, por exemplo, a União Estável, por outro identificamos um retrocesso nos direitos desta população, por exemplo, a não aprovação do PL 122.
46. Nós da Articulação de Esquerda avaliamos que é preciso avançar, sobretudo na criminalização da homofobia, que para nós é ponto central para se avançar em outras políticas.
47. É preciso unificar os movimentos de direitos humanos em torno desta pauta, especialmente o movimento LGBT. É preciso também travar esse debate internamente, que a direção nacional do PT apresente uma resolução aos parlamentares petistas e à presidenta Dilma pautando como central para o debate das políticas LGBT's a aprovação do PL 122.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Sociedade e Educação
Este texto é composto de três partes: a primeira fala sobre o papel da educação na sociedade de classes; a segunda aborda a educação básica e o ensino médio; a terceira fala da Universidade Democrática e Popular.
Uma relação dialética e contraditória
É fundamental compreender a essência do processo educacional para poder transformá-lo. Vivemos sob a égide do modo de produção capitalista, que tem como um dos seus elementos centrais, a contradição entre o trabalho assalariado e o Capital, logo, uma sociedade dividida em classes sociais e marcada por profundas desigualdades sociais.
Esta contradição estrutura-se tanto no âmbito das relações de produção, quanto erige para outras dimensões da vida social. Assim, os antagonismos entre a classe dominante e a classe dominada se estabelecem não somente com a exploração intrínseca às relações de produção, como também se estendem ao nível político, ideológico e cultural.
A educação, compreendida como uma atividade mediadora no seio da prática social geral, forjada como um processo de internalização de práticas sociais, encontra-se inserida neste contexto.
Se retomarmos um pouco da história, veremos como a mesma assume esta dimensão política e cultural nas diferentes formações sociais. Na Grécia dos tempos homéricos preparava o guerreiro; na época clássica, Atenas formava o cidadão e Esparta era a cidade que privilegiava a formação militar. Na Idade Média, os valores terrenos eram submetidos aos divinos, considerados superiores e assim por diante. Estes processos formativos podem ser considerados finalidades da prática educacional.
Esta análise nos leva a conceber que a educação não pode ser compreendida fora do contexto histórico-social concreto. Ela, por ser uma prática social está imersa na sociedade. Bem como, por ser social, também é essencialmente política e ideológica.
Podemos inferir pelo menos quatro sentidos ao papel político da educação: a educação transmite os modelos sociais; a educação forma personalidade e consciência; a educação difunde idéias políticas; a educação é um encargo da escola, instituição social e política.
Mais claro ainda, é seu sentido ideológico. Ao nos defrontarmos com uma sociedade composta por classes sociais possuidoras de interesses antagônicos, o papel ideológico da educação está inserido em relações pedagógicas que visam à ocultação da realidade para as maiorias. Relações onde os objetivos de uma parcela minoritária da sociedade passam a ser difundidas como sendo os objetivos de toda sociedade. Está na prática tradicional da educação que implica em uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos sujeitos históricos. Está no afastamento da realidade social na qual estão imersos estes sujeitos.
Logo, desmistificam-se as idéias que consideram a educação “algo neutro” ou um ente isolado da sociedade. Ela reflete suas contradições, sua base material e o seu modo de organização e funcionamento.
Cabe ressaltar que na sociedade capitalista a educação encontra-se igualmente dividida. Visto que diante da divisão social do trabalho, surge também o homem dividido, alienado, unilateral, pois, o tempo de trabalho necessário para sua auto-reprodução e para a criação da mais-valia, faz com que trabalhador não disponha de tempo livre para o desenvolvimento de suas potencialidades.
Por fim a questão crucial imposta pela lógica capitalista no âmbito educacional está na busca para que os indivíduos adotem como suas, as metas de reprodução deste modelo de organização social. Sua finalidade última é produzir a conformidade, a alienação. Não somente pela via da repressão como outrora, mas, sobretudo pela dominação e direção, pela hegemonia, construída mediante a persuasão do seu discurso, perante o consenso conciliador, sendo que a hegemonia é conquistada no processo de luta política entre as classes sociais.
Por outro lado, coloca-se a questão: é possível desenvolver uma educação que seja capaz de apontar para a emancipação política dos homens e mulheres?
Nós da Articulação de Esquerda concebemos que este processo de dominação ideológica na educação não se desenvolve de uma forma linear, mas é forjada no seio da luta política e social inerente a sociedade de classes. Compreendemos que a luta de classes também se reproduz no âmbito educacional.
Embora em nossa sociedade, os sistemas de ensino tenham sido concebidos para reproduzir a ordem social dominante, seus valores, “visão de mundo” e ideologia, o processo de constituição da escola é um processo contraditório que permite a abertura de brechas em favor da disputa por alternativas educacionais significativamente diferentes e emancipadoras. Disputa essa que está diretamente ligada à disputa mais geral de hegemonia da sociedade.
Portanto, cabe ao movimento de educação em seus espaços de atuação, aliando-se aos demais movimentos sociais e a classe trabalhadora, aprofundar a luta por uma educação contra-hegemônica, que caminhe na contramão da lógica do Capital e que busque a emersão das consciências como resultado da sua inserção crítica na realidade. Uma educação que vise a elevação da consciência política dos estudantes, dos educadores, da classe trabalhadora. Porém, não podemos cair no equívoco de acreditar na capacidade redentora da educação, ou seja, que somente através dela conseguiremos subverter a totalidade da ordem social, devendo ter como horizonte a concepção de que a educação, ainda que não seja a força ideológica dirigente do modo de produção capitalista, é parte importante do sistema de internalizarão do capital.
Por isso, a luta por uma educação contra-hegemônica, na guerra de posições da sociedade capitalista, torna-se um elemento fundamental no processo de ruptura político-ideológica, social e cultural que os sujeitos coletivos devem impulsionar contra este modo de organização da sociedade, fazendo com que no seio das contradições da velha sociedade, surjam as condições para a nova sociedade, a sociedade socialista. Logo, lutar por uma educação contra-hegemônica significa construir umas das forças capazes de contribuir para o processo de luta social pela transformação de toda a sociedade.
Assim, estamos entre aqueles que entendem que o acesso ao conhecimento é condição fundamental para a transformação social e a elevação do nível de consciência dos povos. A educação, assim, é um bem público, que não deve ser apropriado privadamente pelas classes dominantes e tampouco pode se constituir em privilégio de uma minoria. Portanto, a defesa de uma educação contra-hegemônica também pressupõe a educação como um direito universal, que deve ser garantido pelo Estado, com recursos públicos, condição sine qua non para a manutenção de seu caráter laico, democrático e não discriminatório, bem como da liberdade e autonomia pedagógica e científica necessárias a seu exercício.
Política de educação básica no Brasil
O que se pode dizer da política educacional levada a termo no governo Lula da Silva?
A resposta exige uma análise de muitos fatores e, portanto, muito mais complexa, no entanto, nortearemos a discussão a partir do que entendemos como consolidado na política educacional e aquilo que apresenta resistência na implementação por setores conservadores e, em alguns casos, no meio mais popular, por desinformação e enviesamento das discussões. Inicialmente, é inegável a caminhada iniciada em direção a uma maior democratização do acesso ao Ensino Superior. Os diversos mecanismos para o alcance desse objetivo passaram pela criação do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) e por programas como PROUNI, ENEM e as políticas de ações afirmativas.
O Fundeb se constitui como a principal fonte de financiamento da educação básica brasileira, compreendendo 20% dos 25% dos recursos obrigatórios para Estados e Municípios investirem em educação, em 2010 movimentou aproximadamente 80 bilhões de reais.
No entanto é na sua lógica de aplicação que resulta a maior crítica ao Fundo e a pouca participação da União na composição dos fundos. O Fundeb seguindo o formato do Fundef se baseia em um custo aluno anual definido pela União, que Estados e Municípios precisam atingir de forma colaborativa, ou seja, o Estado e os municípios de sua área de abrangência que possuírem um custo-aluno superior ao estipulado pela União deverão obrigatoriamente repassar “o excedente” aos municípios que têm custo-aluno inferior ao definido nacionalmente. Ao final das contas, os estados e municípios que não atingirem a média nacional, recebem ajuda financeira da União.
Ocorre que esse custo-aluno invariavelmente é baixo, e como a grande maioria dos Estados brasileiros atinge a média definida nacionalmente, a União fica desobrigada de repassar recursos.
Assim, em universo de 80 bilhões movimentados pelo Fundeb, a União entra com 10%, fato que tem gerado críticas dos entes federados em relação a pouca participação do Governo Federal na educação básica, e, dessa forma, o Fundeb passou a ser denominado como um fundo socializador de pobreza.
Decerto, para a maioria dos municípios o fundo se transformou em um importante instrumento de aumento de matrícula e de visibilidade da educação. No entanto os Estados, como os principais provedores financeiros do fundo, tiveram diminuídos significativamente a capacidade de investimento.
Em relação ao PROUNI e ao ENEM cremos como consolidados, mas reputamos como fundamental a defesa das ações afirmativas, preocupando-nos a retirada desse item no programa de Direitos Humanos. O PROUNI apesar de consolida do, não encerra críticas que o movimento popular, mais de perto aqueles que militam no setor educacional têm feito, a exemplo de o recurso público ser canalizado para Institutos superiores privados, principalmente pela possibilidade de estancar a expansão das Universidades Públicas, algo vital para o processo de democratização do Ensino Superior.
Outra crítica aparece no quesito qualidade das inúmeras instituições que participam do PROUNI e, por conta disso, devem ser muito mais rigorosamente acompanhadas na busca da garantia de um ensino de qualidade.
O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) também se consolidou como determinação da política educacional nos entes federados, tendo em vista a assinatura do Termo de Adesão que obriga uma série de ações conjugadas para a melhoria educacional.
Ademais, o Governo não exige por parte das IFES beneficiadas pelo PROUNI nenhuma espécie de contrapartida, tampouco nenhuma regulamentação e controle de qualidade. Assim, continuamos beneficiando com dinheiro público Universidades sem programas de extensão e pesquisa, democracia interna com participação discente nos conselhos deliberativos bem como políticas de assistência estudantil.
Porém, a exigência da implantação da gestão democrática não tem sido praticamente observada por Estados e Municípios, que insistem em ignorar a determinação no Plano de Aplicação, negligenciando um dos grandes fatores da mudança da prática educacional vigente.
Nesse particular, faz-se mister observar a exigência do estabelecimento da avaliação de desempenho para o professorado, é possível que nos próximos anos, todos os estados brasileiros sejam pautados por essa exigência, o que vai exigir dos educadores formulação e disputa para que tenhamos um processo de avaliação de desempenho democrático, eficiente e justo.
O PDE também consolidou a parceria do Estado brasileiro com o empresariado da educação, que cada vez mais adentra no centro nervoso das decisões educacionais, obrigando-nos a lutar contra o estabelecimento de formas ultrapassadas de alfabetização, muitas vezes sem êxito, dado o nível de comprometimento de governos e a forma persecutória e compensatória com que abordam os educadores e as educadoras dessa modalidade de ensino.
Outra política consolidada também com um caráter negativo, não pela transferência de renda, mas diretamente pelo êxodo que provoca no ensino regular, a saber: o PROJOVEM.
Esse programa foi ampliado para o campo, para os adolescentes, o que denota a sua consolidação, com ele trazendo o aberrante aligeiramento da formação da faixa etária jovem, entre outros.
Na prática observa-se a nociva forma de recrutamento, considerando as relações de trabalho, tendo em vista o fato de que não há uma necessária relação professor com a rede que adota o programa, podendo a rede, seja estadual, seja municipal, congregar nos seus quadros, via contrato temporário, profissionais de todas as redes, inclusive particular.
Não obstante o aumento da sua importância, o ENEM não está ainda consolidado como um instrumento de acesso ao Ensino Superior, o que não pode ser confundido com a política educacional de exames.
Os motivos são vários e vão desde a formatação da licitação e os problemas advindos da mesma, como a própria discussão nas inúmeras Universidades a respeito da sua significância como instrumento classificatório, além dos problemas com a lisura do exame, considerando os últimos episódios de vazamento e erros de impressão de exemplares da prova.
Apesar dos senões, esse instrumento tem servido às classes populares como essencial para ter acesso a cursos antes dificilmente freqüentados por esse estrato da população. Mesmo setores de média renda já trabalham com o ENEM como fator decisivo para o acesso ao Ensino Superior.
O que de fato não está consolidado é o Programa de Ações Afirmativas perpetrado pelo Governo Federal.
A objeção a esses programas tem diversas facetas e interesses, considerando a garantia aos setores mais populares o acesso não só as Universidades, como também, a cursos, quase que exclusivamente freqüentados pela elite nacional, trazendo consideráveis redimensionamentos, inclusive para a rede particular de ensino, principalmente aquelas escolas que se especializam em preparar para determinados cursos.
As ações afirmativas devem ser vistas, não só como resgate de direitos, negados no processo de formação da nossa brasilidade a um dos povos que mais foi responsável pela construção da nossa riqueza, mas também, como a abertura de oportunidade numa sociedade excludente que não apresenta as mesmas oportunidades para todos os seus filhos e filhas.
Notadamente, o Programa de Ações Afirmativas é um mecanismo criado em defesa da etnia negra, dos portadores de deficiência física e dos setores mais pobres e injustiçados, alvos de uma costumeira exclusão que destina aos mesmos a inexorabilidade da subalternação e do abandono. Toda discussão que invoca o mérito como parâmetro, visando à contraposição a essa medida, escancara uma ideologia da classe dominante.
A grande expectativa aberta pelo Governo Federal foi a realização da CONAE (Conferência Nacional de Educação). Amplo debate foi feito sobre a realidade da educação brasileira, apontando para a busca da superação dos vários gargalos. Sem dúvida, pela sua representatividade e abrangência, pelo debate qualificado e pelo seu ineditismo foi um marco no atual governo, o que não inviabiliza a crítica de ter-se realizado apenas no último ano do segundo mandato do Presidente Lula.
A CONAE se constituiu na grande referência para o PNE (Plano Nacional de Educação), cuja vigência se encerrou no passado. Se tomarmos como parâmetro os tópicos que foram aprovados na CONAE, teríamos um bom PNE.
O grande nó passa pela ampliação dos recursos para educação em 10% do PIB, hoje investimos 5%, e a proposta do Governo Federal é de aumentar para 7%. Ainda insuficiente, se quisermos vencer problemas crônicos como o analfabetismo, as precárias condições de trabalho e de estrutura das escolas; a inclusão de milhões de crianças em creches e pré-escolas, a distorção série-idade no ensino fundamental, a expansão com qualidade do ensino médio e das universidades, e a valorização do professor com política específica de formação e salários dignos.
Uma educação que dê conta das especificidades
O governo do PT, no âmbito da educação, colocou na pauta das políticas públicas segmentos da sociedade que historicamente foram marginalizados do acesso fundamental a educação.
Antes a condição era de total invisibilidade na agenda governamental. Entretanto, apesar dos avanços é necessário aprofundar e garantir os direitos LGBTTT, quilombolas, indígenas, entre outros, a partir da destinação de verbas direcionadas para a inclusão desses segmentos, destinadas a incluir no currículo de formação profissional de professores, em caráter obrigatório, condições de compreender a realidade especifica desses grupos.
Piso salarial profissional nacional
Em julho de 2008, o Governo Lula sancionou a Lei do PSPN (Piso Salarial Profissional Nacional). Uma lei importante na busca pela valorização do magistério público, porém com um valor baixo, R$ 950,00, além de ter uma redação complexa e confusa, facilitando a atuação contrária daqueles que não queriam ver a lei aprovada. Em dezembro de 2008, há mais de três anos o STF, a partir da solicitação de inconstitucionalidade da lei feita por 4 governadores, faz o julgamento da lei como constitucional, no entanto põe obstáculos que frearam até o momento a implementação do PSPN na maioria dos estados brasileiro.
A decisão preliminar do STF de estabelecer piso salarial como remuneração acabou provocando um achatamento salarial na maioria dos estados brasileiros, uma violenta precarização da carreira do professor, além de uma enorme letargia para a luta, pois estados e municípios começaram a utilizar a decisão do STF como barreira para a negociação dos direitos. Para agravar o quadro, a crise internacional iniciada em 2008 e aprofundada em 2009 provocou redução ou estabilidade nas receitas de estados e municípios, sobretudo àquelas derivadas de transferências federais, a exemplo do FPE, FPM e FUNDEB, este último com o agravante da sistemática redução de matrícula em todo o país na educação básica.
Nos últimos 05 anos a matrícula nessa esfera de ensino vem reduzindo sistematicamente. Paradoxalmente no ano de 2010, em virtude da retomada do crescimento econômico, as receitas da União batem recordes, porém sem repercussão nos outros entes federados, situação que precisa ser melhor apreciada numa futura reforma tributária.
Com a vitória definitiva no STF, ocorrida em abril de 2011, em que o piso salarial profissional nacional passou a ter como referência o vencimento básico, abre-se uma possibilidade grande de Estados e Municípios iniciarem um nova lógica de valorização dos professores, que precisa ser acentuada e fortalecida com o novo PNE.
Plano Nacional de Educação e o Futuro da Educação Brasileira
Podemos estudar a educação brasileira a partir da constituição de 1988. A lei maior do país aponta a educação como instrumentos para a construção da cidadania, da soberania e autonomia, de modo que o ensino possa absorver a pluralidade política e de concepções pedagógicas. Outro aspecto importante da lei é o direito universal à educação básica, atualmente, garantido desde Educação Infantil ao Ensino Médio.
Infelizmente as creches continuam fora da categoria como direito universal mesmo para o novo PNE, pelo texto do PL 8035/2010 o Governo aponta o acesso as creches de apenas 50% das crianças até 2020.
Quanto à obrigatoriedade e a gratuidade do ensino é um elemento fundamental da educação nacional. Esse direito está sendo possível devido à vinculação de recursos obrigatórios para educação básica. Essa vinculação teve conseqüências positivas com a criação do FUNDEF e depois com o FUNDEB no processo de valorização dos professores e aumento dos investimentos na educação básica. Vale ressaltar que mesmo com os avanços relativos aos investimentos em educação, esses recursos ainda são insuficientes para podemos atingir padrões de qualidade social para educação nacional.
A construção de um sistema articulado de educação é outro elemento importante apontado para educação nacional. Esse sistema, ainda muito frágil no país, atribui responsabilidades para os entes federados quanto às responsabilidades de cada ente com a educação pública. Assim, a necessidade de apontar responsabilidades de cada ente quanto à formação continuada dos trabalhadores em educação, com valorização salarial e Plano de Careira, reforma e manutenção das unidades de ensino, condições de trabalho dignas para todos os trabalhadores, bem como política séria e eficiente de transporte e alimentação escolar. Vale ressaltar que o processo de interiorização do Ensino Superior como instrumento de qualificar a educação básica é outro aspecto importante.
Outra questão que merece nossa atenção no PL 8035/2010 diz respeito ao modelo de avaliação ora implementado no país que passa a ser implementado como política pública (Saeb, Ideb, Enem, Sinaes, Prova Brasil, Provinha Brasil).
São métodos que não conseguem avaliar o conjunto de fatores que direto ou indiretamente interferem no aprendizado dos discentes. Assim, são resultados facilmente questionáveis diante das fragilidades desse processo avaliativo. Além disso, os resultados acabam mascarando a realidade educacional uma vez que aparentam uma certa melhoria do ensino sem atacar os reais problemas da educação pública e desconsiderando os Projetos Políticos Pedagógicos das Unidades de Ensino.
Ensino médio
Para todos os trabalhadores em educação, a questão do Ensino Médio tem sido uma preocupação constante.
De um lado estão as escolas, em sua grande maioria sucateadas estruturalmente e ultrapassadas do ponto de vista pedagógico, como resultado dos múltiplos governos neoliberais.
Só para ilustrar: no Rio Grande do Sul, que é considerado um estado rico, dados do censo escolar mostram que “a escolaridade líquida (idade esperada para o ensino médio 15-17anos) é de apenas 53,1%. A defasagem idade-série no Ensino Médio é de 30,5%. Da faixa etária de 15 a 17 anos, 108.995 jovens ainda frequentam o Ensino Fundamental” (INEP/MEC– Educacenso –Censo Escolar da Educação Básica 2010).
Ao mesmo tempo, constatam-se altos índices de abandono (13%) especialmente no primeiro ano, e de reprovação (21,7%) no decorrer do curso, o que reforça a necessidade de priorizar o trabalho pedagógico no Ensino Médio.
De outro lado estão os governos e em especial os de cunho neoliberal (inclusive com um certo apoio do Ministério da Educação) que inclusive se valem de índices como estes para proporem como saída da crise uma reforma curricular apenas profissionalizante, tirando dos estudantes da escola pública a possibilidade de ascender e incidir socialmente.
Essa diferenciação entre o ensino público e a escola privada acentua brutalmente a desigualdade social, pois os filhos da classe dominante continuarão tendo uma formação que contempla todas as áreas de conhecimento, enquanto os pobres e os filhos dos trabalhadores serão preparados para servir ao mercado e ao Capital.
A “inserção no mundo do trabalho” revela-se apenas um disfarce para a formação de mão de obra barata e qualificada para os diversos ramos empresariais dos Estados.
Estas propostas de reestruturação do ensino médio, portanto, estão na contramão das necessidades e das aspirações dos jovens que estudam nas escolas públicas. O desejo de decidir sobre seu futuro, com ampla liberdade de escolha e condições dignas de vida continua a ser o sonho de nossa juventude. Não será forçando um direcionamento ao mercado de trabalho de forma arbitrária que os governos irão enfrentar a “crise existente na escola pública”. Ao contrário, irão reforçar as condições precárias e desiguais existentes na educação. O aprofundamento da segregação aos filhos da classe trabalhadora será um dos resultados desta reforma.
Acreditamos que a superação destas mazelas se dará com políticas de investimento na formação e valorização do magistério, aporte de investimentos para a ampliação e recuperação da rede física das escolas e a construção de uma nova proposta político-pedagógica, a qual será resultado de um longo processo de debate entre os sujeitos envolvidos.
Nossos congressistas têm conhecimento, experiência e disposição para proporem ao partido e aos nossos governos propostas que ajudem a superar as contradições e criar nossos paradigmas para o ensino médio.
Por uma Universidade Democrática e Popular
Universidade é uma instituição milenar que, ao longo da história passou por profundas transformações e conforma vários modelos.
Podemos situá-la como herdeira das academias do mundo greco-romano. Em sua concepção moderna, no entanto, surge junto com as grandes cidades na Europa do século XII e ao longo de sua difusão pelo mundo é marcada pela época e pelas características sociais, culturais e econômicas de cada ente político em que se desenvolveu.
Atravessou o Atlântico e nos primeiros anos de colonização, alcançou as antigas possessões espanholas na América, a exemplo das universidades de Lima (1551), México (1553), Córdoba (1613), entre outras. Mais do que instituições de ensino, essas universidades nasciam com a clara tarefa de fazer frente ao elevado desenvolvimento das civilizações pré-colombianas, participando do extermínio físico e cultural desses povos.
No Brasil, a universidade é uma instituição de formação recente e fragmentada. Sem a presença universitária da colonização espanhola, os filhos das elites coloniais do Brasil tinham que ir a Coimbra ou outras universidades européias para atingir os estudos superiores.
A formação do ensino superior no Brasil recebeu diretamente a influência do modelo francês de universidade, baseada na reunião de escolas isoladas, destinada quase que exclusivamente às profissões liberais e intimamente ligada à formação das elites e dos quadros dirigentes do Estado.
As instituições de ensino superior ganham corpo nas primeiras décadas do século XX, a partir das faculdades criadas no século anterior, mas é na fundação da Escola de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934) e na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro (1934-1939), que encontramos, de fato, as primeiras universidades do país.
Neste período, iniciativas educacionais inovadoras defendidas por intelectuais como Anísio Teixeira, entre outros, encontravam grandes limites para serem realizadas e tão logo eram frustradas ou desarticuladas.
Nascia, assim, a universidade brasileira. Uma universidade para poucos, marcada por uma orientação conservadora em rígidos currículos, cátedras vitalícias e divorciada da realidade social e cultural do seu país.
A rebelião de Córdoba e a hora americana
A que(m) serve a Universidade? A que(m) se destina o conhecimento que nela é produzido e difundido? Quem a ela tem acesso? Qual papel ela cumpre diante dos grandes desafios da sociedade? São essas e outras perguntas que movem a ação do movimento de educação e fazem com que tão antiga quanto a história da universidade seja a luta por sua transformação.
Há noventa e quatro anos, estudantes da então conservadora e clerical província de Córdoba, na Argentina, fariam dessas perguntas o mote de um grito que ecoaria aos quatro cantos do mundo e não mais seria silenciado.
Oprimidos por um modelo de universidade tutelado pela Igreja e pelas oligarquias, a Revolta de Córdoba, em 1918, lançaria um grande movimento pela Reforma Universitária, impulsionando lutas e transformações por várias gerações e países.
Seu conhecido Manifesto (“Da juventude argentina de Córdoba aos homens livres da América”) sintetiza o sentimento da rebelião e “reivindica um governo estritamente democrático (...), que na comunidade universitária, a soberania, o direito de dar-se governo próprio radica principalmente nos estudantes”. Entre as principais reivindicações, os estudantes exigem o co-governo tripartite e igualitário da universidade, com a eleição democrática dos dirigentes universitários e a participação estudantil nos órgãos diretores; autonomia da universidade, ingresso público para a carreira docente e extensão universitária. O impasse gerado provoca uma intervenção do governo argentino que, pressionado pelo movimento, incorpora as mudanças reivindicadas e as estende por todas as universidades do país.
Posteriormente, quando a correlação de forças volta a ser favorável aos setores conservadores, esses avanços são interrompidos, explicando o fato de que grande parte daquelas reivindicações permanece, noventa e quatro anos depois, atual.
O exemplo de Córdoba demonstra que a sustentação de uma verdadeira reforma da universidade só logrará êxito quando acompanhada de uma profunda transformação das sociedades que lhe servem de berço.
A partir daí a bandeira da Reforma Universitária ganha outros países e confunde-se com a própria história do movimento de educação, conquistando uma série de mudanças progressistas nas universidades.
Sua defesa está vinculada à necessidade de transformar a universidade em um espaço de reflexão, produção e difusão de conhecimento e cultura que estejam a serviço dos interesses das maiorias. Uma universidade sem muros, aberta ao seu povo, comprometida com a transformação da sociedade e não com a manutenção dos privilégios de uma minoria dominante.
A luta pela Reforma Universitária no Brasil
Os ventos de Córdoba chegam ao Brasil ainda pelos idos dos anos trinta com as primeiras universidades do nosso país, mas é a partir do final da década de 50 e início dos anos 60 que a luta por mudanças estruturais
na educação ganha novo fôlego na sociedade brasileira.
As contradições do período também são percebidas no debate educacional.
Em 1961, por exemplo, enquanto nascia a Universidade de Brasília com uma concepção inovadora e mais integrada, era aprovada no Congresso Nacional uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação com forte conteúdo privatista.
A tensão da disputa entre esses distintos projetos educacionais coincide com a polarização política vivida à época pelo país e foi acompanhada por um novo impulso das lutas sociais. Mobilizações como a Greve Geral do 1/3, desencadeada pela UNE e em favor da democratização das universidades com a gestão paritária, paralisariam por três meses quase todas as quarenta universidades de então no país.
Sobretudo a partir do impulso dado pelo governo João Goulart às Reformas de Base, a reforma universitária encontra espaço para ser pautada como bandeira prioritária do movimento de educação. Estava sintonizada com as reivindicações por mudanças estruturais da sociedade, e buscava transformar a universidade em um espaço mais democrático, mais popular, e comprometido com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Este rico processo de mobilização é interrompido com o advento do golpe civil-militar de 1964. A partir deste momento, o movimento estudantil e a intelectualidade crítica passam a ser duramente perseguidos e a universidade cerceada de suas iniciativas críticas e emancipadoras.
Sintetizada nos Acordos MEC-USAID, a reforma universitária é esvaziada de seus propósitos progressistas.
A partir de então, o discurso de reforma incorporado pelos militares busca adequar o sistema de ensino superior ao projeto de modernização conservadora, atendendo assim a alguns setores do capital - que necessitavam de determinado tipo de mão-de-obra qualificada - e respondendo ao desejo de ascensão social dos setores médios.
Mesmo com a resistência de trabalhadores e estudantes, inclusive na clandestinidade, são impostas medidas como a implantação do sistema de créditos (diluindo a convivência estudantil), a unificação do vestibular, a departamentalização das universidades, entre outras. Ademais, em atendimento à forte demanda, estimulou-se uma profunda massificação do ensino superior – sobretudo privado – traduzidos em números reveladores: dos aproximadamente 100 mil estudantes de graduação presentes no começo da década de sessenta passaríamos a mais de 1 milhão na segunda metade da década seguinte. Se em 1964 as vagas nas universidades públicas representavam 60% do total, já em 1985 representavam apenas 30%.
Esta fase da universidade brasileira – alcançada pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento conservador – chegaria aos anos 80 em profunda crise estrutural e financeira. Pressionada pelo processo de reorganização do movimento estudantil e dos trabalhadores da educação, seu desmonte e caráter excludente volta a ser questionado.
Como parte do processo da Assembléia Constituinte, há intensa disputa entre os defensores da escola e da universidade públicas e os aliados do ensino privado.
A onda neoliberal
Nos anos 1990 o neoliberalismo atingiu em cheio as universidades, já afetadas profundamente pela crise dos anos 1980. As mudanças em curso na forma de organização da produção capitalista visavam superar a crise de acumulação que havia se iniciado na década de 1970. Um de seus pilares, pois, era a abertura de setores, historicamente de competência do Estado, à exploração direta do capital. Isso ocorreu com as telecomunicações, com a energia, com a previdência e a saúde. E ocorreu, também, com a educação.
Apoiando-se assim no discurso de que a crise do Estado nacional-desenvolvimentista era fundamentalmente uma crise fiscal e de gigantismo estatal, os governos neoliberais passaram a investir de modo pesado no desmonte da estrutura educacional pública e na expansão do ensino privado.
Com o forte amparo das orientações de organismos multilaterais como o Banco Mundial, buscava-se inserir a educação nos acordos comerciais e no debate público não mais como um direito, mas como serviço. Sem a provisão e regulamentação do Estado, deveria servir aos ditames do mercado.
Coerente com esses propósitos, uma série de mudanças no ensino superior brasileiro foram iniciadas no governo neoliberal de Collor e consolidadas pelo governo FHC, através da gestão do ministro da educação Paulo Renato de Souza. Todas estas medidas guardando um sentido comum: fortalecer o ensino privado e enfraquecer o ensino público. Um dos pontos centrais desta agenda, impedido pelas mobilizações sociais, era a proposta de Autonomia Financeira para as Universidades Públicas, que na prática significava que estas deveriam se “auto-financiar”, com cobranças de matrículas, mensalidades, vendas de serviços etc.
O desmonte da universidade pública seguia a passos largos com a redução dos investimentos estatais e a privatização interna, através de mecanismos como as fundações privadas de “apoio”. Ao mesmo tempo, a expansão do ensino privado é incentivada por empréstimos do BNDES e facilitada pelo Conselho Nacional de Educação, que abandona sua função reguladora para ser conivente com os interesses privados na educação do país. A reestruturação do ensino superior de então compõe os marcos de uma contra reforma privatista do Estado.
São tempos difíceis para a universidade pública. Da parte do movimento social e dos partidos de esquerda é exigida muita resistência e luta contra esse modelo, a exemplo das greves nacionais de 1998 e 2001 e o Boicote ao Provão. A unidade do movimento de educação também estaria presente na importante ação do Fórum em Defesa da Escola Pública e na formulação do Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, em 1997.
O Governo Lula na Educação
A primeira eleição de Lula em 2002 representou, entre os setores sociais comprometidos com a luta pela universidade pública, um claro desejo por uma reversão do processo de desmonte da universidade brasileira. O momento que se anunciava parecia propício para uma discussão de fôlego acerca dos rumos do ensino superior no país, que pudesse culminar com transformações profundas, no sentido do fortalecimento do caráter público da universidade brasileira, de sua democratização e da ampliação de sua capacidade de produzir conhecimento de forma autônoma e socialmente referenciada.
As primeiras iniciativas tomadas pelo governo no âmbito da educação superior, contudo, não apontaram no mesmo sentido das bandeiras históricas do movimento.
Embora a idéia de uma reforma universitária tenha pautado desde o início as ações do governo, as propostas então elaboradas foram contaminadas pelo conservadorismo da política econômica adotada, sobretudo no primeiro mandato, que implicava em um entrave para a expansão das universidades públicas em função dos poucos recursos destinados aos investimentos públicos, assim como também comprovaram a indisposição do MEC em confrontar os “tubarões do ensino”.
Naquela orientação geral do primeiro mandato, com aquela política de governabilidade institucional e de conciliação entre público e privado, uma reforma que contemplasse as reivindicações do movimento de educação tinha sérias chances de retroceder e contemplar os interesses do setor privado, dado o caráter desigual da disputa de rumos do governo e o peso do setor conservador no Congresso Nacional.
Em razão de tal cenário político, as divergências em torno da análise da política educacional do governo federal - que são legítimas e mesmo necessárias – acabaram dando lugar a uma profunda divisão e dispersão do movimento de educação. No primeiro mandato de Lula, prevaleceu em amplos setores uma intervenção pautada quase que exclusivamente pelo imediatismo em responder às ações governamentais, ainda que contra ou a favor, reduzindo o movimento a um prejudicial internismo.
O aprendizado que trouxe o debate sobre a Reforma Universitária foi significativo.
A divisão e ausência de uma proposta consolidada do movimento de educação, bem como a falta de grandes mobilizações impediram uma intervenção que debatesse e mobilizasse a sociedade brasileira em torno das propostas progressistas de uma nova Universidade, aberta e voltada aos interesses populares.
Passados oito anos, é fato que o Governo Lula, em que pese os limites, exibe avanços consideráveis no campo da educação pública, sobretudo a partir do segundo mandato, com a expansão das instituições federais, a ampliação dos recursos para educação e a inclusão de setores populares no ensino superior.
Dentre as ações do governo Lula para o Ensino Superior podemos destacar:
- a retomada de investimentos nas IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), que passou de R$ 9 bilhões em 2002 para R$ 20 bilhões em 2010;
- retomada de concursos para professores e servidores;
- ampliação do número de matrículas, via ProUni, criação de 134 novas Extensões das IFES e 14 novas IFES, Educação a Distância, criação de 214 IFETs (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia) e com o Reuni (Programa de Reestruturação e Expansão das IFES), alterando o perfil dos estudantes universitários brasileiros;
- ampliação da relação público-privado, com a Lei de Inovação Tecnológica, Lei das PPP (Parcerias Público-Privadas) e os decretos que regulamentam a relação das Fundações “de apoio” e as IFES;
- a política de Avaliação Institucional com o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior);
- a elaboração de um anteprojeto de Lei Orgânica para o Ensino Superior, atual PL7200, que se encontra tramitando com mais 13 projetos em conjunto no Congresso Nacional;
- a democratização do acesso e permanência, com o estímulo a adoção das políticas de Ações Afirmativas e o PNAES – Programa Nacional de Assistência Estudantil, que apenas em 2010 investiu R$ 300 milhões nas instituições federais;
- o uso do novo ENEM com forma de ingresso ao ensino superior;
- a realização da Conferência Nacional de Educação.
Ao mesmo tempo é necessário considerar que a estratégia de conciliação com a hegemonia do ensino privado continuou presidindo as ações do governo federal, que não tomou medidas significativas no sentido de regulamentar a educação paga.
Além disso, também não foi prioridade para o MEC atuar no sentido da democratização da gestão das instituições de ensino, alterando suas estruturas por meio de alterações na legislação vigente.
Dilma presidenta
Neste início de Governo Dilma, a retomada das lutas e debates sobre a educação brasileira permanece como uma tarefa desafiadora.
O resgate do acúmulo histórico do movimento de educação é fundamental.
Uma iniciativa que deve sistematizar o conjunto de reivindicações, incentivar novas formulações do movimento de educação e ser capaz de impulsionar a luta por uma Universidade Democrática e Popular.
Outro desafio reside na retomada do caráter mobilizador e militante deste debate. Sem luta política e gente na rua, um programa transformador para universidade não irá além de um mero conjunto de intenções. O atual período exige transferir os setores que passaram a ser alvo da exploração capitalista para espaços públicos não-mercantis, sob a orientação e gestão do Estado.
Essa luta por mudanças estruturais na educação e na universidade deve ser parte de um programa maior de reformas democrático-populares, de corte anti-monopolista, anti-latifundiário, anti-imperialista e anti-neoliberal.
Neste processo, tanto a elaboração quanto a luta por uma reforma estrutural da universidade brasileira deve necessariamente, envolver as classes trabalhadoras e os demais movimentos sociais, indicando de maneira inquestionável que a luta por uma universidade democrática e popular
é uma luta que tem sua legitimidade construída nos interesses da ampla maioria da sociedade.
A primeira batalha para o movimento educacional debater as necessárias mudanças na educação brasileira no governo Dilma será a disputa em torno do novo Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020).
Por um PNE Democrático e Popular
A construção do novo Plano Nacional de Educação (2011-2020) foi iniciada na Conferência Nacional de Educação (CONAE), realizada em abril de 2010 em Brasília e precedida pelas etapas municipais, regionais e estaduais em 2009, mobilizando mais de 400 mil pessoas ao todo.
Reunindo mais de 3 mil delegados de todo país, os principais objetivos da CONAE eram definir os parâmetros do Sistema Nacional de Educação e as diretrizes e estratégias de ação do novo PNE, enquanto política de Estado.
Rumo ao terceiro Plano Nacional de Educação.
Através do movimento da Escola Nova no início dos anos 30, a Constituição Federal de 1934 e todas as posteriores (com exceção da de 1937) continham em seus textos a atribuição por parte da União da elaboração de um Plano Nacional de Educação.
Nos anos de 1936 e 1937 foi elaborado pelo ministério e o Conselho Nacional de Educação uma proposta de PNE, que após ser enviado à Câmara dos Deputados, foi interrompido pelo golpe do Estado Novo.
Com a posterior redemocratização, volta à cena a discussão sobre os rumos da educação nacional, e depois de treze anos de discussões no Congresso entre os setores privatistas, dirigidos por Carlos Lacerda e a Campanha em Defesa da Escola Pública, encabeçada por Florestan Fernandes, foi homologada a primeira LDB em 1961.
Somente em 1962 seria estabelecido o primeiro Plano Nacional de Educação. Este não foi um projeto de lei. Foi um conjunto de iniciativas propostas pelo Ministério da Educação e Cultura e aprovado pelo Conselho Federal de Educação, constituindo metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas em oito anos. Voltadas principalmente para a alfabetização da população, estas medidas seriam novamente inviabilizadas por um golpe de estado, desta vez o civil-militar de 1964.
Mais de duas décadas depois, a Constituição Federal de 1988 retoma a previsão de um Plano Nacional de Educação, com força de lei. Após a aprovação da conservadora Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96) pelo governo FHC, é instituído que o governo possui o prazo de um ano para elaborar e enviar ao Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes.
Os movimentos sociais se antecipam ao governo e realizam dois CONEDs – Congressos Nacionais de Educação, onde elaboram o Plano Nacional de Educação, apresentando em 10 de fevereiro de 1998 na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.155/98.
Este Plano, que ficou conhecido como PNE – Proposta da Sociedade Brasileira, representou a síntese do acúmulo do debate e da luta educacional empreendido pelos movimentos sociais nas últimas décadas, alicerçado em um rigoroso diagnóstico da realidade brasileira, sua divida social e as medidas necessárias para superar esta situação, em contraposição as políticas privatistas do governo vigente.
O Ministério da Educação, por sua vez, elaborou a sua proposta de Plano Nacional de Educação (PNE–MEC), protocolando-o na Câmara dos Deputados em março de 1998, sob o nº 4.173/98, sendo apensado ao Projeto dos movimentos, devido a precedência do mesmo. Assim, a tramitação do PNE em um processo único, passou por uma série de embates em plenário e a pressão externa de diversos setores da sociedade.
O relator do Projeto de Lei optou por apresentar uma proposta substitutiva (substitutivo Marchesan), que, após mais um tempo de tramitação e recebimento de sugestões, foi finalizada.
Em 09 de Janeiro de 2001, o presidente FHC sanciona a Lei nº 10.172/01 que instituiu o Plano Nacional de Educação, com vetos a nove metas, a maioria sobre a ampliação de recursos financeiros para educação e valorização do magistério e servidores.
Vetou-se assim, algumas das principais propostas vitoriosas do PNE da Sociedade Brasileira no sentido da valorização e democratização da educação nacional. Um dos principais pontos do PNE da Sociedade Brasileira era a destinação de 10% do PIB para educação. A meta de 7% aprovada ainda assim seria vetada por FHC, sob o argumento de que as metas do PNE poderiam ser atingidas apenas com um melhor gerenciamento dos recursos já destinados.
Esta recusa comprometeu e inviabilizou o cumprimento das metas estabelecidas no Plano, que até hoje, passados quase 10 anos de sua aprovação e sem a retirada dos vetos por parte do Governo Lula, não foram atingidas.
A CONAE e o movimento de educação
Foi um acerto político do Governo Lula iniciar a elaboração do novo Plano Nacional de Educação a partir de um processo de Conferências desde a base. Diferentemente dos Planos anteriores, a sociedade teve a oportunidade de defender suas propostas e incidir nas propostas ao PNE e ao Sistema Nacional de Educação.
Certamente se tivessem ocorrido um maior grau de unidade e mobilização do movimento educacional em toda CONAE, propostas mais avançadas teriam chegado à etapa nacional, a exemplo da composição paritária em todos os órgãos colegiados das universidades e o fim das Fundações ditas “de apoio” às IFES. Ainda assim, graças a forte participação dos sindicatos da educação básica e a reduzida presença dos setores conservadores na CONAE, podemos afirmar que o texto final aprovado pela Conferência é no geral positivo, no sentido de priorizar o fortalecimento da educação pública.
Fortalecer a educação pública e combater os tubarões do ensino
Na CONAE foram discutidas as bases para a construção do Sistema Nacional de Educação, como forma de efetivar o regime de colaboração e cooperação entre a União, Estados e municípios e promover a articulação dos sistemas de ensino em todos os níveis, etapas e modalidades, com a integração do PNE com os Planos Estaduais e Municipais de Educação, superando a visão fragmentada de educação e visando a resolução do grande déficit educacional brasileiro, tanto em termos de acesso, como de qualidade do ensino, financiando o sistema público e regulamentando o privado.
Também foi deliberada a criação e institucionalização do Fórum Nacional de Educação, como instância consultiva, de articulação, organização, acompanhamento da política nacional de educação e de coordenação permanente das conferências nacionais de educação, no âmbito do Sistema Nacional de Educação. Acreditamos que este Fórum deve ser um espaço amplamente representativo no que diz respeito a participação dos movimentos sociais e sindicatos.
Em relação ao PNE 2011-2020, boa parte das bandeiras do movimento de educação foi contemplada na definição de suas diretrizes básicas. No entanto, a CONAE não aprovou o novo PNE, ela apenas deliberou por suas orientações específicas e gerais, que serão aprovadas sob projeto de lei no Congresso Nacional ainda em 2012. Logo, nem tudo que foi definido na Conferência constará no PNE ao final do processo e várias propostas poderão ser modificadas. Sabemos que a influência do lobby do setor privado da educação é muito forte no Congresso Nacional, inclusive no interior da ampla base governista, de forma a que a versão final do PNE seja muito recuada em suas metas ou venha a atender os interesses dos tubarões do ensino, que defendem a destinação de recursos públicos para as instituições pagas, por exemplo. Ou seja, a disputa não acabou! E esta luta se dará tanto no âmbito institucional do parlamento, como também no plano social, nas ruas.
Assim, quando pautamos a construção do PNE que queremos, estamos afirmando o caráter público, gratuito e de qualidade da educação pela qual lutamos, voltada para as maiorias, que contemple a diversidade do nosso povo, com a universalização do acesso em todos os níveis através do financiamento estatal. Este caráter deve ser reafirmado e implementado pelo PNE no próximo período, enquanto política de Estado.
Para isto, o movimento de educação deve permanecer constantemente mobilizado para que não tenhamos nenhum retrocesso no Congresso, para que Dilma não vete nenhuma proposta avançada e seu governo trabalhe no sentido de implementar o PNE.
Aos movimentos sociais cabe pautar nossas propostas ao PNE nas ruas e nas universidades, articulando a luta social com a luta institucional. Quanto maior for a pressão, maiores são as possibilidades de que sejamos vitoriosos.
Principais deliberações da CONAE que devemos garantir que sejam aprovadas no PNE:
- investimento de 10% do PIB em educação até 2014;
- 50% do Fundo Social do Pré-Sal devem ser destinados para educação;
- recursos públicos devem ser investidos apenas na educação pública, em todos os níveis e modalidades de ensino, como forma de desmercantilizar a educação;
- fim dos cursos pagos de pós-graduação nas IES públicas;
- ampliar as vinculações orçamentárias da educação da União de 18% para, no mínimo, 25% e de 25% para, no mínimo, 30% dos estados, DF e municípios;
- estabelecer um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Superior Pública;
- criação de uma Lei de Responsabilidade Educacional;
- alocar recursos financeiros específicos para a expansão da graduação nas instituições públicas no período noturno;
- “regulamentar o ensino privado em todos os níveis educacionais, limitando a participação de capital estrangeiro na educação, retomando os marcos da educação como direito e não como mercadoria, garantindo fiscalização efetiva para evitar abusos”;
- deve ser incrementada a expansão do ensino superior público presencial, mediante programas de expansão democraticamente discutidos com a comunidade universitária e com a sociedade em geral e com interiorização deste nível de ensino, levando em consideração as reais necessidades da população; fortalecer as licenciaturas presenciais;
- em relação ao Ensino Superior, até 2020 60% das matrículas devem ser em instituições públicas e 40% em privadas;
- reserva de vagas nas universidades de 50% para estudantes egressos de escolas públicas, respeitando a proporção de negros/as e indígenas em cada estado de acordo com os índices do IBGE;
- estabelecer programas de apoio à permanência dos/das estudantes nas instituições públicas, considerando-se que há a necessidade de provocar uma grande expansão dos cursos de graduação presenciais;
- consolidar a pós-graduação em todo país, gerando condições de funcionamento dos programas e a abertura de novos;
- garantir recursos orçamentários para que as universidades públicas possam definir e executar seus próprios projetos de pesquisa, propiciando uma efetiva autonomia de pesquisa;
- eleições para diretores e reitores de instituições públicas e privadas e formas colegiadas de gestão;
- gestão democrática como princípio para instituições públicas e privadas;
. a livre organização sindical e estudantil deve ser garantida;
- política nacional de avaliação como processo contínuo, não voltada para a punição, “ranqueamento” e classificação das instituições, considerando não apenas o desempenho, mas estrutura, relação professor/estudante, gestão democrática escolar, participação do corpo discente na vida escolar, carreira e salário dos trabalhadores, levando em conta a avaliação externa e a auto-avaliação, com caráter diagnóstico, visando a superação de dificuldades através de políticas públicas;
- erradicar o analfabetismo e universalizar a educação básica;
- assegurar o cumprimento do Piso Salarial Nacional com plano de carreira, no setor público, com ampliação de seus direitos;
- valorização dos trabalhadores em educação, formação inicial e continuada, carreira, salário e condições de trabalho;
- política nacional de formação dos/das profissionais da educação: oferta de cursos de graduação, especialização/aperfeiçoamento e extensão aos/às profissionais da educação pública, em universidades também públicas, como direito dos/das profissionais da educação;
- obrigatoriedade imediata de realização de concursos públicos, como forma de ingresso, para todos os/as profissionais da educação;
- reconhecimento, respeito e valorização das diversidades;
- combate a todo e qualquer tipo de racismo, preconceito, discriminação e intolerância como eixos orientadores da ação, das práticas pedagógicas, dos projetos político-pedagógicos e dos planos de desenvolvimento institucional da educação pública e privada, em articulação com os movimentos sociais;
- apoio da Capes e CNPq à criação de linhas de pesquisa nos cursos de pós-graduação do Brasil que visem ao estudo da diversidade étnico-racial, ambiental, do campo, de gênero, de orientação sexual e de pessoas com necessidades educativas especiais;
- relações étnico-raciais: efetivação do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana no âmbito dos diversos sistemas de ensino; ampliar a oferta, por parte das instituições públicas, de cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado sobre relações étnico-raciais no Brasil e a história e cultura afro-brasileira, africana e indígena; desenvolver políticas e ações, para o enfrentamento do racismo institucional; criação de mecanismos que eliminem o déficit educacional entre brancos/as e negros/as;
- educação quilombola: construção do Plano Nacional de Educação Quilombola, com a participação do movimento negro quilombola; instituição de um programa específico de licenciatura para quilombolas, com formação específica e diferenciada; e elaboração de materiais didáticos próprios;
- educação do campo no campo: assegurar uma política pública nacional de educação do campo e da floresta como direito, em diálogo com os movimentos sociais campesinos, que assegure a formação humana, política, social e cultural dos sujeitos; desenvolver uma política pública de financiamento da educação do campo; criar políticas de incentivo para os/as professores/as que atuam no campo e incluir a educação do campo na matriz curricular dos cursos de pedagogia e licenciaturas; desenvolvimento de propostas pedagógicas e materiais didáticos coerentes com as realidades locais; reconhecer e institucionalizar as escolas itinerantes e criar creches no campo;
- educação indígena: estimular a criação de mais cursos de licenciatura indígenas dentro da própria estrutura das IES, garantir a ampliação da oferta de educação básica intercultural nas escolas indígenas, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio; garantir a utilização da(s) língua(s) indígena(s); garantir a participação dos povos indígenas em todos os momentos de decisão, acompanhamento e avaliação relacionados à educação; produzir e distribuir gratuitamente material didático voltadas para questões indígenas;
- gênero e diversidade sexual: constituição de uma educação não sexista, machista ou homofóbica; garantir os recursos para a implementação do Projeto Escola sem Homofobia em toda a rede de ensino; desenvolver programas de formação inicial e continuada, extensão, especialização, mestrado e doutorado, em sexualidade, diversidade e relações de gênero no ensino superior público, visando superar preconceitos, discriminação, violência sexista e homofóbica no ambiente escolar; garantir medidas que assegurem às pessoas travestis e transexuais o direito de terem os seus nomes sociais acrescidos aos documentos oficiais (diário de classe) das instituições de ensino;
- educação especial: garantir as condições para uma Política Nacional de Educação Especial Inclusiva, que garanta o processo de inclusão cidadã na formação de profissionais da educação; fortalecendo o atendimento educacional especializado, que deve ser realizado no contra-turno; com a distribuição de livros, materiais didáticos e paradidáticos, equipamentos e mobiliários adaptados; garantir a presença do/da professor/a auxiliar, do/da intérprete/tradutor/a, do/da guia-intérprete, professor/a de Libras para as salas do ensino regular com estudantes inclusos/as e oficializar a profissão de tradutor/a-intérprete de Libras para surdos/as e do/a guia intérprete para surdos/as e cegos/as;
- educação ambiental: garantir por meio de recursos públicos, a implementação e acompanhamento da Lei da Política Nacional de Educação Ambiental e programas de educação ambiental, considerando-a como atividade curricular obrigatória na educação básica e graduação; assegurar a compra direta da merenda das escolas públicas com o/a agricultor/a familiar e as organizações familiares, produtoras de alimentos orgânicos e agroecológicos;
- crianças, adolescentes e jovens em situação de risco: garantir políticas públicas de inclusão e permanência em escolas de crianças e adolescentes que se encontram em regime de liberdade assistida ou em cumprimento de medidas socioeducativas; oferecer educação integral, integrada, básica, profissional, técnica e gratuita aos/às adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em regime fechado; considerar no projeto político-pedagógico, as diversidades da juventude;
- educação religiosa: inserir os estudos de diversidade cultural-religiosa no currículo das licenciaturas e em programas de formação inicial e continuada; garantir que o ensino público se paute na laicidade, sem privilegiar rituais típicos de dadas religiões que acabam por dificultar a afirmação, respeito e conhecimento de que a pluralidade religiosa é um direito;
- fortalecimento do caráter público, gratuito e de qualidade da educação brasileira, enquanto direito de todos e dever do Estado.
O Programa da Universidade Democrática e Popular
A concepção da Universidade como um aparelho de hegemonia exige de nós uma concepção dialética da educação e é nesse sentido que apresentamos o programa da Universidade Democrática e Popular, segundo o qual a Universidade deve deixar de ser um instrumento de manutenção do estado das coisas e passar a ser um instrumento de transformação social, intimamente ligada as necessidades sociais do povo brasileiro e não do capital, se convertendo em um instrumento de empoderamento das classes populares, pois a educação a ser desenvolvida pelas instituições deverá ter um caráter libertador e não alienador como é majoritariamente. Para tal, inúmeros desafios estão colocados para o movimento educacional e estudantil.
Por uma Formação Integral: Ensino, Pesquisa e Extensão para a Transformação Social
Hoje, mais do que nunca, faze-se necessário repensar os métodos de ensino e o modelo de formação das universidades. É preciso também uma profunda mudança na forma como o conhecimento é produzido e disseminado, alterando a própria organização acadêmica das instituições de ensino.
O abandono dos estudos e a repetência são, em muitos momentos, sintomas da insatisfação dos jovens em relação à universidade. Compõem este ambiente, métodos obsoletos de ensino-aprendizagem, avaliações orientadas somente pela a memorização e a própria relação hierárquica nada democrática entre professor e estudante.
O ensino universitário tradicional tem sido desenvolvido geralmente de forma desvinculada da experiência, da prática, da realidade social. Esta concepção estática e fragmentada da produção do conhecimento reduz a mesma a especializações disciplinares quase sem contato entre si, com objetos disciplinares recortados artificialmente da realidade social.
Deste modo, a universidade tradicional tem realizado principalmente ensino, seguido de maneira distante pela pesquisa (nem sempre vinculada a problemáticas sociais relevantes), e em grau muito inferior, extensão. Este desenvolvimento fragmentado de suas funções tem implicado um empobrecimento da vida universitária e da educação como um todo, longe dos problemas da sociedade.
Esse processo deve partir de uma compreensão mais ampla de educação, que não seja restrita as instituições escolares e deve incorporar práticas educativas que dialoguem com as experiências pedagógicas críticas.
Transformar essa realidade exige a abertura de um amplo debate nacional sobre o projeto político-pedagógico das universidades brasileiras, a partir de métodos didáticos e pedagógicos alternativos, baseados na participação, no diálogo e na valorização dos saberes populares, na socialização dos saberes historicamente acumulados, na construção coletiva do conhecimento.
No campo da reestruturação acadêmica e curricular, um dos desafios é repensar o atual modelo de organização universitária e a necessária extinção dos departamentos. Estes se tornaram redutos privilegiados do corporativismo acadêmico e reproduzem uma organização segmentada da universidade.
Esta distorção também é percebida na própria estrutura física das universidades, em que os seus blocos, centros, faculdades e institutos são marcados pela falta de comunicação, isolando os estudantes e não permitindo o contato destes com outros campos do saber.
Em substituição a estrutura departamental, é preciso constituir estruturas acadêmicas permeáveis à participação democrática da comunidade e à interdisciplinaridade. Já em relação aos currículos, fica patente a necessidade que tem a universidade em incorporar a diversidade social e cultural dos educandos e da comunidade.
Uma diversidade não encontrada nos atuais currículos eurocêntricos, sexistas e heteronormativos das nossas universidades.
Autonomia Universitária
A idéia de autonomia é indissociável da própria idéia de universidade. O exercício desta autonomia, no entanto, não deve ser confundido como independência ou isolamento da sociedade. Ao contrário, a autonomia da universidade é condição fundamental para que sua função social não seja tolhida por interesses a ela alheios ou externos.
Historicamente, a universidade conviveu com um maior ou menor grau de autonomia, a depender da relação estabelecida com a ordem dominante. Sempre que abrigou idéias, movimentos ou iniciativas que feriam esses interesses, seu “autogoverno” era o primeiro a ser atingido, seus campi invadidos, professores e estudantes expulsos ou perseguidos.
Prevista pelo artigo 207 da Constituição Federal, a autonomia das universidades deve compreender a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Além disso, seu exercício deve estar vinculado ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
A autonomia didático-científica deve conferir à universidade a responsabilidade de estabelecer seus próprios instrumentos de produção e difusão do conhecimento, debatendo de forma democrática os currículos, métodos de ensino e investigação científica que melhor dialoguem com as demandas da comunidade e a pluralidade de visões presentes na sociedade.
Neste sentido, a produção científica e cultural da instituição deve levar em conta sua relevância social, não podendo ser determinada ou apropriada privadamente por interesses empresariais associados a pequenos grupos da burocracia universitária.
Dois projetos que interferem na autonomia das universidades públicas e privadas brasileiras são a Lei de Inovação Tecnológica e a Lei das Parcerias Público-Privadas, ao possibilitarem que as instituições de Ensino Superior celebrem contratos com empresas privadas, com o objetivo de desenvolver pesquisas para estas. Isto permite com que os interesses do mercado passem a determinar de forma mais incisiva nas decisões sobre aquilo que é pesquisado nas universidades, redirecionando e ressignificando-as, além de conceder às empresas o direito de se apropriar do conhecimento nelas produzidos.
Em julho de 2010 o governo Lula assinou o “Pacote da Autonomia” para as IFES, conjunto de medidas que incluem a renovação do PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil), que agora é lei; regulamentação que dispõe sobre o gerenciamento de servidores técnico-administrativos, permitindo a autorização para reposição de servidores via concurso público sem precisar passar pelo governo; medida para gerenciamento de recursos, que deixam de ser recolhidos ao tesouro nacional ao final de cada ano. Apesar destas medidas positivas para as IFES, o lado negativo do pacote reside na Medida Provisória 495/2010 que avança na legalização da relação das IFES com as Fundações Privadas “ditas” de apoio, permitindo a celebração de contratos e convênios para o desenvolvimento de projetos, pois ao invés do governo trabalhar no sentido de fortalecer o controle público sobre projetos e orçamentos e acabar com estas parasitas, que são hoje o principal instrumento de corrupção e privatização interna das IFES e suas pesquisas, dá carta branca para que sigam operando.
A Universidade Brasileira é ainda marcada por um rígido modelo de organização: centralizado, hierarquizado, pouco transparente e fechada à participação democrática. A autonomia administrativa deve garantir a possibilidade da universidade de estabelecer sua própria organização interna, suas formas de co-governo, suas instâncias, gestão, estatutos e regimentos. A autonomia de gestão financeira e patrimonial, por sua vez, é fundamental para o exercício das atividades da Universidade.
Nas universidades públicas ela não deve ser confundida como uma forma de transmitir à universidade a responsabilidade do seu próprio financiamento nem deve ficar refém de chantagens ou ingerências políticas.
Deve estar sustentada em uma política estável de financiamento público, garantindo à instituição mobilidade na discussão democrática acerca das suas prioridades de investimento, através de instrumentos como orçamentos participativos, e na aplicação destes mesmos recursos.
Neste aspecto, é merecedora de atenção a situação das universidades estaduais. A fragilidade institucional de muitas dessas universidades, desde sua normatização e fiscalização pelos conselhos estaduais de educação até a subordinação política aos governos estaduais explica a grave crise que passam muitas dessas instituições. A vinculação orçamentária das verbas para a sua manutenção é condição fundamental para que não sejam transformadas em “feudos políticos” regionais.
Para o exercício pleno desta autonomia, o fim do modelo de fundações privadas nas universidades públicas brasileiras deve ser considerado. Instrumentos privilegiados de captação de recursos privados, as ditas fundações de apoio ferem de maneira aberta a autonomia da Universidade, sobrepondo interesses privados a produção do conhecimento e criando um terreno fértil para práticas de corrupção e mau uso dos recursos públicos.
Nas universidades pagas, a discussão da autonomia também assume contornos preocupantes. Na ausência de uma verdadeira regulamentação do ensino privado por parte do poder público, a autonomia nestas instituições é vista como oportunidade de aprofundar ainda mais a expansão desregulada de cursos, com baixa qualidade. Acentua ainda essa situação o fato de que não raro é na mantenedora que reside de fato o controle sobre os rumos das universidades pagas, limitando ainda mais a discussão democrática e a participação de todos os setores da comunidade acadêmica e da sociedade.
Gestão democrática e participativa
A orientação e a forma de organizar a universidade tendem, em última instância, a refletir as estruturas e relações de poder da própria sociedade. Nascida para as elites, a universidade continua refém de um modelo avesso à participação da comunidade acadêmica e da sociedade na tomada de suas decisões. Assim, a democratização das universidades é condição fundamental para o exercício pleno de sua autonomia e a livre produção do saber.
As universidades brasileiras devem incorporar mecanismos de participação democrática na discussão sobre seus rumos. A participação dos segmentos da comunidade universitária deve ser garantida em todos os órgãos colegiados da instituição, com garantia de paridade real entre estudantes, professores e técnico-administrativos. Nessas instâncias também deve ser incorporada a participação de movimentos sociais e demais organizações da sociedade, em diálogo com as demandas populares.
Ademais, instrumentos de elaboração coletiva dos planos político-pedagógicos, plano de desenvolvimento institucional, avaliação e orçamentos participativos devem ser instituídos com a finalidade de democratizar o debate acerca do planejamento e desenvolvimento da universidade.
No plano da escolha dos dirigentes das universidades, devem ser garantidas eleições diretas, secretas e, no mínimo paritárias, em todos os níveis de direção. A homologação da escolha desses dirigentes deve ser dada no âmbito da própria instituição, não devendo ser submetida a listas tríplices para a decisão do Poder Executivo.
Na defesa da paridade dois argumentos devem ser igualmente enfrentados. O primeiro, que afirma que essa luta histórica é ilegal, desconhece a existência desse instrumento em várias instituições e a garantia de autonomia dada pela Constituição à universidade.
O segundo, de que os estudantes “estão de passagem pela universidade” - não estando aptos para participarem das decisões – ignora que os estudantes não são indivíduos e sim uma identidade que permanece ao logo das gerações que, com suas demandas, pautas e reivindicações, sempre estiveram “aptos” na transformação da universidade.
Nas instituições pagas, essa realidade é ainda mais grave, uma vez que a perseguição aos militantes estudantis e sindicais, a falta de transparência com as planilhas de custo e investimento e ausência de espaços democráticos de participação e decisão são elementos que orientam uma concepção de educação pautada pelos interesses imediatos da lucratividade.
A atual estrutura antidemocrática das universidades é lastreada em um marco legal conservador construído ao longo das últimas décadas, seja na contra-reforma dos militares ou na legislação do governo FHC. Esta constatação exige uma ação dos movimentos de educação pela revogação do entulho legal autoritário e pela democratização, em última instância, da própria condução e elaboração da política nacional de educação superior.
Neste aspecto, os órgãos de deliberação e regulação do ensino superior também devem ser radicalmente democratizados. Os movimentos de educação devem ter sua participação ampliada nos Conselhos Municipais,
Estaduais e Nacional de Educação, assim como no Fórum Nacional de Educação aprovado na CONAE. A realização de Conferências, em todos os níveis, é outra medida visando o envolvimento democrático da sociedade na construção um Sistema Nacional de Educação para o país.
Portanto, a universidade não pode continuar abrigando os interesses menores de uma pequena burocracia universitária que fica encastelada em uma “torre de marfim” e privilégios. Transformar essa realidade obrigará uma profunda reestruturação das universidades. Para tanto, o esforço do movimento estudantil também deve se orientar pela realização de Congressos Estatuintes Paritários, visando uma profunda democratização das estruturas das instituições.
Contra a mercantilização da educação
O financiamento é questão chave para a compreensão dos dilemas da universidade brasileira. Sempre que a política educacional do país é orientada pela desresponsabilização do Estado, o financiamento da educação superior pública diminui de maneira considerável. Em contrapartida, vultosos recursos públicos são direcionados para o fomento da expansão das universidades privadas no país.
A ampliação do financiamento público para as IES públicas é essencial para o exercício das atividades universitárias. Sua ausência é sentida no sucateamento dos laboratórios, do acervo precário de nossas bibliotecas e da estrutura de nossas salas de aula. Sem um aporte conseqüente de recursos públicos, ampliando as verbas de custeio e investimento, não é possível atender a reivindicada expansão com qualidade das vagas públicas.
O financiamento da universidade pública é um dever do Estado e não deve se amparar em nenhum instrumento privatizante como cobrança de taxas, matrículas ou captação via fundações privadas “de apoio”. Estas últimas, inclusive, se apóiam na universidade e não o contrário: suas “prestações de serviços” aproveitam a estrutura e o conhecimento produzido na universidade para fins privados, causando prejuízos dos mais variados à instituição.
A constituição de mecanismos de financiamento público permanente torna a universidade menos vulnerável às ingerências externas que busquem limitar sua autonomia ou o exercício de suas atividades. Para tanto, devemos continuar perseguindo um aumento vigoroso do financiamento público para as universidades.
Tivemos importantes vitórias no último período, com o Fim da DRU (Desvinculação das Receitas da União) na Educação, que permitiu o acréscimo de R$ 9 bilhões por ano para educação, a ampliação do orçamento para as Universidades Federais, que passou de R$ 9 bilhões em 2002 para R$ 20 bilhões em 2010. Contudo, isto ainda é insuficiente para promover uma grande expansão das IFES, de forma que uma de nossas tarefas centrais no próximo período é fazer a luta pela destinação de, conforme aprovado na CONAE, 10% do PIB para educação até 2014; 50% do Fundo Social do Pré-Sal para educação e recursos públicos apenas para educação pública.
Democratização do acesso e permanência. Garantir o direito à educação!
A democratização do acesso sempre foi um dos temas de maior apelo na sociedade quando falamos de educação superior. Sua importância está relacionada ao fato de que a universidade também reproduz a situação de exclusão educacional que atinge amplos setores da nossa população.
O Brasil registra um dos índices mais baixos de acesso ao ensino superior na América Latina, concentrando quase 14% dos jovens de 18 a 24 anos. Destes, 74,9% estão matriculados em instituições privadas e 24,1% nas públicas (MEC, 2008), sendo que as instituições particulares representam 90% do total.
Este cenário revela a orientação dominante das políticas educacionais do país que frente a forte demanda por ensino superior, privilegiou um modelo de expansão centrado no ensino privado, transformando a Universidade em um privilégio de quem pode pagar.
Reforçando esse quadro de exclusão, os governos neoliberais dos anos 90 e seus associados do Banco Mundial venderam durante muitos anos a falsa idéia de que o centro do problema era a Universidade Pública e seu suposto caráter elitista.
É notório que a Universidade Pública também foi afetada pelo processo de alijamento dos setores populares do ensino superior, particularmente em alguns cursos mais visados (Medicina, Direito, Engenharia, Arquitetura, etc). Contudo, para a grande maioria dos estudantes oriundos da escola pública e de baixa renda, ainda é na Universidade Pública que é encontrada a oportunidade de ingresso em um curso superior.
O que os neoliberais buscavam, no entanto, não era resolver o “problema” do acesso a educação superior, mas construir a legitimidade na sociedade para uma grande ofensiva sobre a Universidade Pública, pavimentando o caminho para a expansão do ensino privado no país. Longe de trazer a democratização do acesso, esse avanço mercantil sobre a educação brasileira acentuou ainda mais o não atendimento à grande demanda da juventude brasileira por ensino superior.
Para superar essa condição, defende-se a universalização e o livre acesso à educação pública em todos os níveis. Contudo, como esse é um objetivo de longo prazo, a imediata expansão da rede pública deve combinar a adoção de políticas de ação afirmativa que, articuladas com políticas de melhorias da educação básica, beneficiem os setores historicamente excluídos da universidade, alterando assim sua composição social e fazendo da educação superior um instrumento de combate às desigualdades.
Afinal, são poucos os que chegam à universidade. Em uma trajetória de idas e vindas, tudo começa ainda fora de seus muros. Nas universidades públicas, referência de qualidade social em relação às demais, acessam com maior facilidade aqueles que têm condições de pagar por ensino médio e cursinhos de pré-vestibular privados.
A disputa é dura. O instrumento de seleção – o vestibular – é emburrecedor; do ponto de vista pedagógico privilegia a memorização do conhecimento e não sua reflexão crítica e o contexto social na qual ele está inserido. Além disso, o vestibular se tornou um negócio lucrativo para os donos de mega-cursinhos privados e para as empresas que elaboram as provas.
Aos setores populares são apresentadas alternativas em cursinhos de pré-vestibular populares que são importantes, mas com resultados ainda modestos, dadas as dificuldades estruturais. Como se ainda não bastasse, muitos estudantes ainda não conseguem vencer toda a burocracia para ter isenção na inscrição ao vestibular.
Num cenário como esse, as políticas afirmativas são iniciativas transitórias, mas bem vindas. Os que se erguem contra a adoção de cotas ou reserva de vagas para o acesso a universidade se escoram no velho e batido argumento do mérito, da meritocracia. Paraestes, a entrada de setores populares diminuiria a qualidade acadêmica da universidade.
A pertinência do argumento cai por terra, no entanto, quando avaliamos o bom desempenho acadêmico dos estudantes alcançados por essas medidas.
A universalização da educação pública e de qualidade só pode ser efetivamente oferecida pelas instituições que não estão submetidas à lógica do mercado. A expansão do ensino privado nunca foi acompanhada da elevação da qualidade das universidades.
A criação de unidades, cursos e centros universitários se orientam tão somente pelo horizonte empresarial, destinando ao mercado a escolha do lugar mais atrativo para atender novos “clientes”.
Democratizar o acesso a universidade pública é lutar para que os estudantes não continuem contabilizados enquanto números na expansão dos lucros de um dos setores empresariais que mais cresce no país.
Neste terreno, merece consideração a implementação do REUNI nas Universidades Federais. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) hoje é uma realidade nas universidades federais brasileiras. Os recursos e as propostas do REUNI nas universidades federais devem estar orientados para a expansão com qualidade e assistência estudantil.
As propostas que tenham como centro a flexibilização dos currículos, no sentido de permitir a diplomação intermediária (como é o caso dos bacharelados interdisciplinares), a criação de cursos aligeirados e a precarização da formação superior devem ser combatidas pela comunidade universitária.
De igual, a qualidade da expansão, a autonomia e o repasse de recursos da Universidade não devem ser condicionados por metas que desconsiderem a realidade da universidade.
O novo ENEM, pelo simples fato de explicitar à sociedade que o vestibular não é algo imutável e a necessidade urgente de se refletir sobre ele e modificá-lo, já é encarado com boa aceitação pelo conjunto dos movimentos de educação. Porém este ainda não é o modelo ideal, e será preciso desencadear um grande debate na sociedade para que assim sejam entendidos os limites e avanços da proposta, avançando em uma formulação que deve ter como horizonte o fim do vestibular.
Assistência estudantil é parte do direito a educação
Para além das grandes dificuldades de entrar na Universidade, uma parcela significativa dos estudantes brasileiros enfrenta uma dificuldade ainda maior: permanecer estudando.
As próprias políticas de ação afirmativa, quando não articuladas com políticas de assistência social ao estudante, são inviabilizadas, uma vez que não há garantias de que os setores populares possam permanecer na Universidade e tenham condições iguais de aprendizado em relação aos demais estudantes.
A existência de políticas articuladas de assistência estudantil em termos de programas de moradia, creches, transporte, ali mentação, saúde, esporte e cultura devem reduzir as desigualdades socioeconômicas e culturais presentes no ambiente universitário, e também possibilitar uma formação plena ao estudante.
Assim, faz-se necessário uma concepção avançada de Assistência Estudantil, em que esta esteja articulada ao processo educativo, integrada ao tripé ensino, pesquisa e extensão e inserida na práxis universitária.
Neste sentido, o estudante beneficiado não deve ser confundido com mão de obra barata nas universidades ou como instrumento de precarização do trabalho nas instituições de ensino. Consideramos ainda que, comprovadamente, as políticas de assistência ao estudante além de combaterem a evasão e a desistência, proporcionam um melhor rendimento acadêmico aos estudantes beneficiados.
Desde 1997, quando o governo FHC suprimiu os recursos destinados à Assistência Estudantil - então considerada um “gasto” desnecessário ao funcionamento da universidade - esta tem se tornado uma importante bandeira de mobilização estudantil. Somente em 2007 o governo federal retomou os investimentos específicos para permanência estudantil com o PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil), que em 2010 investiu R$ 300 milhões nas IFES, ainda assim insuficiente para muitas instituições, devido ao aumento de vagas e sua adesão ao SiSU – Sistema de Seleção Unificada.
Nas Universidades Privadas, onde essa realidade é ainda agravada pelos aumentos abusivos das mensalidades, as políticas de permanência devem estar articuladas a um novo modelo de crédito educativo e financiadas pela taxação dos lucros das instituições e pela regulamentação da filantropia, convertida em bolsas para estudantes de baixa renda.
A destinação de recursos públicos específicos para a manutenção das políticas de assistência estudantil é condição fundamental para a construção de um perfil democrático e popular para a Universidade Brasileira.
Para tanto, os investimentos disponibilizados devem ser orientados por uma concepção universalizante de política pública que afaste qualquer viés assistencialista na sua implementação.
Outro pressuposto fundamental é que tanto a aplicação das verbas destinadas a assistência estudantil quanto sua fiscalização sejam acompanhadas por conselhos democráticos dentro da instituição.
Ademais, é preciso fortalecer institucionalmente as ações e políticas de permanência, com a criação de órgãos específicos como Pró-Reitorias de Assistência Estudantil, responsáveis pela execução de Planos de Assistência Estudantil debatidos amplamente com os estudantes em cada universidade.
Regulamentação do Ensino Privado
Compreender a educação superior no país passa, necessariamente, por discutir a profunda mercantilização a qual a mesma está submetida. A hegemonia do privado sobre o público na Universidade Brasileira se manifesta em diversos aspectos. Na abertura indiscriminada dos cursos, na apropriação comercial do conhecimento produzido, nos métodos pedagógicos alienantes, na proliferação de taxas e cursos pagos, na cobrança abusiva de mensalidades e em tantos outros momentos em que o caráter público do direito à educação passa ao largo de nossa realidade.
A mercantilização da educação atinge níveis de extrema gravidade. Os rumos da educação brasileira estão sendo cada vez mais definidos nas bolsas de valores e no comércio de serviços internacional. A relevância social e o compromisso com o desenvolvimento do país têm dado lugar ao conhecido vocabulário do mercado financeiro. Com o reconhecimento da OMC (Organização Mundial do Comércio) da Educação Superior como área passível de investimentos, hoje o setor educacional privado seja o sexto setor da economia nacional.
Isto faz com que cada vez mais as instituições passem a operar como empresas, submetendo-se a lógica do mercado e orientando-se pelo lucro. O que leva a abertura e fechamento de cursos conforme as leis da oferta e da procura, a demissão sistemática de quadro docente qualificado, por conta de seus maiores salários e a proibição da rematrícula dos estudantes inadimplentes.
Entre fusões e ações colocadas no mercado, a educação superior tem ficado refém de uma notável desnacionalização, conforme atestam as recorrentes aquisições de instituições brasileiras por grandes corporações internacionais. Num cenário como esse não há margem para duvidas: a restrição total a entrada do capital estrangeiro na educação superior do país é uma luta prioritária do movimento de educação.
Em outras palavras, a educação superior privada é um “negócio” que tem dado dinheiro no Brasil. Apoiada na influência do setor privado nos órgãos reguladores do executivo e no poder legislativo, sua ampliação tem sido conduzida sem compromisso com a qualidade social e a garantia do tripé ensino, pesquisa e extensão. A própria estrutura de muitas instituições – que não raro se aproximam com um colégio ampliado de terceiro grau ou shopping center - reflete a massificação do acesso em curso.
Outra questão diz respeito à fragmentação dos cursos e das instituições que faz com que proliferem cursos tecnólogos, à distancia, on-line e afins sem nenhum tipo de critério acadêmico. A falta de regulamentação e controle público sobre o ensino privado permitiu uma liberalização do sistema, de forma a que cada vez mais a educação distancia-se de suas prerrogativas constitucionais de ser um direito constitucional para tornar-se, efetivamente, um produto à venda.
Visando sanar a contradição entre o baixo poder aquisitivo da população e as altas matrículas e mensalidades no Ensino Superior pago, diversas formas de crédito educativo já foram utilizadas pelos governos, como o Crédito Educativo (Creduc), substituído pelo FIES (Financiamento Estudantil) em 1999, ambos programas que logo após a formatura do estudante, passavam a cobrar o valor do financiamento, acrescido de juros compostos altíssimos, como se o diploma de curso superior fosse garantia de emprego logo após seu término.
Graças aos altos juros, os índices de inadimplência no programa encontram-se em torno de 30%, com mais de 50 mil devedores. Em 2010 o governo lançou o Novo FIES, reduzindo os juros e ampliando os prazos para quitar a dívida.
Ao fim do governo FHC tínhamos clareza de que o problema fundamental do acesso ao Ensino Superior no Brasil, já não era tanto a quantidade de vagas disponíveis, mas sim a natureza destas vagas e as condições para acessá-las, pois no ensino pago já existia uma oferta de vagas superior ao número de formandos no Ensino Médio anualmente, gerando assim altos índices de evasão, inadimplência e vagas ociosas.
Neste cenário, o Ensino Superior pago no Brasil chegara ao seu esgotamento, encontrando-se em uma forte crise.
No entanto, a resposta inicial do governo Lula para esta questão foi a criação do Programa Universidade Para Todos (PROUNI), que consiste em um programa de isenção fiscal para instituições pagas, com ou sem fins lucrativos, em troca de bolsas de estudo.
Desde sua criação o PROUNI já beneficiou mais de 700 mil estudantes, e ao ser um passo importante na implementação de políticas de ações afirmativas, tem contribuído para a alteração do perfil do Ensino Superior brasileiro. Porém, não obstante a face progressista que o PROUNI possui, ao possibilitar o acesso à universidade de setores dela historicamente excluídos – por mais duvidosa que possa ser a qualidade do ensino ofertada –, é inegável que o programa representou um fortalecimento do ensino privado. Além disso, ao eleger como parceiros os “tubarões do ensino”, o governo contribuiu para aumentar o poder relativo deste setor e tornar ainda mais difícil aprovar medidas efetivas de regulamentação e controle das instituições privadas de Ensino Superior. Na prática, o PROUNI foi a salvação de muitas instituições que estavam à beira da falência.
A luta por melhores condições de ensino, passa pela necessidade de uma regulamentação única do programa para todas as IES, com a normatização dos processos de seleção e renovação das bolsas; a necessidade de maior clareza nas informações aos bolsistas e candidatos; distribuição uniforme das vagas nos cursos e flexibilização para a transferência nestes; ampliação do percentual de bolsas de 8,5% para 20% por IES; redução do percentual de aprovação (que é de 75%); aumento do prazo para que o aluno conclua a graduação, permitindo-o estudar e trabalhar ao mesmo tempo; no que diz respeito à assistência estudantil, pautar a vinculação do valor da bolsa-permanência ao salário-mínimo nacional e ampliação do número de bolsas a todos que necessitem; auxílio xérox, material didático, moradia estudantil e alimentação subsidiada; meio-passe intermunicipal; descontos em cursos de informática e línguas oferecidos nas IES; adoção de políticas de incentivo à pós-graduação, estágios e entrada no mercado de trabalho; e combate ao preconceito e discriminação aos estudantes prounistas, garantindo o mesmo tratamento dos demais estudantes.
Além disto, o PROUNI poderia ser utilizado pelo Ministério da Educação como um instrumento mais efetivo para a regulamentação e democratização das Universidades pagas, exigindo como contrapartida a realização de eleições diretas e paritárias para a escolha de seus reitores e diretores de unidades, participação discente em conselhos e colegiados, controle público sobre o aumento de mensalidades e a garantir a liberdade de organização estudantil e sindical na instituição.
A realidade como sala de aula
A base de sustentação das Instituições de Ensino Superior está alicerçada no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão previsto por nossa Constituição.
Sem esse tripé, não há formação completa no processo educativo. A extensão universitária no Brasil teve início na metade do século XX, quando foi imposta a necessidade de difundir os pacotes tecnológicos importados através do desenvolvimento e expansão da indústria pós-segunda guerra mundial. Neste contexto, a chamada “revolução verde” viu na extensão rural, que foi a primeira experiência extensionista no país, um meio de “estender” às comunidades rurais a tecnologia em questão.
As universidades, institutos e órgão técnicos públicos foram os aparatos onde tais ações foram aplicadas através de um forte investimento público. Sendo assim, a extensão universitária consolidou-se como um processo de intervenção em uma determinada realidade e situação, onde era aplicada uma “formula mágica do saber científico” sem levar em conta o contexto sócio-político-cultural, alterando completamente a realidade em questão e tornando-a dependente dessas tecnologias ali incorporadas.
Contudo, mesmo que majoritariamente as premissas tenham sido mantidas em relação à concepção de extensão, desenvolveram-se ao longo do tempo outras linhas teóricas que defendem um processo de dialogo entre Universidade – Sociedade.
A presença de distintas concepções de extensão universitária está intimamente ligada à disputa de concepção da própria universidade. Para a construção de uma Universidade Democrática e Popular é necessário que se estimule a realização de projetos de extensão que não tenham como proposta político-pedagógica a imposição assistencialista do "saber universitário" na comunidade, mas sim, a troca e construção entre o saber popular e o saber científico de alternativas que possam melhorar a vida de um povo sem torná-los dependentes, mas sim libertá-los cada vez mais.
Neste sentido, entendemos a extensão universitária como um mecanismo importante para construção de um vínculo orgânico entre a Universidade e as classes populares. Sobretudo ao concebermos uma extensão que não está dissociada da pesquisa, mas que é parte desta. Logo, esta concepção de extensão universitária também pressupõe o combate aos que confundem extensão com assistencialismo, ou qualquer coisa do gênero.
No entanto, a extensão universitária geralmente é relegada a um segundo plano nas instituições, com poucos recursos e poucos projetos, reduzindo o número de estudantes interessados consequentemente. Devemos pautar que no governo Dilma e no PNE a extensão seja priorizada e receba um aporte considerável de recursos, passando a fazer parte dos currículos nos cursos de graduação, de forma integrada ao ensino e à pesquisa.
Fortalecer a extensão popular, neste projeto de universidade democrática e popular, significa conceber que a universidade deve ultrapassar os limites dos seus muros, não para levar seu magnífico conhecimento, mas para socializar o conhecimento que é um produto coletivo e não uma propriedade privada a ser patenteada por poucos e bons.
Significa estabelecer uma relação dialética de troca de saberes, onde a sabedoria popular deve ser valorizada, onde deve existir uma relação na qual os conhecimentos se complementem, pois a unidade das diversas formas de saber contribui para a superação das demandas sociais, para a transformação social, e só assim a Universidade cumprirá sua função social.
Onde se estabeleça uma relação Universidade – Sociedade, na qual a produção do conhecimento a partir da cultura local, do saber popular e das condições do meio, busque garantir a autonomia em relação às tecnologias hegemonicamente implementadas, valorizando as tecnologias alternativas.
A experiência dos EFI – Espaços de Formação Integral na Universidad de la Republica (Uruguai) devem ser analisados para a partir da realidade brasileira construir um modelo de educação integral que unifique ensino-pesquisa-extensão sob uma perspectiva multidisciplinar vinculada à sociedade.
Experiências de projetos de extensão, como Estágios Interdisciplinares de Vivência (EIV) e Assessorias Jurídicas Populares, que possibilitam a construção de uma concepção emancipadora de extensão nas universidades e que tem como premissa a articulação com os Movimentos Sociais são iniciativas que devem ser incorporadas nos currículos dos cursos e incentivadas com um conseqüente investimento público.
Pesquisa para o povo, não para as empresas
A universidade, enquanto espaço de produção e difusão da produção de novos conhecimentos, tem na Pesquisa uma de suas características diferenciadoras em relação às demais instituições educacionais. Sua importância está intimamente ligada ao fato de que um elevado desenvolvimento científico é condição necessária para o pleno desenvolvimento do país.
A velha crença de uma ciência neutra, ensimesmada nos seus próprios pilares, não encontra espaço nas lutas do movimento de educação. A construção de uma Universidade Democrático e Popular exige uma pesquisa engajada na solução dos grandes problemas nacionais.
No Brasil, apesar das tentativas de desmonte, a universidade pública concentra mais de 90% da produção científica nacional. Esses números, contudo, escondem a difícil realidade da pesquisa nas universidades. Como se não bastasse o sucateamento dos instrumentos, laboratórios e as insuficientes bolsas de pesquisa, encontramos ainda na universidade um processo de mercantilização da produção científica de grandes proporções.
A ação das fundações privadas, por exemplo, acentua tal processo de apropriação privada do conhecimento da universidade pública, sobrepondo interesses empresariais e direcionando a orientação das pesquisas realizadas.
Assim, a necessária ampliação do investimento público para a pesquisa deve estar associada ao fim das fundações privadas de apoio e a mecanismos transparentes de investimento no setor.
Também faz-se necessário pautar a alteração das concepções “produtivistas” que norteiam as agências reguladoras e órgãos de fomento, como o CAPES e CNPq, priorizando a quantidade em detrimento da qualidade ou relevância social de diversos projetos.
Por uma avaliação de verdade
No final da década de 80, iniciou-se no movimento de educação o debate sobre a construção de uma proposta de avaliação para as Instituições de Ensino Superior.
Uma das grandes propostas formuladas foi o PAIUB (Programa de Avaliação das Instituições Universitárias brasileiras).
Essa experiência concretizou-se a partir de em um método de avaliação que levava em consideração as peculiaridades de cada em instituição. Ainda era composto a partir de uma avaliação interna e externa, as quais visavam identificar os pontos fortes e fracos com intuito de fortalecer o que havia de positivo e melhorar os pontos fracos.
Além disso, a avaliação não era entendida como obrigatória e nem punitiva. A Universidade optava em fazer ou não avaliação, e ao optar em realizar, tinha autonomia para, de acordo com modelo geral, criar um mecanismo avaliativo que melhor se adequasse a realidade da Instituição.
Essa proposta avaliativa das Universidades teve pouco tempo de duração. Permaneceu em vigor durante o mandato do Presidente Itamar Franco. Já em 1994, quando FHC assumiu a presidência um dos seus primeiros atos foi extinguir o PAIUB que ainda estava em processo de consolidação nas Instituições de Ensino Superior.
O Governo FHC criou o PROVÃO. Essa experiência considerava como objeto avaliativo apenas os cursos de graduação e, em especial, os estudantes. Ou seja, era uma avaliação parcial. Junto a isso, foi usado como uma ferramenta para implementar um conjunto de mudanças conservadoras na educação Superior baseada na desresponsabilização do Estado com o financiamento da educação pública e na valorização do ensino privado.
Essa avaliação era punitiva e ranqueadora, pois transferia a responsabilidade do desempenho da Instituição apenas para os estudantes e, ainda, punia os cursos que tiravam notas baixas ao invés de estabelecer mecanismos de solução dos problemas a partir do investimento público. O fato que o Provão estava a serviço de uma política que visava mercantilizar a educação através da premiação dos melhores “avaliados”, valorização da meritocracia e fomento do setor privado na educação.
Em resposta, o movimento de educação construiu uma forte campanha pelo boicote ao Provão. Esse boicote criou as condições para que, posteriormente, fosse criado um novo sistema de avaliação – o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior).
O SINAES representou um avanço em relação ao método de avaliação anterior. Ele é constituído de uma avaliação externa e interna das IES. Contudo, ao mesmo tempo em que avançou, incorporou parte da lógica do antigo Provão no atual ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), mantendo um peso muito grande sobre a avaliação dos estudantes.
O SINAES absorveu parte das reivindicações do movimento de educação como a elaboração de uma avaliação onde seja avaliada toda a instituição e os segmentos que a compõem como técnicos, docentes e discentes (como avaliação interna), além de submeter à instituição uma avaliação externa, que seria feita pelos setores organizados da sociedade.
Por outro lado, o ENADE mantém a lógica ranqueadora e punitiva. Sendo assim, seus problemas ainda são muitos: o fato de ser um componente curricular obrigatório sem ter nenhuma discussão com as entidades que representam os cursos de graduação; manter a doação de bolsas como estimulo para os estudantes que obtiverem as melhores notas (meritocracia); uma mesma prova para os estudantes do início e do final do curso que realizam o exame; mantém-se um peso muito grande (60%) sobre avaliação dos estudantes na definição do IGC – Índice Geral de Cursos, ranking de qualidade entre universidades públicas e privadas, cujas notas são publicizadas pelo MEC, possibilitando o ranqueamento e a utilização do resultado pela as IES privadas e pela mídia para fazer marketing e se utilizarem disso para fins comerciais.
Além dos problemas do ENADE, o conjunto do sistema precisa avançar. A Comissão Nacional de Avaliação (CONAES) precisa ser mais representativa do ponto de vista do movimento social, a qual, hoje é composta pela maioria de representantes do governo, em um total de apenas 13 membros. Nas universidades, é fundamental a participação democrática nos espaços, conselhos e comissões – como as CPA’s, Comissões Próprias de Auto Avaliação – que tratam da avaliação institucional, já que esta participação influi para definição dos rumos das instituições de ensino.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
CUT: democracia interna, defesa da classe trabalhadora e construção de alternativas
No 9º Congresso da CUT, realizado em junho de 2006, a AE, apresentou uma contribuição ao debate intitulada “Retomar a combatividade da CUT para derrotar o neoliberalismo”, onde reafirmávamos a importância de se defender a unidade da classe trabalhadora em torno da CUT, ao mesmo tempo em que criticávamos os rumos tomados pela Central nos últimos anos.
Naquele Congresso, além de divulgarmos nossas teses, adotamos a tática de participar de uma chapa composta por CSC, OT e TM, reconquistando nossa vaga na executiva da entidade. Com a saída da CSC da CUT assumimos a Secretaria Nacional de Políticas Sociais.
No 10º Congresso Nacional da CUT, em 2009, com a construção de uma chapa única para a composição da direção, mantivemos a titularidade da Secretaria Nacional de Políticas Sociais e ampliamos nossa presença na direção nacional da CUT. Além disso, mantivemos nossa presença majoritária da CUT Sergipe e nossa presença em diversas executivas estaduais da CUT.
O 11º Congresso Nacional da CUT vai realizar-se em julho de 2012. Este documento tem como objetivo orientar nossa intervenção neste Congresso e na luta sindical em geral, a partir das resoluções políticas gerais aprovadas pelo Congresso da Articulação de Esquerda.
O movimento sindical o governo Dilma
No início de seu segundo ano de governo, a presidenta Dilma exibe altos níveis de popularidade. Contudo, fazemos uma avaliação crítica, em particular dos seguintes aspectos: composição do ministério; inflexões incorretas na política externa, de comunicação, de cultura; continuidade do sub-financiamento da saúde e dos titubeios nos direitos humanos; uma política macroeconômica aquém da necessária para enfrentar os impactos da crise internacional; e a ausência de empenho em favor de reformas estruturais.
Consideramos que estes erros, concessões e inflexões são em grande medida decorrência: da estratégia e da política de alianças herdadas do governo Lula; bem como dos erros táticos cometidos na campanha eleitoral de 2010, desde o papel conferido ao PMDB, passando pela linha de campanha e pela ausência de programa.
Estes erros, concessões e inflexões podem resultar num cenário paradoxal: um governo gerencialmente exitoso e um partido estrategicamente derrotado.
Reafirmamos o que já havíamos apontado quando da polêmica sobre o programa da campanha em 2010: para dar continuidade e aprofundar as conquistas do governo anterior, é necessário mais força política e são necessários mais recursos à disposição do Estado: reforma política, democratização da comunicação e reforma tributária. Portanto, é preciso mais enfrentamento político e ideológico, com o grande capital privado, com a grande mídia e com os partidos de direita. Assim como é necessário mais partido e mais luta social.
A ausência de um plano estratégico compatível com as necessidades, somada às circunstâncias conjunturais e aos problemas herdados, está levando à continuidade das concessões ao capital financeiro e ao grande capital privado; e está abrindo espaços tanto para a direita oposicionista, partidária e midiática, bem como para a direita da coligação governista.
Sobre a relação com o movimento sindical, também avaliamos criticamente o governo Dilma. A CUT elaborou uma um documento chamado “Plataforma da Classe Trabalhadora”. Nenhum ponto sugerido foi incorporado, nem ao programa, nem as ações do governo Dilma no ano de 2011.
Se durante sua campanha eleitoral a crítica contra as privatizações foi a tônica, já no início de sua gestão foram anunciadas as privatizações de aeroportos e rodovias, além da continuidade dos Leilões das Bacias de Petróleo.
O Ministério do Trabalho, aparelhado pela Força Sindical, impede qualquer possibilidade de viabilização da pauta histórica dos setores combativos do movimento sindical, como a ratificação da Convenção 87 da OIT, que garante a liberdade e a autonomia sindical, e o fim do imposto sindical que permitiria acabar com os sindicatos de “gaveta” que existem apenas para arrecadar fundos e manter o sindicalismo burocratizado e pelego, e da convenção 158 que põe fim a demissão imotivada. ( o Brasil é um dos países com maior rotatividade de mão-de-obra do mundo)
Na Câmara dos Deputados foi aprovado, na Comissão Especial de Estudos para a Regulamentação da Terceirização, projeto que libera a terceirização para todas as atividades, agora sob o termo de “especialidade” que, sendo aprovado e sancionado, levará ainda mais a um processo brutal de precarização das condições de trabalho, de aumento da jornada, de redução de salários e inúmeros problemas relacionados a saúde do/a trabalhador/a e a segurança no trabalho.
A pauta do congresso nacional no ano de 2011 foi ditada pelas elites, à exceção da aprovação da Convenção 151, os trabalhadores foram pautados e perderam todas as disputas, inclusive com anuência de parte da bancado do PT.
Avaliação do quadro de fragmentação sindical no Brasil
Persiste o quadro de fragmentação do movimento sindical, impulsionado por forças internas e externas. Essa dinâmica tem sido tão poderosa que até a pretendida construção de uma “Nova Central” que agrupasse os principais campos que se desgarraram da CUT pela esquerda — a Conlutas e a Intersindical — fracassou.
A Intersindical, em função do debate sobre a unidade com a Conlutas, rachou em dois setores: um setor ligado ao PSOL, favorável a unificação, que não houve; e a ASS e PCB, contrários a unificação.
A CSP-Conlutas, resultado de uma primeira tentativa de unificação em 2010, é pouco mais do que um novo nome para a Conlutas. Uma nova tentativa de unificar os dois campos em 2011 também foi mal sucedida.
Os grupos que saíram da CUT denunciando o hegemonismo da Articulação Sindical (que realmente existe, como estamos cansados de saber) praticam os seus próprios hegemonismos, sufocando ou preterindo seus parceiros e candidatos a parceiros. É o caso, em especial, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que encabeçou a criação da CTB, e do Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado (PSTU), que lidera a CSP-Conlutas.
Na base desse contínuo processo de fragmentação encontram-se tanto profundas divergências de concepção (que derivam das respectivas matrizes partidárias e político-ideológicas de cada campo, setor ou grupo) quanto questões políticas e práticas relacionadas ao financiamento do movimento sindical.
No primeiro caso, setores imbuídos de concepções voluntaristas, ou que defendem uma espécie de sindicalismo revolucionário, estão sempre prestes a romper com entidades cujas direções são tidas como “pelegas”, reformistas ou “chapa-branca”.
Fez o jogo deste esquerdismo a dificuldade do setor majoritário da CUT de se colocar frontalmente contra certas medidas antipopulares e neoliberais do governo Lula, em especial a reforma da Previdência, no primeiro mandato, levou diversos setores da esquerda a radicalizar suas posições, abandonando a CUT e procurando criar novas centrais.
Na visão desses grupos, a responsabilidade pela inação e pelo recuo do movimento dos trabalhadores cabe sempre às direções. Para eles, não importa quais sejam as condições objetivas e subjetivas colocadas, a vanguarda sempre deverá responder pelos problemas do movimento e pela paralisia da classe trabalhadora.
Nosso ponto de vista a respeito desta questão é bem outro: as direções devem ser cobradas, o burocratismo e o peleguismo precisam ser duramente combatidos, mas é preciso entender que a classe trabalhadora atual está muito distante do que era nas décadas de 1970 e 1980. A Articulação Sindical é hegemônica na CUT em parte porque expressa, digamos assim, a “fisionomia” política predominante na classe trabalhadora, gostemos ou não disso.
No Governo Dilma, a CUT tem aprovado resoluções que indicam uma postura mais combativa diante do governo federal, rejeitando as privatizações e apontando erros e insuficiências em diferentes políticas. Contudo, é preciso mais do que isso para que a CUT volte a aglutinar os setores classistas que atuam no movimento sindical. É preciso que a CUT volte a dirigir grandes mobilizações e ações de massa que dêem conseqüência às resoluções aprovadas e que orientem as ações das CUTs estaduais.
O outro grande fator de divisão no movimento foi a destinação, para as centrais sindicais, de um percentual da arrecadação do imposto sindical, prevista na lei que as reconheceu.
A disposição de se apropriar de uma parcela das receitas geradas por esse imposto motivou, à esquerda, o surgimento da CTB, e à direita a primeira grande cisão da Força Sindical, decorrendo dela a criação da UGT. A possibilidade de avançar em uma fatia desses recursos hipnotizou até a Conlutas, que procurava legalizar-se para fazer jus ao seu quinhão, apesar de sua conhecida crítica ao imposto sindical.
A superação do quadro atual dependerá de um renascimento do movimento operário, que coloque em xeque as antigas lideranças e as práticas sectárias e divisionistas; e especialmente da superação do atual modelo de sustentação financeira do movimento sindical, o fim do imposto sindical, com liberdade e a autonomia sindical.
A AE defende o fim da cobrança de taxas compulsórias como o imposto sindical, taxa confederativa e contribuição assistencial, substituindo-as pela taxa negocial, com percentual de 0 a 1% da remuneração anual, amplamente debatida e aprovada na assembléia final das campanhas salariais.
No entanto, não temos ilusão que a eliminação do imposto sindical e a instituição da taxa negocial acabarão com o peleguismo no movimento sindical. A substituição do imposto sindical, da contribuição assistencial, e da taxa confederativa pela contribuição negocial comporta riscos, pois a cobrança de até 1% da remuneração anual poderá resultar num desconto superior ao decorrente da três taxas acima.
Uma forte reorientação da política da Articulação Sindical, tanto no tocante a conceder à CUT independência em relação ao governo, como na sua relação com as demais forças da esquerda sindical dentro e fora da central, seria um impulso poderoso contra a fragmentação. Mas a própria Articulação Sindical enfrenta fraturas internas. Em 2008, as principais categorias digladiaram-se em torno das candidaturas a presidente da CUT de Artur Henrique, eletricitário, e João Felício, professor. Hoje a disputa é no interior da categoria dos bancários.
Sem desconhecer as profundas divergências existentes entre os setores combativos do movimento sindical, defendemos que a CUT lidere um movimento para o retorno daqueles setores que romperam com nossa Central e que reforcem esse importante instrumento de luta sindical.
CUT: balanço e desafios estratégicos
Sem prejuízo de defesa da CUT como principal instrumento da classe trabalhadora brasileira e que deve ser fortalecida, é importante avaliarmos criticamente sua condução pelo setor majoritário - a Articulação Sindical (Artsind), com apoio da CUT Democrática e Socialista (CSD).
De maneira geral, a direção majoritária da CUT vem, paulatinamente, adotando a concepção clássica da social democracia européia, que se traduz no compromisso entre as classes sociais tendo como objetivo o crescimento econômico.
Na Europa, após a II Guerra Mundial, em função do fortalecimento da União Soviética e do campo socialista no leste europeu, do fortalecimento dos diversos setores socialistas, comunistas e social-democratas dos países centrais, e também com as possibilidades abertas de um novo processo de valorização do capital, o capitalismo europeu incorporou direitos sociais e melhorias consideráveis em termos de salários, redução de jornada etc. no que ficou conhecido como Estado de Bem Estar Social.
Isto foi compensado com um forte investimento no desenvolvimento tecnológico, que possibilitou o aumento da produtividade do trabalho nos países centrais, e com um aumento da extração de mais-valia e exploração da força de trabalho, no controle das fontes de matéria prima e do mercado consumidor dos países de periferia.
Sem essa combinação não haveria condições de financiamento do Estado de Bem Estar Social.
É nesse contexto que a social-democracia européia fez do “crescimento econômico” a condição sine qua non de suas conquistas trabalhistas, sociais e políticas.
Acontece que a dinâmica do capital é contraditória, provocando crises cíclicas e periódicas, cujas conseqüências, na maior parte das vezes, são transferidas da burguesia para os trabalhadores, bem como dos países centrais para os periféricos.
Frente a crise dos anos 1970, a burguesia iniciou um desmonte do Estado de Bem Estar, desmonte que ainda hoje está em curso. E a social-democracia, comprometida com a noção de que o crescimento é a base do bem-estar, se vê sem condições ideológicas e políticas para enfrentar globalmente este desmonte, sendo ora derrotada pela direita, ora fazendo ela própria o serviço sujo da burguesia.
Quanto mais crescimento, maior pode ser a distribuição de renda e de riqueza. Mas o crescimento nos marcos do capitalismo trás consigo a ampliação da desigualdade, bem como da concentração do poder e da dependência externa.
As lutas da classe trabalhadora nesse marco assumem um dúplo caráter: elevar o nível imediato das condições político-econômicas dos/as trabalhadores/as e acumular forças para a superação das relações capitalistas de produção.
Não negamos a necessidade de desenvolvimento nem a necessária distribuição de renda, mas, achamos que isso é insuficiente, pois o capitalismo não suporta níveis crescentes desse movimento.
Por outro lado, quando o desenvolvimento capitalista é acompanhado de reformas democrático-populares (como na Europa do pós-Segunda Guerra, ou em algumas experiências na periferia do capitalismo), o sistema cria dificuldades e limitações crescentes a este processo, até no limite derrotar e reverter as reformas como está acontecendo nos últimos 40 anos com a crescente destruição do estado de bem estar social.
Por isto, é preciso ir além do nacional-desenvolvimentismo e do social-desenvolvimentismo. É preciso implementar uma estratégia de desenvolvimentismo democrático-popular, que articule reformas estruturais com o objetivo de construir outra forma de organização social, a sociedade socialista como transição para uma sociedade que acabe com a exploração da força de trabalho, com a propriedade privada dos meios de produção, com as classes sociais e com o Estado.
Avaliamos que a estratégia formulada pelo setor majoritário do PT e da CUT, nos anos 1990, tem forte parentesco com a estratégia adotada pela social-democracia européia após a Segunda Guerra. Mas há uma diferença importante: a esquerda brasileira vai se tornando mais e mais social-democrata, no exato momento em que as condições de sobrevivência da social-democracia estão sendo destruídas pelo neoliberalismo e pela crise do capitalismo.
Defendemos que a estratégia da CUT articule as lutas cotidianas, com a luta por reformas estruturais e pelo socialismo.
As lutas cotidianas por melhorias nas condições de salário e de trabalho impulsionando as conquistas de direitos e criam um ambiente que permite elevar a consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras.
Ter um horizonte estratégico que vá além do “pacto pelo crescimento econômico com distribuição de renda”, incorporar as reformas estruturais e o questionamento do capitalismo, permitiria à CUT fortalecer a consciência de classe e uma adequada compreensão dos mecanismos de funcionamento da sociedade capitalista. Vejamos alguns exemplos disso.
A campanha pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários da CUT tem como lema “Reduz pra 40 que o Brasil aumenta”. É fato que para a classe trabalhadora a redução da jornada de trabalho é um fator fundamental para melhorias nas suas condições de vida e que pressionaria pelo aumento na contratação de mais trabalhadores/as, diminuindo assim os níveis de desemprego no país. O lema leva a entender que todos ganhariam com isso, ou seja, com menor jornada teríamos mais empregos e todos cresceriam, trabalhadores e empresários, fazendo o “Brasil aumentar”. Mas a burguesia sabe que a redução da jornada altera a sua lucratividade, portanto, ela não “cresce” com medidas como essa. O que ajuda a entender por qual motivo a proposta ainda não saiu da gaveta do presidente da Câmara.
A política industrial de um governo de esquerda pode incluir medidas de proteção e isenções. É fato, também, que a redução da taxa de juros interessa a setores do empresariado. Entretanto, as ações conjuntas da CUT com a FIESP e com a Força Sindical na defesa da “indústria nacional” simplesmente desconsideram as conexões entre o grande empresariado “produtivo” e “especulativo”, assim como acabam, a pretexto de defender a “indústria nacional”, fazendo o jogo de monopólios transnacionais.
No período mais recente, a CUT vem fazendo uma inflexão, visível na mobilização nacional do dia 6 de julho/2011; no afastamento das centrais pelegas; na proximidade de setores combativos como o MST, a MMM, a CMP, entre outros; e na convocação para que o movimento sindical pressione ainda mais as campanhas salariais do segundo semestre.
Esse segundo caminho é que a CUT deve trilhar, pressionando o governo para que atenda as reivindicações da classe trabalhadora. Mas seguimos discordando das formulações estratégicas da atual direção majoritária da CUT.
No debate sobre o texto guia aprovado pela Direção Nacional no dia 1 de julho, que foi encaminhado para o debate na última Plenária Nacional da CUT, além dos elementos críticos apresentados anteriormente, nossas críticas foram dirigidas nas seguintes questões:
a) Pela ausência de uma perspectiva socialista. Não se articula o processo de acúmulo de forças com uma estratégia de transformação social global. A única referência ao socialismo é apontá-lo como “horizonte transitório”. Sabemos que o horizonte é aquilo que quanto mais chegamos perto mais ele se afasta. O texto se limita ao melhorismo;
b) A concepção equivocada de um Estado “neutro”. Sabemos que o neoliberalismo produziu, entre outras coisas, a destruição da capacidade do Estado atuar em setores estratégicos da economia com as privatizações, assim como o seu sucateamento fragilizou ainda mais sua capacidade de promover políticas sociais para os setores populares. A recuperação do Estado nessas áreas, ainda que tímidas, é um fator positivo. Acontece que o Estado , visto globalmente, é um instrumento de classe, com seus aparatos de violência, de justiça seletiva, de defesa do capitalismo. No texto, o Estado é tratado como um instrumento “neutro”, ou seja, permeável a um processo de democratização sem limites. A conquista do governo por parte dos setores democrático-populares não é a conquista do poder. O próprio poder executivo é exercido em alianças com setores da burguesia, o poder legislativo e judiciário não esta sob governabilidade da esquerda. Sem contar com o enorme poder dos meios de comunicação e o poder econômico que a burguesia exerce. Por isso tudo, é um erro apostar numa estratégia de democratização ininterrupta, frente a uma burguesia que já demonstrou ter baixíssimo compromisso com a democracia e bem estar da maioria da população brasileira. Associado a isto, o texto exagera na defesa de ações institucionais, em detrimento das ações de massa, o que na prática reduz as chances de êxito da própria ampliação das políticas públicas estatais;
c) O bloqueio à democracia interna da CUT. A existência da clausula de barreira impede que as forças minoritárias estejam representadas na direção executiva da CUT, salvo através da participação em chapas mais amplas. Além disso, a progressividade no repasse das contribuições dos sindicatos à CUT foi rejeitada na 13ª Plenária Nacional.
Nesse sentido, julgamos insatisfatórias as medidas aprovadas na Plenária, que podem estar coerentes com um programa moderado, mas não são suficientes para enfrentar os atuais problemas do movimento sindical, entre eles a fragmentação de organizações sindicais.
Referendamos o texto de balanço da 13ª PLENÁRIA DA CUT publicado no jornal Página 13.
Os desafios da CUT
No final do ano de 2008 e início de 2009 a crise econômica atingiu o país. Banqueiros, empresários e especuladores, que ganharam muito dinheiro nesses últimos anos, seja devido aos aspectos conservadores da política econômica do governo, seja devido ao crescimento econômico, possuem gordura de sobra para enfrentar a crise.
Por isto a CUT acertou, no início de 2009, ao rejeitar a armadilha montada pela Força Sindical e FIESP de redução de jornada com redução de salários. Mas errou ao assinar acordo com patronato na defesa da desoneração tributária de empresas, como foi o protocolo de entendimento com a Abimaq e Assimp.
Entre 2009 e 2010, houve recuperação econômica. Mas o que assistimos em seguida foi a sua retomada. No início do governo Dilma, foram adotadas medidas conservadoras de contenção de gastos, isenções e manutenção de altas taxas de juros.
Para enfrentar essa nova (velha) crise, o caminho deve ser exatamente o inverso: exigir medidas que aumentem os recursos públicos para investimentos em políticas sociais, infra-estrutura e geração de empregos; mudança na política econômica, com maior redução nas taxas de juros; e investimento na reforma agrária e na agricultura familiar, para através a ampliação da oferta de alimentos reduzir os riscos de inflação. Como medidas paliativas, que dificultem as demissões, defendemos também o aumento da multa por demissão, de 40% para 100% do saldo do FGTS, além da aprovação da convenção 158 da OIT.
Portanto, nosso caminho não é o do pacto social, deve ser o da mobilização, não apenas para impedir que os trabalhadores paguem a conta da crise, mas também para exigir do governo medidas contra a crise que permitam ao país continuar crescendo com redução da desigualdade, ampliação dos empregos, da capacidade produtiva e da soberania nacional.
A CUT deve investir nas mobilizações de massa, na solidariedade entre os trabalhadores, na exigência de que o grande capital financeiro e monopolista pague a conta da crise, na defesa de políticas de ampliação do emprego e renda. E combinar isto com uma denúncia da ordem capitalista.
A CUT e os trabalhadores (as) rurais
A CUT precisa se reorganizar política e estruturalmente para responder as demandas dos rurais.
A Contag, uma antiga estrutura oficial, fundada com perspectivas mais a esquerda, foi, durante a ditadura militar, tomada pela direita.
No processo de fundação e consolidação da CUT houve um intenso debate sobre a organização dos rurais, inclusive se fariam a disputa por dentro ou por fora da Contag. Prevaleceu a primeira, tendo inclusive a Contag se filiado à CUT.
Havia (e ainda há) também uma questão fundamental: na estrutura oficial da Contag, agricultores familiares e assalariados rurais estão na mesma estrutura sindical. Uma vez que agricultores contratam trabalhadores assalariados, como podem patrão e empregados estarem num mesmo sindicato?
Quando a CUT resolveu fazer a disputa por dentro da CONTAG, os principais objetivos eram democratizar a entidade (proporcionalidade, que não existe na Contag, e democracia nas federações), dar um giro à esquerda e consolidar a hegemonia da Central na Contag. Acontece que esses objetivos não foram alcançados.
Em vários estados as Fetag’s estão sob controle da direita e os cutistas foram impedidos de participarem das disputas. Uma parte dos cutistas priorizou nos últimos anos acordos com o PCdoB e a direita, contrariando outros setores cutistas que enfrentavam a direita em vários estados.
Como resultado disso, setores da CUT fundaram novas estruturas sindicais: os Sintraf's e as Fetraf's, como, por exemplo, a Fetraf Sul (RS, SC, PR). Em outros estados, as condições de disputa foram mais favoráveis, tendo cutistas na direção das Fetag’s. Acontece que nesses estados a Fetraf também se organizou e disputa com a Contag a construção e hegemonia na mesma base.
A realização do 1º encontro dos trabalhadores (as) rurais da CUT representou um momento histórico, em que se debateu a organização sindical do setor entre representantes da CONTAG e da FETRAF. Naturalmente, este primeiro encontro não foi conclusivo, mas um importante passo foi dado: o encontro deliberou pelo reconhecimento da FETRAF-Brasil como estrutura orgânica da CUT.
Como parte dessa disputa, o último congresso da CONTAG aprovou a desfiliação da CUT.
De nossa parte, envidaremos todos os esforços para que a CONTAG volte a se filiar à CUT. Ao mesmo tempo, defendemos que CUT volte a ter uma estrutura e política próprias para o setor rural, que abrigue os setores existentes e fortaleça a organização sindical no campo.
Trabalhadores/as do serviço público
Em 4 de maio de 2000 entrou em vigor no Brasil a Lei Complementar no. 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que " estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal". Estabelecendo limites máximos, calculados como um percentual das Receitas Correntes Líquidas para as três esferas de governo para gastos com pessoal: Federal 50%, e Estadual e Municipal em 60%, esta Lei de iniciativa do Governo de Fernando Henrique Cardoso, tinha um claro propósito dar garantias ao mercado de que o Brasil economizaria recursos para arcar com compromissos da dívida.
O fato é que a partir do primeiro ano de governo FHC as despesas com pessoal e com o serviço público federal têm sido inferiores a 50% das Receitas Correntes Líquidas. Dados do DIEESE demonstram que ao longo dos anos estes gastos têm sido diminuídos substancialmente. Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal as despesas com pessoal, em comparação a Receita Corrente Líquida, era de 46.7%. Após a Lei, caiu significativamente, para 35,5%. No período de 2004 a 2008 houve uma diminuição ainda maior do percentual permitido em lei, ficando em média em 33,3%.
A CUT defende o aumento real nos gastos com pessoal, o que significa na prática a possibilidade do Estado não somente recompor a sua força de trabalho, bem como ofertar para a sociedade melhores serviços.
Na tabela a seguir, podemos verificar a evolução no número de servidores públicos federais no Executivo, Ministério Público, Legislativo e Judiciário:
Ano Total de Servidores
1995 1.033.548
1996 1.016.644
1997 993.787
1998 936.845
1999 967.819
2000 964.798
2001 963.972
2002 918.051
2003 968.869
2004 998.643
2005 995.469
2006 1.014.226
2007 1.022.519
2008 1.040.016
2009 1.055.111
Enquanto que de 1995 até 2002 o número de servidores reduziu-se em 11 % por motivos de aposentadorias e terceirizações da força de trabalho, entre 2003 a 2009 ocorreu uma recuperação de 8,9%. O quantitativo de servidores, atualmente, é pouco superior ao de 1995. A recomposição no quadro de pessoal inicia-se em 2003. Ainda que muito aquém do necessário, esta recomposição trouxe benefícios tanto para o governo como para a sociedade por meio da melhoria na qualidade e eficácia dos serviços públicos.
A recomposição desta força de trabalho, entretanto, não acompanhou o aumento da população no mesmo período. As contratações ocorridas entre 2006 a 2009 foram importantes, mas insuficientes para cobrir o enorme déficit deixado por servidores que aposentaram ou saíram do serviço público. Cabe destacar que em 2010 foram contratados cerca de 10 mil novos servidores, concursados de 2009, sendo que com o corte de 50 bilhões no orçamento de 2011, não foram contratados novos servidores nem realizados concursos naquele ano.
Em 2009, o Brasil investia 5,3% de seu PIB em despesas com pessoal. Os dados de outros países falam por si: Alemanha 7,4%, Espanha 11,8%, França 13,2%, Suécia 15,4%.
Neste momento, ademais, paira sobre a cabeça dos servidores a ameaça do PLP 549/09, que visa limitar o crescimento anual da folha de salários (incluindo inativos) à taxa de inflação, acrescida de um índice de 1,5% ao ano para cada um dos poderes da União. O objetivo central deste projeto é o de limitar ainda mais os gastos com os serviços públicos, não só com salário dos trabalhadores, como também limitá-lo no que diz respeito aos gastos com obras, instalações projetos de construção de novas sedes, ampliações ou reformas na Administração Pública.
Maior democratização das relações sindicais
É incontestável que houve um grande avanço para a democratização das relações de trabalho entre os sindicatos dos servidores públicos e o Governo Federal, apesar dos limites ainda impostos no Ministério do Planejamento e no Ministério do Trabalho.
A construção da Mesa Nacional de Negociação é um bom exemplo que deveria ser seguido por Governos Estaduais e Prefeituras de todo o país. A ausência de um instrumento legal que garanta a negociação coletiva no setor público é uma debilidade que precisa ser vencida, e aprovada no Congresso Nacional.
A ratificação da Convenção 151 por parte do Governo Brasileiro foi um passo importante para consolidar esta democratização. No entanto, a armadilha que setores do governo preparam, ao condicionar regulamentação do direito de greve/negociação coletiva/liberação de dirigentes sindicais, deve ser refutada pela CUT. Hoje mais do que nunca, se faz necessário uma legislação que garanta as proteções do direito a sindicalização e a greve, contra as práticas de discriminação anti-sindical que violam a liberdade sindical, mais precisamente nos Estados e nos Municípios.
Mais eficiência, menos precarização
Desde o governo FHC, os tucanos têm estimulado um processo de terceirização na ação do Estado, através de OS e OSCIPS.
No caso da Saúde, isto gerou uma descaracterização do SUS, pela existência da “segunda porta” (atendimento “VIP” para pacientes particulares e de convênios médicos, em detrimento dos pacientes do SUS), e a ocorrência de escândalos financeiros como o que envolve a Fundação Zerbini.
No caso da Educação, pululam as chamadas “fundações universitárias de apoio”, entidades privadas cuja atuação tem causados prejuízos de toda sorte às universidades públicas estaduais e federais. Apesar das ilegalidades que cercam a atuação dessas fundações “de apoio”, e de inúmeros processos, multas e punições determinadas pelo Ministério Público Federal, pelo TCU e juízes, os ministérios e outros órgãos federais continuam a contratar essas entidades. O governo chegou a editar um decreto, 5.205/04, regulamentando a lei 8.958/94, que autoriza a atuação das fundações privadas nas instituições federais de ensino e pesquisa. O decreto 5.205/04 cria novas facilidades para as fundações privadas.
Mais recentemente, alguns setores do PT estão defendendo as chamadas fundações públicas de direito privado. Na opinião destes setores, tais fundações evitariam a terceirização das OS e OSCIPS, ao mesmo tempo que permitiriam contornar certos limites da LRF e de outras leis.
Em Sergipe, por exemplo, o Governo Marcelo Déda (PT) criou uma Fundação de Saúde de direito privado, instituindo duas categorias (estatutários e celetistas), na mesma base, com remunerações diferenciadas.
Em nossa opinião, a eficiência do serviço prestado à população passa necessariamente pela contratação através de concursos públicos. Modelos como fundações públicas de direito privado e organizações sociais precarizam as relações de trabalho, além de (no caso das OS e OSCIPS) privatizarem um serviço que deve ser de responsabilidade do Estado.
Nesta mesma perspectiva somos contra a lei 10.973/04 que permite a privatização dissimulada de dependências e equipamentos (laboratórios, inclusive) de universidades e outras instituições federais de ensino e pesquisa. Além disso, fornece incentivos para que professores universitários e pesquisadores se tornem “empreendedores”, ou seja, empresários, a pretexto de que possam se dedicar à inovação tecnológica. Com a lei, o governo legitima o processo de privatização de instituições federais que já vem ocorrendo por intermédio das fundações privadas.
Retorno de todos os demitidos já!
Durante o Governo Collor de Melo, como parte da desintegração do serviço público, milhares de servidores públicos foram sumariamente demitidos. A CUT e as entidades dos servidores públicos federais tiveram um papel fundamental para garantir a anistia desses servidores injustamente demitidos. O fato é que um número considerável de trabalhadores não conseguiu entrar com processo requerendo esta anistia. As entidades do funcionalismo conseguiram convencer o Congresso Nacional da importância de que o Governo reabrisse os prazos para que estes trabalhadores pudessem retornar ao serviço público, sendo aprovado o Projeto de Lei 372/08, que reabriria os prazos.
No entanto a presidenta Dilma Rousseff vetou integralmente o Projeto de Lei 372/08. O veto – que foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) do dia 14/11, na forma da Mensagem nº 506, de 11/11 – ainda passará por análise do Congresso Nacional, que pode derrubá-lo e determinar a promulgação da lei. Defendemos que o Congresso Nacional derrube o veto da Presidenta Dilma.
Respeito às negociações
Como parte do processo de negociação com setores do funcionalismo público federal, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 2203/11 que traz reestruturações nas carreiras e tabelas salariais de uma série de categorias. O problema é que o PL não corresponde a totalidade dos pontos que foram negociados com o Governo. É inaceitável que o Governo desenvolva um processo de negociação que não seja efetivado na hora de virar lei. É preciso exigir do Congresso Nacional as alterações no Projeto de Lei, para que seja restabelecido o negociado pelo Governo Federal com a CONDSEF.
Nos diversos casos onde há critérios de incorporação de gratificação de desempenho aos proventos de aposentadoria e pensões, o governo avalia a possibilidade de padronizar regras que levem em conta a média dos últimos cinco anos em que o servidor fez jus à gratificação. Este assunto depende de modificações nas diversas Leis respectivas de cada Carreira e Plano de Cargos.
O governo encaminhou no PL 2203/11, mudanças que tratam dos adicionais de insalubridade e periculosidade, promovendo, inclusive, redução de valores recebidos pelos servidores a depender do grau de exposição que se submetem em seus trabalhos. A Condsef é contra a proposta de modificação da forma e critério de pagamento dos adicionais de insalubridade e periculosidade e quer a supressão dos artigos 86 e 87 do PL 2203.
É preciso uma emenda que garanta solução para a situação referente a jornada de trabalho de médicos e outros profissionais que possuem atividades regulamentadas por Lei.
Erradicar o trabalho infantil
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), em 2009 4,3 milhões de brasileiros com idade entre 5 e 17 anos estavam trabalhando, ainda que tenha representado uma queda em relação amostra anterior.
Em relação ao número de horas trabalhadas, a maioria (30,5%) tinha uma jornada semanal de 40 horas ou mais. Em 2006, esse taxa era de 28,6%.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) também mostra que quanto mais nova a criança, maior a chance de estar em atividades agrícolas. Na faixa etária de 5 a 13 anos, 60,7% estão no setor, considerado o mais pesado devido ao manuseio de ferramentas de corte e aos riscos de contato com animais peçonhentos, além do problema da falta de fiscalização.
Nas casas onde há crianças que trabalham, contando com a sua participação, o valor da renda mensal per capita era de R$ 318 em 2007, enquanto a média do rendimento nos demais lares do país foi estimada em R$ 653 per capita.
Divulgada em 2008, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revela que 59,5% dos brasileiros com idade entre 5 e 13 anos que trabalhavam em 2007 eram pretos ou pardos.
Na CUT, a Secretaria Nacional de Políticas Sociais é responsável por elaborar e coordenar a implantação de políticas sociais, abarcando os diversos setores, entre eles os direitos da criança e do adolescente.
A CUT é membro efetivo da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com o objetivo de implementar a aplicação das convenções 138 e 182 da OIT, além de acompanhar a execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.
Através do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), órgão da sociedade civil, a CUT participou ativamente da revisão do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, além de parceria em diversos eventos.
Além disso, é responsabilidade da SNPSo/CUT promover intercâmbio e estabelecer convênios com entidades sindicais e institutos especializados, para desenvolvimento das políticas sociais da CUT, no âmbito nacional e, no âmbito internacional, através da Secretaria de Relações Internacionais. É dessa forma que participamos da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil (CETI), da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), que tem por objetivo promover ações no âmbito dos países do Cone Sul.
Para o movimento sindical, as tarefas de denúncia e cobrança de ações governamentais continuam a cumprir um importante papel. Sobretudo cobrar dos governos do Brasil e da America Latina o cumprimento dos 8 objetivos e as 24 metas do milênio até o ano de 2015; dentre as quais, a erradicação das piores formas de trabalho infantil. As desigualdades sociais continuam a pressionar a existência do trabalho infantil no Brasil. Dessa forma, a melhoria salarial, a formalização do contrato de trabalho, a extensão de direitos trabalhistas, a luta pela universalização das políticas públicas de saúde, educação, moradia, emprego etc. também são formas de luta para a erradicação dessa forma de exploração.
Combater o trabalho escravo no Brasil
A escravidão no Brasil ainda existe. Formalmente abolida no século XIX, ela subsiste de diversas formas, seja na situação dos imigrantes nas tecelagens de São Paulo como nas áreas rurais de todas as regiões brasileiras. No campo o trabalho escravo é mais evidente.
A OIT e o Governo Brasileiro deram início, a partir de 2002, ao Projeto de cooperação técnica “Combate ao Trabalho Forçado no Brasil”. Esse projeto promove a atuação integrada de todas as instituições nacionais que defendem os direitos humanos. É escandalosa a reação da Confederação Nacional da Agricultura – CNA, através de sua representante, a Senadora Kátia Abreu (DEM) contra as políticas de direitos humanos do Governo, classificando-a de “tendência bastante radical, ideológica, de esquerda extrema. Isso é uma plataforma socialista de governo, uma tentativa explícita de segregação do nosso setor".
A partir desse Plano, o número de denúncias-crime contra o trabalho escravo se multiplicou. Em 2003, foi registrado um recorde no resgate de trabalhadores escravizados, maior do que toda a década anterior.
Nesse início de 2010, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, mais 12 empregadores foram incluídos na “lista suja” do trabalho escravo, entre eles a gigante sucroalcooleira Cosan, de São Paulo, onde foram encontrados 42 trabalhadores escravizados. Essa empresa, dona da rede de postos Esso e das marcas de açúcar União e Da Barra, faturou, com todos os seus negócios, cerca de R$ 14 bilhões em 2008. Como se vê, os escrúpulos empresariais não têm limite. Além dessa empresa, também foram incluídos na lista outros empregadores dos estados de São Paulo, Piauí, Maranhão, Pará e Minas Gerais, que se juntaram a diversos outros estados onde o trabalho escravo ainda perdura.
Piso Salarial Profissional Nacional dos Trabalhadores na Educação
Em julho de 2008, o Governo Lula sancionou a Lei do PSPN (Piso Salarial Profissional Nacional). Uma lei importante na busca pela valorização do magistério público, porém com um valor baixo, R$ 950,00, além de ter uma redação complexa e confusa, facilitando a atuação contrária daqueles que não queriam ver a lei aprovada. Em dezembro de 2008, há quase dois anos o STF, a partir da solicitação de inconstitucionalidade da lei feita por 4 governadores, faz o julgamento da lei como constitucional, no entanto põe obstáculos que frearam, até o momento, a implementação do PSPN na maioria dos estados brasileiros.
A decisão preliminar do STF de estabelecer piso salarial como remuneração acabou provocando um achatamento salarial na maioria dos estados brasileiros, uma violenta precarização da carreira do professor, além de uma enorme letargia para a luta, pois estados e municípios começaram a utilizar a decisão do STF como barreira para a negociação dos direitos.
Para agravar o quadro, a crise internacional iniciada em 2008 e aprofundada em 2009 provocou redução ou estabilidade nas receitas de estados e municípios, sobretudo àquelas derivadas de transferências federais, a exemplo do FPE, FPM e FUNDEB, este último com o agravante da sistemática redução de matrícula em todo o país na educação básica. Nos últimos 5 anos a matrícula nessa esfera de ensino vem reduzindo sistematicamente. Paradoxalmente, no ano de 2010, em virtude da retomada do crescimento econômico, as receitas da União batem recordes, porém, sem repercussão nos outros entes federados, situação que precisa ser melhor apreciada numa futura reforma tributária.
Com a vitória definitiva no STF, ocorrida em abril de 2011, em que o piso salarial profissional nacional passou a ter como referência o vencimento básico, abre-se uma possibilidade grande de Estados e Municípios iniciarem uma nova lógica de valorização dos professores, que precisa ser acentuada e fortalecida com o novo PNE.
Trabalhadores (as) com Deficiência
Na sociedade capitalista observa-se de forma intensificada o processo de exclusão das pessoas com deficiência, as quais ainda sofrem pelo fato do capital considerá-las como incapazes de produzir, aliado ao fato de se diferenciarem do padrão estético, tido como normal.
Outra questão, não menos importante, refere-se à resistência por parte dos patrões na contratação de pessoas com deficiência, pois é necessário que haja investimentos nos postos e locais de trabalho para adequá-los, o que implica na diminuição de seus lucros. Cabe ressaltar, que muitos trabalhadores sem deficiência acabam adquirindo-a, muitas vezes, ao submeter-se a trabalhar sem condições adequadas em seus postos de trabalho, ocasionando acidentes ou doenças e, também, pelo alto grau de exploração da força de trabalho, seja oriundo da reestruturação produtiva, seja pela imposição abusiva do cumprimento de metas.
Com a implementação da lei de cotas que instituiu a obrigatoriedade de reserva de postos de trabalho para as pessoas com deficiência. A Lei nº 8.213/91 fixa os seguintes percentuais: “A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: até 200 empregados, 2%; de 201 a 500 empregados, 3%; de 501 a 1000, 4%; de 1001 em diante, 5%”.
No entanto, é importante salientar, que o capital está se adequando à lei de cotas na perspectiva de tirar o máximo de produção desses novos contratados. Um exemplo é a contratação de cadeirantes para atuar em telemarketing, pois como a maioria dos cadeirantes tem lesão medular, vão menos ao banheiro, ficando assim mais tempo no seu posto de trabalho. Outro exemplo refere-se à contratação de pessoas com deficiência auditiva: como estes se comunicam em LIBRAS (LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS), e não conversam por estarem com as mãos ocupadas acabam aumentando consideravelmente a sua produtividade. Mais um problema enfrentado pelos trabalhadores com deficiência no mundo do trabalho atual é acerca da alegação por parte dos patrões de que não há PCD´s qualificadas. Lembremos que a dita falta de qualificação ocorre fundamentalmente pelo fato das pessoas com deficiência estarem excluídas, também, em todo o âmbito social (educação, cultura, lazer, transporte coletivo etc.).
A CUT, os sindicatos cutistas devem ser precursores nesta luta, aumentando o seu envolvimento a fim de melhorar o acesso de pessoas com deficiência ao emprego e a permanência nele e de garantir que os trabalhadores com deficiência se beneficiem de igual acesso às medidas de treinamento e promoção, sempre que negociarem os acordos nas empresas e nos setores profissionais. Atenção reforçada também deve ser dada a fim de promover a participação e a representação de trabalhadores com deficiência na estruturas decisórias dos sindicatos.
Para avançarmos na luta e organização dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência devemos defender:
1. Eliminação das barreiras de entrada das mulheres, especialmente das mais pobres e com deficiência no mercado de trabalho;
2. Diminuição das desigualdades de rendimentos entre homens e mulheres, brancos (as) e negros (as) e dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência;
3. Implementação de programas e ações de combate à discriminação no trabalho, com atenção para as mulheres, negros e negras, jovens, idosos, pessoas vivendo com HIV e pessoas com deficiência;
4. Efetiva aplicação da Convenção 100 (Convenção sobre igualdade de remuneração), da Convenção 103 (Convenção sobre proteção à maternidade) e Convenção 111 (Convenção sobre discriminação (emprego e ocupação)) da OIT e promoção da ratificação da Convenção 156 (Convenção sobre trabalhadores com responsabilidades familiares).
5. Nos sindicatos que somos direção devemos organizar coletivos de trabalhadores (as) com deficiência para que possam discutir reivindicações que julguem necessárias para ter seus direitos assegurados e fortalecer a organização do seguimento.
6. Construir acessibilidade nas sedes das entidades sindicais e em seus meios de comunicação, conforme o Decreto 5.296/2004;
7. Contratação de trabalhadores com deficiência nos quadros funcionais das entidades sindicais.
O movimento sindical e a luta das mulheres
Embora a participação das mulheres nos sindicatos não seja um fato recente, foi com o crescimento da inserção da mulher no mundo do trabalho a partir da década de 1970 e o encontro do movimento de mulheres com o “novo sindicalismo” no início dos anos 1980, que proporcionaram uma crescente, porém lenta alteração no quadro de participação das mulheres na vida sindical.
Embora com uma extensa pauta de reivindicações e um histórico de lutas a presença de mulheres dirigentes sindicais nas estruturas ainda era pequena no início da década de 1990. Segundo dados da PNAD, havia no Brasil, em 1988, 9,09 milhões de trabalhadores (as) filiados (as) a sindicatos ou associações. Destes, 74,4% homens e 25,6% mulheres.
Em 2009, o número de trabalhadores/as sindicalizados é de 9,87 milhões e destes 60,1%são homens e 39,9% são mulheres.
Ao crescimento quantitativo das mulheres na base sindical não corresponde a participação correspondente nas instâncias dirigentes. Neste processo lento, e embora a CUT tenha obtido mais avanços, as barreiras socioculturais impostas às mulheres estão presentes no movimento sindical e nem sempre a igualdade defendida é realmente praticada.
Depois de vários anos de debate, em 1994 as mulheres sindicalistas ligadas a CUT conquistam na VI Plenária Nacional a cota mínima de 30%. Depois disso, em alguns estatutos de sindicatos são aprovados ações “ações afirmativas”, entre elas, a política de cotas, como formas de reduzir o descompasso entre a participação das mulheres no mercado de trabalho e nas direções sindicais.
A adoção de políticas afirmativas combinada com a ampliação das mulheres no mercado de trabalho resultou numa maior participação das mulheres nas direções sindicais ainda que continue minoritária mesmo em alguns sindicatos com base majoritariamente feminina. Entre 1992 e 2001 o percentual de entidades sindicais com diretoria mista saiu de 49% para 64%.
As práticas sindicais também reproduzem as formas da divisão sexual do trabalho, colocando as mulheres em atividades secundárias, investindo pouco em formação política e em sua trajetória como liderança.
Entre as principais barreiras impostas às mulheres estão as características do trabalho da mulher no Brasil, a dupla jornada de trabalho, a divisão sexual do trabalho, e o predominância de relações machistas na esfera privada que dificulta o acesso e a permanência das mulheres na esfera pública e nos espaços de poder.
Em relação á dupla jornada de trabalho é incontestável que a distribuição do trabalho doméstico é muito desigual entre homens e mulheres. Em 2008, enquanto que, do total de mulheres ocupadas, 87,9% declararam ter afazeres domésticos, apenas 46,1% dos homens responderam afirmativamente. O número médio de horas que ambos dedicam ao trabalho doméstico também é bastante diferenciado: 20,9 horas semanais para as mulheres e apenas 9,2 para os homens.
A combinação de trabalho produtivo e reprodutivo faz com que a jornada de trabalho feminina seja aproximadamente 13% mais extensa que a jornada masculina. Dessa forma, a redução da jornada de trabalho é uma bandeira de luta que deve ser apropriada com força pelas mulheres.
A divisão sexual do trabalho define tarefas distintas e atribui papeis para homens e mulheres, que separa a esfera da produção da esfera da reprodução, que hierarquiza os valores masculinos e femininos e que considera “natural” que as mulheres não sejam afeitas a disputar cargos de direção. As práticas sindicais acabam por reproduzir as formas da divisão sexual do trabalho, colocando as mulheres em atividades secundárias, investindo pouco em formação política e em sua trajetória como liderança.
As mulheres se deparam também com barreiras ideológicas e culturais que se manifestam não só no mundo exterior, mas também no universo das relações pessoais e afetivas.
O perfil dos (as) delegados (as) ao 9º Congresso da CUT mostra que, para a maioria das mulheres, a participação ainda está condicionada, em grande medida, à sua condição na estrutura familiar, pois a condição de solteira, divorciada ou viúva facilita a conciliação do espaço público com o privado.
No 9º Congresso da CUT, 73,4% dos homens eram casados, enquanto que 61,1% das mulheres eram solteiras, separadas ou viúvas. Diferente das mulheres, tudo indica que ser casado e ter filhos não dificulta a participação masculina.
Mesmo com o crescimento das mulheres no mundo do trabalho, com a adoção de políticas afirmativas, e com maior participação das mulheres nas direções sindicais, não houve nos últimos anos avanços nas pautas de negociação coletiva específicas, que possam colaborar efetivamente para uma mudança na situação da mulher trabalhadora.
De acordo com o Anuário das Mulheres Brasileiras, publicado pelo Dieese em 2011, importantes cláusulas de negociação coletiva relacionadas ao trabalho das mulheres regrediram entre 1993 e 2009: cláusulas relativas à gestão caíram de 24,8% para 17,2%; à maternidade/paternidade passaram de 54,3% para 49,2%; creches de 14,4% para 11,2%.
A falta de creches é apontada como o principal problema das mulheres trabalhadoras e além da redução dos acordos coletivos com cláusulas relativas a creches, também o poder público está longe de atender a esta demanda. No Brasil somente 18% das crianças tem acesso ao serviço público de creches.
Para as trabalhadoras é fundamental a conquista de políticas públicas que possibilitem outras condições de acesso ao mercado de trabalho. A ampliação da licença maternidade e criação de uma licença paternidade, as vagas em creches públicas, a assistência integral a saúde da mulher e a redução da jornada de trabalho são pautas prioritárias para as trabalhadoras.
Outro aspecto relevante que constitui obstáculo para a organização da classe trabalhadora em geral e das mulheres em particular é a quase inexistente organização sindical por local de trabalho no Brasil, o que poderia constituir uma verdadeira escola de dirigentes sindicais.
Quanto às características da inserção da mulher no mercado de trabalho no Brasil, sem dúvida o acesso cresceu significativamente, porém em condições desiguais que impuseram a segmentação das mulheres em determinadas atividades ou funções, as disparidades salariais e o trabalho terceirizado, precário e mal remunerado.
A diferença entre homens e mulheres no emprego formal reside na forte presença masculina em ocupações decorrentes da produção material de bens enquanto as mulheres estão dispersas em ocupações não diretamente ligadas a produção material de bens, seja no apoio administrativo ou na prestação de serviços pessoais e sociais.
Diante desse contexto, apresentamos as seguintes diretrizes:
• lutar pelo acesso e universalização de políticas públicas voltadas para a saúde da mulher;
• lutar pelo direito das mulheres trabalhadoras às creches;
• lutar pela garantia e ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas;
• intensificar a discussão e a inclusão das pautas específicas das mulheres nos sindicatos;
• intensificar o debate e o estudo das relações de classe e gênero entre a militância sindical da AE,
• intensificar a formação política para as mulheres da AE visando maior participação das mulheres nos sindicatos, federações e na Central;
• orientar os sindicatos a desenvolver ações que combatam e denunciem a Violência contra a Mulher
• defender a paridade de gênero na direção da CUT;
• defender a paridade de gênero nos sindicatos, federações e confederações onde pelo menos 50% da base seja composta por mulheres.
O movimento sindical e juventude
Criada no último Congresso Nacional da CUT, em 2009, a Secretaria de Juventude da CUT nasceu com os desafios de organizar a juventude trabalhadora brasileira, fortalecer o projeto CUTista e agregar peso na construção das diversas lutas da juventude brasileira e dos movimentos sociais.
A Secretaria Nacional de Juventude da CUT foi criada num momento de ápice populacional da juventude brasileira. Além disso, destacam-se os indicadores sociais que mostram a situação de extrema vulnerabilidade que vive a juventude hoje, fruto do histórico contexto de desigualdades sociais e da aplicação de políticas neoliberais em nosso país.
Fazendo um panorama geral da juventude brasileira, percebemos que ela é majoritariamente trabalhadora, urbana e está especialmente exposta a uma série de situações de risco social, como a violência, o desemprego, a baixa escolaridade e o trabalho precarizado e mal remunerado. A situação dos jovens do campo também não é muito animadora, uma vez que estes estão cada vez mais sendo empurrados para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida e de uma perspectiva de futuro.
No movimento sindical, o debate sobre juventude ainda precisa avançar muito e quebrar o grande preconceito geracional existente. É visível o envelhecimento e a dificuldade de renovação pela qual vem passando o movimento sindical brasileiro nas últimas décadas, fato que também dificulta a renovação das práticas políticas e o diálogo com as novas gerações de trabalhadores (flexíveis, superexplorados e com pouco tempo disponível).
Além disso, faz-se necessária a disputa com aqueles setores do movimento sindical que vêem a juventude de forma totalmente utilitarista, ou que apresentam como pauta única para a juventude trabalhadora o debate sobre a qualificação profissional, como se o objetivo da juventude fosse servir de força de trabalho barata para o capital.
Todos os aspectos acima citados só evidenciam o tamanho dos desafios enfrentados pela Juventude da CUT nos primeiros passos da sua organização. Podemos dizer que só a criação de uma Secretaria específica para tratar do tema Juventude no interior da CUT nacional e das CUTs estaduais já representa um grande acerto e um passo importante na construção das lutas da juventude brasileira.
A Juventude da CUT tem se mostrado atuante na defesa dos interesses da juventude trabalhadora, e essa atuação se expressa desde a organização de base e a formação política, uma vez que foram organizados diversos encontros de jovens CUTistas Brasil afora, trazendo milhares de jovens para debater as suas condições de vida e de trabalho, bem como apresentar a perspectiva de organização sindical como meio de efetivação concreta de suas lutas, até a disputa por políticas de estado que garantam melhores condições de vida e trabalho para a juventude, neste aspecto, destaca-se o importante papel da Juventude da CUT na Conferência Nacional de Juventude, nas Conferências sobre o trabalho decente e nos Conselhos de Juventude em que se faz presente.
Na relação com os demais movimentos de juventude, a Juventude da CUT, embora com certos limites para articular uma estratégia e uma agenda de lutas em comum com outros movimentos sociais, tem buscado manter uma relação positiva com aqueles movimentos historicamente identificados com o projeto democrático-popular (UNE, Marcha Mundial de Mulheres, Pastorais da Juventude e Via Campesina).
Embora tenhamos avançado bastante nesta primeira gestão da Secretaria Nacional de Juventude da CUT, é importante garantirmos que a Juventude da CUT continue se organizando de forma autônoma, e possa construir uma intervenção à altura da história e das lutas que fizeram da CUT a maior e mais importante central sindical da América Latina, para isso as direções da CUT devem garantir todo aporte de recursos necessário para a realização das reuniões, encontros, atividades de formação e mobilizações propostas pela juventude.
Precisamos também lutar por uma Juventude da CUT capaz de romper com a atual apatia do movimento sindical brasileiro, e que esteja presente nas mais diferentes lutas da juventude e da classe trabalhadora. A juventude deve ser mobilizada para as grandes transformações sociais, e é ela o setor com grande capacidade de enfrentamento aos problemas gerados pelo capitalismo, é papel da CUT disputar os corações e mentes da juventude brasileira para um projeto realmente transformador e emancipador para a classe trabalhadora.
O movimento sindical e a livre orientação sexual
A discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero no ambiente de trabalho é um dos exemplos mais comuns no que se refere à violência e violação de direitos fundamentais. É em virtude disso que a luta contra a discriminação, o preconceito e a violência dirigida contra homossexuais vêm assumindo centralidade no debate de promoção de acesso ao emprego.
Por isso, a AE defende a inclusão nos acordos coletivos das diversas categorias, sejam elas no setor público ou privado, de clausulas socais e previdenciárias que garantam o mesmo respeito, os mesmos benefícios ou contemplação de dependência, para todos/as os/as trabalhadores, independente de sua orientação sexual, de modo que se sintam a vontade, e seguros/as, para assumirem, exercerem e expressarem a sua condição. O reconhecimento à diversidade de construções identitárias, do ponto de vista da orientação sexual e identidade de gênero, que preze pela capacidade produtiva do indivíduo, deve ser pressuposto em todas as relações de trabalho e assegurado como um direto humano e, portanto, inegociável.
Se por um lado existe um impedimento para a participação no mercado de trabalho, por outro existe a exploração com base na homofobia daqueles que contratam acreditando fazer um favor ao homossexual, coitado, discriminado e carregado de uma carga enorme de homofobia interna e baixa estima. Homossexuais podem fazer horas extras, porque não têm filhos, esposas, esposos no ponto de vista desses empregadores. Eles podem ser alvos de assédio moral cotidiano por parte de colegas que insistem em perguntar por sua namorada ou namorado. Ou quando é que ele ou ela vai casar, ter filhos, constituir família. Como se o homossexual não pudesse ter uma família afetiva, zelo e carinho em casa.
O preconceito contra os LGBT’s, a retaliação, a exclusão social dentro da empresas, pode ser identificado e deve ser combatido. Embora não aconteça em todos os lugares, ressaltamos como situação freqüente em diversos ambientes de trabalho que compõem o mercado de empregos, havendo uma ou outra exceção que exime o homossexual de viver esse constrangimento, estando essa exceção relacionada, muitas vezes, a mercado informal, à prostituição e ao tráfico.
Trabalhadores/as indígenas e quilombolas
A Central Única dos Trabalhadores – CUT, em 2008, produziu um Comentário sobre a aplicação da Convenção nº 169 da OIT, relatando a situação dos povos indígenas e dos quilombolas. Neste documento, foram relatados vários níveis de problemas acerca das seguintes questões: a) Auto-identificação; b) Consulta e Participação; c) Direito às terras e aos recursos naturais; d) Desenvolvimento; e) Saúde.
Segundo informa o relatório “O critério da auto-identificação dos povos tribais [artigo 1, parágrafo 2, da C. 169] foi incorporado à legislação nacional por meio do Decreto nº. 4887/2003, que regulamenta o procedimento para titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Em 2007, o governo reafirmou esse critério ao estabelecer o reconhecimento da auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais como um dos objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais [Decreto nº 6040/2007]”. Acontece que a Fundação Cultural Palmares, órgão governamental, criou critérios objetivos para o reconhecimento de comunidades quilombolas criando obstáculos do direito de auto-identificação pelas próprias comunidades quilombolas, num claro desrespeito às normas da Convenção 169 da OIT. Essa situação criou ainda mais dificuldades para o reconhecimento e legalização das terras quilombolas.
Apesar de existirem inúmeros fóruns de discussões sobre os povos indígenas o relatório indique que “a efetividade desses fóruns é questionada pelos povos indígenas e quilombolas – seja pela ausência dos interessados [reuniões ocorridas em locais de difícil acesso ou marcadas com pouca antecedência, discussões realizadas apenas na rede mundial de computadores]; pela falta de preparação para a discussão [reuniões marcadas com pouca antecedência e fornecimento de subsídios para discussão às vésperas da reunião]; pela superficialidade dos debates [reuniões com duração insuficiente] ou pela aparente desconsideração das manifestações dos atores sociais. Existe a impressão de que as consultas populares, quando realizadas, têm a finalidade exclusiva de validar as políticas públicas.” Nesse sentido, nosso questionamento se dá pela deficiente aplicação da referida convenção, e a solicitação de assistência técnica da OIT.
A questão fundiária é um dos graves problemas enfrentados tanto pela população indígena como pelos quilombolas. A remoção dessas populações, quando necessárias, também violou direitos constituídos. Houve um declínio no número de terras reconhecidas e de investimentos financeiros no processo de titulações dessas terras, aumentando o grau de violência nessas áreas, como é demonstrado no relatório. A extração mineral por parte de empresas é outro fator de conflito em áreas dos povos remanescentes.
Como as consultas e a participação dessas populações são deficientes, a elaboração de políticas públicas para esse setor também são falhas, mesmo com a instituição de novos mecanismos governamentais como, por exemplo, a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Segundo o relatório “No caso dos quilombolas, a insuficiência das políticas públicas é o maior problema. Os programas Brasil Quilombola e Bolsa Família beneficiam apenas um número reduzido de comunidades. Aliás, em 2007, o governo empenhou-se para estender os benefícios do Bolsa Família aos quilombolas e constatou a falta de informação sobre essas comunidades e as dificuldades decorrentes de seu isolamento geográfico [abandono].” Além disso, outro fator preocupante é o trabalho forçoso. “Em 2007, o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho libertou mais de 1000 índios que trabalhavam em condição análoga à de escravo no Mato Grosso do Sul.”
No último item do relatório afirmamos que “A proteção à saúde de índios e quilombolas é outra fragilidade brasileira, que, evidentemente, está relacionada à questão fundiária, à pobreza, ao isolamento geográfico e à discriminação. Trata-se de um ciclo vicioso: falta de terra leva à impossibilidade de subsistir, que gera insegurança alimentar, que resulta na deterioração da saúde, que é agravada pela deficiência da assistência à saúde.”. Essa situação provocou altíssimas taxas de desnutrição e de mortalidade infantil, provocando inclusive, em 2006, preocupação da comissão de peritos da OIT.
A conclusão do relatório clama pelo efetivo cumprimento, por parte do governo brasileiro, da referida convenção: “Nesse contexto, é preciso repensar a atuação governamental, para que se dê efetividade à Convenção nº 169, priorizando a regularização das terras [pressuposto da subsistência, do controle da violência e da preservação cultural] e o diálogo social [pressuposto de legitimidade de qualquer política pública]. Para tanto, a assistência técnica da OIT e a troca de experiências entre os países da América do Sul seriam extremamente proveitosos.”
Em março de 2009, por meio do julgamento do Superior Tribunal Federal - STF foi demarcada de forma contínua a área indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, depois de um longo processo de lutas. O Governo Federal havia homologado a demarcação das terras, mas, os fazendeiros invasores não acataram a decisão, utilizando a área de maneira irregular nas plantações de arroz e, de forma violenta, expulsaram a população indígena de suas terras. Os cerca de 18 mil indígenas dos povos Makuxi, Patamona, Taurepang, Wapichana e Ingarikó que vivem na Raposa Serra do Sol aguardavam desde 2005, ano da homologação da terra, a retirada dos invasores. Por mais de 30 anos, os indígenas estão lutando por sua terra. Neste período, mais de 20 lideranças foram assassinadas; diversas pessoas foram feridas; pontes, escolas e casas foram incendiadas, entre outras violências.
A CUT esteve presente em todos os momentos, organizando ações e pressionando o governo, o STF, mobilizando setores organizados da sociedade para a defesa dos interesses dessas populações indígenas que sofrem há séculos com o avanço dos grandes interesses econômicos, destruindo suas tradicionais formas de vida, arrancando suas terras e destruindo suas culturas. Esse processo demonstrou que a unidade dos setores populares é de fundamental importância para a defesa dos interesses oprimidos.
Entre os dias 1 e 17 de junho, em Genebra, na Suíça, ocorreu a 100ª Conferência Anual da OIT. Dentre inúmeros temas tratados, foi analisado o relatório do Governo brasileiro sobre a aplicação da Convenção 169. Diante da gravidade da situação dos povos quilombolas e indígenas, o Governo brasileiro foi informado pela OIT da má aplicação da referida Convenção no Brasil e da possibilidade de sua inclusão na lista dos 25 países que descumprem as convenções da OIT. O relatório do Governo insiste na prerrogativa da Fundação Palmares de determinar o reconhecimento de comunidades quilombolas, o que desrespeita o direito a auto-identificação, conforme relatado em nossos comentários.
Diante disso, o Governo brasileiro endereçou um relatório detalhado sobre a situação desses povos no Brasil e se comprometeu a convocar uma reunião com as centrais sindicais brasileiras ainda em 2011 para debater o tema. Nesse sentido, a CUT aceitou retirar o país da lista com o compromisso de enfrentar os problemas indicados nos comentários enviados por nossa Central. Hoje temos 343 territórios indígenas e 87 territórios quilombolas registrados, porém, seguem sem registro 283 terras indígenas e 590 territórios quilombolas, que estão aguardando os trâmites burocráticos e, ainda, 224 terras indígenas que nem mesmo iniciaram o processo de registro. Essa situação aumenta ainda mais o grau de violência no campo, com assassinatos recorrentes de indígenas, como ocorre no estado de Mato Grosso do Sul.
A CUT, diante dessa situação, convidará as organizações desses setores para debater o tema e preparar a intervenção na reunião com o Governo Federal.
Essa trajetória de relação com as organizações desses setores, a luta histórica dos movimentos populares brasileiros e ação da CUT demonstrou que devemos aliar as ações cotidianas em nosso país com a intervenção internacional junto a esse importante instrumento, que é a OIT. As Normas Internacionais do Trabalho, principalmente para os países da periferia do sistema capitalista, adquirem um sentido progressista e de defesa dos interesses imediatos da classe trabalhadora.
Concepção e organização sindical da AE
As organizações sindicais (sindicatos, associações de classe, confederações, etc.) devem ser instrumentos de luta pela melhoria das condições no trabalho. Portanto, não estão necessariamente em contradição com a existência do trabalho assalariado e da exploração capitalista.
Apesar disso, as organizações sindicais são uma escola importante para a organização dos trabalhadores e um instrumento para o embate entre capital e trabalho, mesmo que este embate se dê nos marcos do capitalismo. Por isso mesmo, os petistas devem lutar para dirigir as entidades sindicais.
Ao dirigir entidades sindicais, os petistas devem ser capazes de organizar a luta de sua categoria específica, por melhores condições de trabalho e vida, o que inclui o respeito as questões ambientais. Mas devem buscar ir, além disso, colaborando para que os trabalhadores compreendam e participem ativamente da vida política e social de sua cidade, de seu Estado, de seu país e do mundo, percebendo, inclusive, o grau de discriminação e preconceito imposto aos afro-descendentes, às mulheres, aos povos indígenas e outras minorias, às pessoas com deficiências; e o mesmo no que diz respeito à orientação sexual das pessoas.
Só a participação política é capaz de fazer a classe trabalhadora adquirir uma consciência socialista. Para isso, é preciso superar - continuamente - os limites da ação sindical, combatendo o sindicalismo tradicional, que tem como único horizonte os interesses de curto prazo da categoria; o sindicalismo “revolucionário”, que dá ao sindicato tarefas de partido político e pensa que o caminho para o socialismo está no conflito “direto” entre capital e trabalho (a luta por salários); e o sindicalismo social-democrata, que atribui aos sindicatos a exclusiva tarefa de lutar por salários e aos partidos a exclusividade das tarefas “políticas”.
Todas estas concepções sindicais - a tradicional, a economicista, a social-democrata e a nossa - estão presentes na Central Única dos Trabalhadores e no movimento sindical brasileiro como um todo. No dia-a-dia da prática sindical, estas concepções muitas vezes se misturam e se confundem. Mas é preciso estudar claramente as diferenças, pois elas conduzem a resultados muito distintos.
É preciso entender que tanto o sindicato, quanto o partido político, são formas distintas de organização de uma mesma classe social. O papel que estas formas assumem na luta de classes depende, portanto, da atitude da classe trabalhadora na própria luta de classes.
Em épocas revolucionárias - em que a maioria da classe está mobilizada - os papéis muitas vezes se embaralham (citamos como exemplo o papel da COB nos levantes populares ocorridos na Bolívia). Em épocas de forte refluxo - em que a maioria da classe está desmobilizada - os papéis também se embaralham (citamos como exemplo a necessidade de o sindicalismo atuar de forma clandestina, durante algumas ditaduras, quase como atuavam os partidos de esquerda).
Já nos períodos “normais” da luta de classes os papéis são mais nítidos, cabendo aos sindicatos organizar todos os trabalhadores, independentemente de credo, raça, orientação sexual, determinação ideológica, etc. Nesses períodos, os sindicatos não centram sua ação na luta pelo poder ou na defesa de programas gerais. Nos períodos “normais” da luta de classes, o centro da ação do sindicalismo é a luta por elevar as condições de vida, remuneração e trabalho.
Mas mesmo nesses períodos os sindicatos possuem uma destacada importância política, expressa, por exemplo, na credibilidade que estas entidades possuem junto à massa dos trabalhadores. Dependendo da direção sindical, esta credibilidade pode ser utilizada para elevar o nível de consciência da classe trabalhadora, para orientar politicamente os trabalhadores no sentido de seus interesses históricos; ou pode ser dirigida no sentido de manter os trabalhadores sob a hegemonia da classe dominante.
Por esse motivo, é importante politizar a disputa das entidades sindicais. Ao mesmo tempo em que recusamos a idéia de que os sindicatos devem ser “correia de transmissão” dos partidos políticos (ou dos governos e mandatos), e respeitando a autonomia e independência sindical, defendemos que os partidos políticos podem e devem disputar a orientação das entidades sindicais.
Politizar é diferente, entretanto, de partidarizar. Os sindicalistas podem e devem pertencer a partidos políticos, podem e devem defender abertamente as posições de seus partidos. Mas devem avaliar, a cada situação concreta, se cabe transformar uma posição estritamente partidária em posição sindical. Foi com base nesta avaliação que, em 1988, o Congresso da CUT rejeitou indicar o voto nas candidaturas do PT nas eleições daquele ano; foi também com base nesta avaliação que a CUT decidiu apoiar a candidatura do Lula, em 2002 e 2006; e da Dilma, em 2010.
É com base nesta mesma avaliação que, geralmente, recusamos transferir, para o terreno sindical, algumas polêmicas programáticas que são necessárias dentro de um partido ou entre partidos, mas que não cabem no movimento sindical. Ao mesmo tempo, polêmicas que hoje podem parecer descabidas nos sindicatos, amanhã poderão ser consideradas naturais, tendo sempre como critério o nível de consciência da massa trabalhadora.
Tendo em vista a pluralidade de correntes que atuam no movimento sindical, todas elas expressando diferentes segmentos e opiniões presentes na classe trabalhadora, defendemos a mais ampla democracia no movimento sindical, particularmente no interior da CUT e dos sindicatos filiados à CUT.
A grande maioria dos sindicalistas que abraçaram o movimento sindical combativo, classista e pela base, assim como todas as tendências socialistas que atuam na CUT, defendem a democracia. Essa defesa precisa se materializar na existência: de organizações por local de trabalho; de conselhos de representantes nos sindicatos; da democracia nos processos eleitorais; de convenções no campo da CUT.
No caso da eleição para renovação das diretorias da Central, confederações e federações, onde o processo dar-se-á em congressos da categoria, a Articulação de Esquerda defende a proporcionalidade qualificada, sem clausulas de barreiras, garantindo desta forma a presença na chapa das mais amplas visões político-ideológicas.
Na eleição para os sindicatos de base devemos defender a existência de convenções ou acordos dentro do campo cutista, construindo uma chapa, que caso eleita, garanta a governabilidade política e administrativa. No entanto, quando tais acordos e/ou a convenção cutista se tornarem inviáveis, podemos eventualmente compor chapas com as diversas correntes sindicais de orientação classista que atuam na defesa dos interesses da classe trabalhadora, sempre buscando orientar o sindicato para organização no campo cutista.
A partir do reconhecimento das centrais sindicais, houve um aumento considerável da criação de novos sindicatos, inclusive com cutistas tentando registros junto ao MTE, com o propósito de disputar a representação de categorias profissionais de sindicatos estão sob direção da própria CUT, com isso fragmentando o poder de luta dos trabalhadores, e por vezes com a conivência da corrente majoritária. É preciso que a CUT adote procedimentos firmes para coibir tal prática, que tem levado enormes prejuízos ao conjunto dos trabalhadores e tumultuado as relações do trabalho.
Hoje a CUT já adota o princípio da proporcionalidade na composição de sua direção, o que avaliamos um avanço importante na organização da Central. Mas, a cláusula de barreiras impede que as forças minoritárias se apresentem com força própria, reduzindo a democracia em sua estrutura.
Organização da AE no movimento sindical
O setorial sindical da AE estrutura-se nacionalmente a partir das seguintes instâncias: a Conferência Sindical Nacional; a Plenária Sindical Nacional; a Coordenação Sindical Nacional e o Secretariado Executivo da Coordenação Sindical Nacional.
A Conferência Sindical Nacional, principal instância deliberativa do setorial, reúne-se de dois em dois anos. Nela são eleitos os membros da Coordenação Nacional e do Secretariado Executivo e aprovadas resoluções que devem ser submetidas ao referendo e eventuais alterações, pela Direção Nacional da AE, pela Conferência Nacional ou pelo Congresso Nacional da AE.
A Plenária Sindical Nacional deverá reunir-se sempre que for necessária a atualização de nossas políticas sindicais para o setorial. As decisões da Plenária Sindical também devem ser submetidas ao referendo da Direção Nacional da AE.
A Coordenação Sindical Nacional é composta por no mínimo 13 (treze) e no máximo 27 (vinte e sete) integrantes. O Secretariado Executivo é composto por 5 (cinco) membros.
Para que tenhamos presença efetiva no movimento, a construção de nosso setorial sindical deve ser baseada em algumas premissas: democracia interna, o que implica em direção coletiva; debate nas instâncias e disciplina na implementação das decisões; unidade política, ideológica e de ação; concepção sindical e método de atuação bem definidos; e militância centralizada pelas posições políticas da AE, com organização e capacidade operativa para realizar as tarefas propostas.
Hoje, nossa atuação é muito diferenciada nos diferentes Estados em que estamos organizados, no que se refere ao atendimento a essas premissas básicas. Em alguns Estados, estamos construindo o trabalho sindical há muito tempo. Em outros, essa preocupação não faz parte da pauta cotidiana da corrente. E essa ausência ou precariedade de uma política de construção do trabalho sindical faz com que nossa representação nos congressos das categorias e/ou ramos de atividades profissionais, ou no próprio congresso da CUT, seja muito inferior à nossa influência real no movimento.
Outra deficiência é a falta de priorização de nossos dirigentes sindicais com as tarefas nacionais, ficando apenas a cargo do dirigente que está na executiva nacional da CUT. Temos plenas condições de reverter essa situação. Em alguns estados onde temos mais peso e organização é possível a liberação de dirigentes para cumprirem essa tarefa. Qualquer possibilidade de crescimento sindical passa, entre outros motivos, pela existência de um coletivo dirigente nacional que se reúna, discuta e dirija a atuação sindical da corrente.
É fundamental, portanto, que construamos a AE nas várias categorias em que atuamos entre as quais destacamos: professores, metalúrgicos, bancários, construção civil, servidores públicos, jornalistas, rodoviários, telefônicos, urbanitários, gráficos, comerciários, trabalhadores rurais, previdenciários, petroquímicos, metroferroviários, petroleiros e profissionais liberais. Nossa maior presença sindical é no setor público. É preciso ampliar nossa atuação sindical nos setores produtivos, que são estratégicos do ponto de vista da luta de classes.
Somente se vencermos esses desafios organizativos e ganharmos o conjunto da AE para o caráter central e prioritário de nossa inserção junto à classe trabalhadora assalariada e para a importância de nosso crescimento no movimento sindical, é que teremos condições de influir nas lutas sociais com nossa linha política e nossa concepção estratégica. Lembremos que, segundo nossas resoluções devemos combinar a disputa institucional com a nossa intervenção nos movimentos sociais. Nosso objetivo geral deve ser a ampliação da influência socialista entre os trabalhadores e a organização de setores cada vez maiores da classe, sindical e partidariamente.
Movimento Sindical e o PT
No PT, apesar de termos uma vaga no Coletivo Sindical Nacional, nossa participação no setorial sindical ainda é praticamente nula, pois não disputamos nos Estados a intervenção na linha sindical do Partido.
A relação do PT com a classe trabalhadora não se resume à sua relação com os chamados movimentos sociais em geral, ou o movimento sindical em particular. Há que se considerar outros níveis de relação: a) entre governos dirigidos pelo Partido e a classe trabalhadora; b) entre parlamentares do PT e suas bases eleitorais; c) entre o Partido como um todo e o eleitorado trabalhador, nas várias etapas das campanhas, inclusive no horário eleitoral gratuito; d) a relação resultante da ação das instâncias partidárias e, também, da ação individual dos militantes.
Entretanto, dentre estes vários níveis de relação partido/classe, a relação do PT com os movimentos sociais é um tema central e permanente nas diretrizes programáticas, nas resoluções e no discurso partidário — até porque grande parte da militância que se organizou no Partido dos Trabalhadores surgiu para a vida política nas lutas sociais ocorridas no final dos anos 1970 e em grande parte dos anos 1980.
Hoje, muitos setores consideram que teria havido um “afastamento” do Partido em relação aos movimentos sociais. Nesta tese, misturam-se e confundem-se pelo menos três fenômenos diferentes.
O primeiro fenômeno é o papel que a luta social passou a ocupar (ou deixou de ocupar) na estratégia do PT. A esse respeito, nos anos 1990 ocorreu uma dupla mudança: de um lado, a rejeição (majoritária, mas nunca unânime dentro do Partido) a qualquer tipo de estratégia revolucionária de conquista do poder; por outro lado, nos marcos de uma estratégia não-revolucionária (também majoritária, mas tampouco unânime), a ênfase na disputa eleitoral, em detrimento da luta social.
O segundo fenômeno diz respeito à alteração efetiva que essa mudança na estratégia petista produziu nas relações entre o Partido e os movimentos sociais. Ao longo dos anos 1990, militantes petistas (de diferentes correntes, mas na maioria das vezes ligados a então corrente majoritária do Partido) mantiveram a hegemonia direta ou indireta sobre os principais movimentos sociais do país. Isto é inegável no que se refere às entidades sindicais combativas. Aliás, os militantes dos movimentos sindicais, quando não as próprias organizações, apoiaram a candidatura Lula e, muitas vezes, também candidaturas do PT a governos e parlamentos, nas principais eleições ocorridas nos anos 1990.
A posse de Lula na Presidência da República abriu uma nova situação, em que a relação passou a envolver três “atores”: os movimentos, o Partido e o governo federal. Entre 2003 e 2005, nesses novos marcos, ocorreu um progressivo distanciamento e começaram a surgir sinais de ruptura por parte de alguns setores da classe trabalhadora, como, por exemplo, parcelas do sindicalismo de funcionários públicos, fenômeno que continua no governo Dilma.
O terceiro fenômeno refere-se ao nível real de mobilização dos movimentos sociais, que não podem e não devem ser resumidos ou confundidos com a militância política que os impulsiona ou com as entidades que os representam. A idéia de que existiria um “afastamento” entre o Partido e os movimentos traz consigo, muitas vezes, a ilusão de que a deflagração de um forte movimento social só não ocorre porque o PT não adota essa orientação, ou até mesmo, conscientemente, trabalha para desmobilizar os movimentos.
A verdade é que o descenso das lutas sociais possui muitas causas históricas, objetivas. É preciso evitar uma leitura superestimada da capacidade de mobilização social, muito comum entre aquelas correntes da esquerda brasileira que exaltam o papel dos movimentos sociais, em contraposição aos partidos políticos.
A Articulação de Esquerda compreende que a luta social e a luta eleitoral-institucional constituem diferentes dimensões da luta econômica ou político-econômica dos trabalhadores contra os capitalistas, uma e outra podendo se transformar, sob determinadas condições, em pontos de apoio para a luta pelo poder.
Defendemos, por outro lado, que os militantes do movimento sindical que se referenciam no PT participem ativamente da vida partidária, de seus fóruns gerais e também dos espaços específicos deste setorial.
Política de alianças
Desde 1997, a AE tem buscado participar de iniciativas que visam a unificar a esquerda cutista. A partir desse objetivo geral, historicamente adotamos diferentes políticas de aliança com os demais setores da central.
Há, atualmente, setores moderados do movimento sindical cutista que se deixam enquadrar por parte do governo Dilma, discutindo reformas prejudiciais à classe trabalhadora. Há, por outro lado, a tentativa da “ultra-esquerda” de transformar toda ação conjunta do movimento social em espaço prioritário de ataque global aos governos petistas e à CUT, com o objetivo de “cooptar” militantes para seus projetos político-partidários.
Esta realidade obriga-nos, sem prejuízo de continuar participando de ações comuns, a reforçar nossa própria organização, não participando de tentativas de “frente única” de natureza orgânica, seja com o PSTU/Conlutas, seja com o PSOL/Intersindical, ou com quaisquer setores assemelhados.
Tendo em vista esse quadro político geral, nossa política de alianças estratégicas no movimento sindical deverá priorizar as correntes que atuam dentro da CUT.
Com outros setores da esquerda sindical poderemos ter alianças táticas, de natureza sindical, nas lutas, nas eleições sindicais e nos congressos de categorias profissionais. Não constituiremos, com esses setores ou com qualquer outra corrente, nenhum bloco permanente.
Devemos, nesse próximo período, dar ênfase à construção intensiva da organização da AE no movimento sindical. Somente com um setorial sindical da AE forte poderemos ajudar na consolidação de uma esquerda cutista que dispute as posições políticas no interior da Central, atraindo para nosso campo inclusive setores que atuam no interior das correntes majoritárias e que estejam insatisfeitos com os rumos gerais assumidos pela CUT. Essa disputa, aliás, tende a ampliar-se no próximo período, devido aos rumos contraditórios do Governo Dilma.
Assim, nossa política de alianças deve ter por base três parâmetros: a) a defesa dos interesses da classe trabalhadora; b) a defesa da CUT; c) a defesa da idéia de que devemos disputar os rumos da CUT, do PT e do governo Dilma.
Como parte de nossa tática para a disputa do Concut em julho de 2012, a AE irá procurar dialogar com as demais correntes que compõem a esquerda cutista, incluindo grupos regionais, independentes, lideranças isoladas, etc., com vistas à preparação de um seminário capaz de aglutinar este campo em torno de um programa e chapa únicos a serem apresentados no próximo Concut.
Plano de ação
Em julho de 2012 será realizado o 11º Congresso Nacional da CUT. Nesse período é provável que tenha se agravado a crise econômica internacional e seus reflexos sobre o Brasil, tendo a CUT passado pela prova de impedir que a burguesia deposite sobre a classe trabalhadora a conta da crise, pressionar o governo para que adote medidas protecionistas e defender os direitos dos trabalhadores.
Ao mesmo tempo, estaremos num momento propício para o questionamento prático das políticas neoliberais e para o questionamento ideológico do capitalismo, abrindo a possibilidade de aumentar o nível de consciência de nossa classe para mudanças mais profundas.
Defendemos que a CUT, nesse próximo Congresso, além da defesa de suas bandeiras históricas, tenha como foco prioritário o debate sobre a crise econômica e as alternativas de esquerda e a democratização interna da CUT, inclusive com a adoção da paridade entre homens e mulheres na estrutura de direção da CUT. É com essa prioridade que mobilizaremos nossa militância sindical da AE para o 11º CONCUT.
Além dessa tarefa imediata, de modo geral, nosso principal desafio como tendência petista que atua no movimento sindical é ampliar nossa influência política sobre a base social desse movimento, participando e intervindo nas lutas cotidianas dos trabalhadores.
Nesse sentido, a VII Conferência Sindical Nacional indica as seguintes tarefas a serem cumpridas pela Coordenação Sindical Nacional eleita:
- Divulgar as resoluções da VII Conferência Sindical Nacional;
- Organizar a participação da AE no 11º Concut;
- Acompanhar e intervir politicamente nos debates realizados na direção nacional da CUT;
- Iniciar uma campanha pela democratização interna da CUT;
- Organizar a agenda de lutas, mobilizações e processos eleitorais do setorial;
- Organizar o setorial sindical onde ele ainda não está estruturado, realizando conferências estaduais e elegendo, nesses casos, as coordenações estaduais;
- Organizar a VIII Conferência Sindical Nacional;
- Organizar a participação dos militantes da AE no setorial sindical do PT;
- Divulgar nossas publicações entre os trabalhadores;
- Reforçar a luta contra o divisionismo e desligamentos da CUT;
- Organizar um seminário dos militantes da AE que atuam nos sindicatos dos servidores públicos (federais, estaduais e municipais) para discutir as mudanças ocorridas na organização sindical no Brasil;
-Organizar um seminário de planejamento, para discutir a ampliação de nossa influência no movimento sindical, definição de categorias prioritárias, estratégia de conquista de novos militantes, entidades sindicais de base, federações, confederações e conselhos profissionais;
- Fortalecer a Escola de Formação Política da AE;
- Participar ativamente da CMS;
- Defender a mais ampla democratização dos meios de comunicação;
- Organizar a participação da AE nos congressos das confederações nacionais e federações estaduais;
- Organizar a discussão sobre homofobia e discriminação no ambiente de trabalho;
- Organizar os seminários regionais sindicais (conferências de retorno);
- Organizar o mapeamento dos militantes sindicais da AE nos estados;
- Fortalecer a lista de discussão sindical da AE;
- Organizar seminários das categorias por ramo de atividade dos militantes da AE;
- Propor um encontro nacional com os trabalhadores e trabalhadoras do SUS, nas três esferas de governo através das entidades de base, com os seguintes eixos: salário nacional do SUS, desprecarização dos serviços de saúde, efetivação do SUS com inclusão de políticas de Estado e não de Governo no sentido de garantir a assistência coletiva e previdência social;
-Lutar pela regulamentação da aposentadoria especial para os trabalhadores do serviço público que atuam em áreas de risco e insalubres, conforme determina a Constituição Federal;
- Defender que o seguro pago pelo INSS ao trabalhador acidentado seja incorporado nos proventos da aposentadoria;
- As conferências propostas pelo governo federal são espaços de avanços e debates sobre as políticas públicas, devendo nossa militância participar ativamente desses espaços;
- Devemos, ainda, no próximo período, nortear nossas lutas, reafirmando as bandeiras da classe trabalhadora, como:
- Redução da jornada de trabalho para 40 horas sem redução de salário;
- Nenhuma reforma que retire direitos;
- Direito irrestrito de greve;
- Ratificação das convenções 87, 135, 151 e 158 da OIT;
- Fim das práticas anti-sindicais pelos patrões;
- Fim do Fator Previdenciário
- Aumento real e igualitário para todos/as aposentados/as
- Igualdade salarial entre homens e mulheres
- Apoiar e fortalecer a participação da juventude no movimento sindical
- Luta contra privatizações e PPPs
- Assédio Moral
- Saúde do Trabalhador
- PEC 438 Trabalho Escravo e Trabalho Infantil
- Fim do Imposto Sindical
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso Nacional da AE
Elementos para um Programa para a cultura brasileira
Se por um lado, no âmbito global, ficada cada vez mais evidente que a cultura tem papel central na luta por um mundo novo, e que as novas possibilidades de compartilhamento de informações e conhecimentos podem ser uma importante ferramenta de fortalecimento da diversidade cultural dos povos, em sua luta comum contra o capitalismo e por autodeterminação; por outro lado precisamos ainda avançar muito no Brasil, em relação as políticas públicas culturais e no diálogo entre essas novas possibilidades e a esfera governamental da cultura, pois o estado brasileiro não está preparado para absorver o conjunto de expressões culturais e suas necessidades específicas no Século XXI, pelo contrário foi montado de forma a atender uma pequena minoria e de forma fragmentada.
É preciso mais do que nunca afirmar uma política de cultura de esquerda e de classe, com base na diversidade cultural, na cidadania cultural, na democratização das comunicações, na promoção dos direitos humanos, na democratização do acesso aos recursos públicos, no fortalecimento do pacto federativo, na cooperação internacional e na garantia do acesso público e gratuito aos bens e serviços culturais que o país produz.
Com o desenvolvimento econômico que está ocorrendo a partir dos Governos de Lula e Dilma na última década, fomos capaz de incluir mais de 30 milhões de brasileiros no processo produtivo, e melhorar as condições de vida de outros 50 milhões, mas precisamos garantir que o destino desse aumento no poder de consumo dos trabalhadores, se direcione para a educação, para a cultura e para o conhecimento. Para que não nos tornemos a nova sociedade consumista e conservadora do continente. O potencial de ampliação da demanda e do consume pelos bens culturais é gigantesco, mas ele só será realidade com a interferência do estado como indutor do consumo consciente e garantidor de direitos.
Um programa de esquerda para a cultura precisa deixar claro que a dimensão da universalização do acesso é prioritária, na perspectiva da emancipação humana e intelectual da grande maioria da nossa população. Pois o acesso ao conhecimento, ao simbólico, a criatividade artística, material e imaterial, a história e a toda riqueza da nossa diversidade, por si só, já é elemento transformador. Mas mais do isso, é elemento central para um projeto de nação, que se pretenda soberano, democrático e socialista.
A Centralidade da Diversidade Cultural
A Convenção da Unesco sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada em 2005, com importante protagonismo do Governo Brasileiro, e a Agenda 21 da Cultura são marcos importantes para as políticas culturais no mundo e no Brasil, pois coloca no centro das discussões a questão da Diversidade Cultural.
A proteção da Diversidade Cultural é tão importante para a humanidade como a proteção da biodiversidade é para o meio-ambiente. Sem ela a cultura dos povos se torna homogênea, se empobrece culturalmente, se extinguem culturas tradicionais, culturas milenares, culturas de etnias minoritárias, de povos excluídos e de setores excluídos da sociedade. Expressões que precisam de sua cultura como elemento antropológico e identitário fundamental para continuar existindo e sobrevivendo em um mundo hegemonizado pelos valores neoliberais.
A Diversidade Cultural se constitui no âmbito das políticas públicas de cultura, como a grande matriz norteadora de toda a ação do estado, e como diretriz política central no processo de inversão de prioridades, de um estado que esteve na maior parte da história do Brasil a serviço de uma pequena elite branca colonizadora.
O colorido da Diversidade Cultural Brasileira, e a mestiçagem de tantas etnias e culturas que conformaram o povo brasileiro se constituem em um dos maiores patrimônios de nosso país. Garantir isso em lei, no currículo escolar da rede de ensino, na transversalidade da ação do estado e como política programática é a tarefa que se coloca urgente para garantirmos a soberania e a independência cultural do povo brasileiro. Hoje e no futuro...
A Cidadania como objetivo estratégico
Na concepção tridimensional da cultura, que foi forjada nos anos 2000, a cultura deve ser vista em três dimensões: a dimensão simbólica, a dimensão cidadã e a dimensão econômica. A dimensão cidadã, muito mais do que a antiga concepção da “inclusão social pela cultura”, que inspirou iniciativas nos anos 80 e 90 em todo Brasil, deve ser entendida como Dimensão do Acesso. O Acesso a cultura deve ser entendido como preocupação prioritária pelos gestores públicos e parlamentares do PT. Pois sintetiza a concepção de garantia de direitos que foi assegurada na Constituição de 88, mas está tão distante de se tornar realidade.
A área da cultura diferente de outras áreas das políticas públicas, não dispõe de uma rede física como a educação a saúde e a assistência. Os trabalhadores e trabalhadoras da cultura diferente também de outras categorias, não tem regulamentação, com estabilidade ou aposentadoria por exemplo, a grande maioria de profissionais que atuam na área como: artistas, produtores, gestores culturais e arte educadores. No caso dos equipamentos públicos de cultura, contamos hoje com bibliotecas, museus, teatros, cinemas, centro culturais e de eventos apenas nas médias e grandes cidades brasileiras, e mesmo assim em quantidade e capacidade insuficiente para uma demanda cada vez mais crescente.
Os pequenos municípios, que são a grande maioria, não dispõem de equipamentos para garantir a circulação da produção artística e mesmo para incentivar os produtores locais. No caso dos artistas e geradores de conteúdos e de saberes, é inegável reconhecer que o Brasil deu um salto expressivo nos últimos 10 anos, as novas tecnologias, a quantidade de cursos superiores na área da cultura, e as políticas de fomento através de editais nacionais, contribuíram muito para isso. Porém para garantirmos uma política nacional, em larga escala, de caráter universal de acesso à cultura, devemos:
- Garantir a gradativa formalização dos trabalhadores da cultura, com políticas trabalhistas, como FGTS e Previdência Social.
- Ampliação dos recursos públicos na área da cultura nas três esferas federativas como defente a PEC 150: No mínimo 1% nos municípios, 1,5% nos estados e 2% na união.
- Implantar o Sistema Nacional de Cultura, a exemplo do SUS e do SUAS, garantido um efetivo pacto federativo da cultura e garantindo a participação da sociedade nas decições.
- Garantir a ampliação e a qualificação dos equipamentos públicos de cultura, em todo território nacional. Como forma de garantir a circulação, a fruição e a criação das linguagens artísticas e expressões culturais.
- Garantir a ampliação do acesso a Internet gratuita, ou subsidiada, como forma de democratizar o acesso a cultura.
O desafio do acesso universal, público e gratuito a cultura, é um desafio de médio e longo prazo, mas deve ser a preocupação central do Governo Dilma na área da cultura, pois é o eixo transversal que deveria articular todos os outros listados no Plano Nacional de Cultura. Uma política pública de cultura contemporânea, no seu sentido mais estratégico deve garantir a gradativa ampliação do acesso. Para que um dia possamos ser um país que produz e consome a sua produção cultural de forma plena, democrática e sustentável.
A democratização dos meios de comunicação, é fundamental para a cultura
Cresceu na última década a luta pela democratização dos meios de comunicação no Brasil. Movimentos de rádios e TVs comunitárias, os blogueiros, os sites da imprensa alternativa, os jornais comunitários e independentes, o movimento de softwere livre, a cultura digital, os pontos de cultura, os coletivos independentes são um emaranhado de redes que dialogam de forma direta e orgânica com a cultura. Estas redes são um escoadouro natural da produção de conteúdos culturais. E a aliança entre produtores de cultura e meios de comunicação alternativos tem sido uma realidade presente nos últimos anos. Devemos fortalecer a luta dos movimentos de comunicação no Brasil, pela quebra dos monopólios, e regulamentação do setor, mas também estimular e ampliar o surgimento das mídias alternativas. Sem democratização dos meios de comunicação será impossível garantir a expressão da diversidade cultural brasileira, e o pleno acesso da população a cultura.
Conjuntura
O ano de 2011 terminou com manifestações de artistas e produtores as portas de órgãos públicos federais clamando por verbas, e com muito barulho nas redes sociais na defesa de uma política de cultura digital contemporânea.
Nesse coro de descontentes, integrado por trabalhadores, militantes, produtores culturais, artistas, intelectuais e pontos de cultura, enquanto uns culpam o corte orçamentário, outros responsabilizam a ministra, e outros ainda afirmam que é culpa é da Copa e das Olimpíadas. Embora existam divergências na indicação das causas há razoável convergência na avaliação final: é preciso avançar.
Mas, os movimentos e partidos de esquerda, devem tentar aprofundar algumas questões sobre a direção deste avanço.
Primeiramente vale lembrar que os embates travados em torno da composição do Minc, já durante a campanha eleitoral e nos primeiros dias de 2011, espelharam a clara tensão existente entre pelo menos dois modelos de política pública de cultura e, por consequência, de dois projetos políticos distintos.
De um lado o projeto pautado no entendimento de cultura como expressão da vida política e na função pública do Estado responsável por garantir cidadania, diversidade e acesso público e gratuito a esta diversidade; e de outro lado o projeto que resume cultura como manifestações artísticas e designa ao Estado o papel de agente facilitador dos mecanismos de produção e circulação de produtos culturais.
Embora o saldo do período 2002-2010 também apresente carências em avanços importantes tanto na revisão da lei de incentivo a cultura, quanto na ampliação do orçamento. Mas são significativas as conquistas no campo da cidadania cultural e no redesenho do mapa cultural brasileiro.
É importante perceber que uma das maiores, se não a maior contribuição política que o programa Cultura Viva legou, está exatamente nas contradições geradas e a impossibilidade de fugir a urgência de repensar as formas de destinação de verbas públicas, ainda atreladas a modelos construídos para práticas conservadoras e concentradoras.
Nisso reside a ousadia da qual a esquerda não poderá se eximir. Rever a lei de uso público dos incentivos fiscais e criar instrumentos novos para a destinação de verbas para projetos de cidadania cultural são os desafios que não foram enfrentados.
Outra discussão urgente e necessária que a esquerda deve fazer é que não se pode mais discutir políticas de Cultura desvinculadas das políticas de Comunicação, pois o que existe hoje são complexos empresariais de Cultura e Comunicação que se retro alimentam. Enfrentar as contradições e ousar avançar nas mudanças das estruturas de distribuição de verbas públicas para a cultura esta intimamente vinculada ao enfrentamento dos interesses empresariais dos grupos que administram os complexos político-econômicos de produção e reprodução de informação e conhecimento.
Política de Cultura da AE
E importante reconhecer que tema cultura somente recentemente tem alçado as páginas do página 13 e as resoluções da tendência, no entanto a AE tem acúmulo de experiências na gestão cultural em importantes cidades brasileiras, além de quadros qualificados e experientes no campo cultural; portanto possui condições políticas e técnicas para realizar uma intervenção qualificada na discussão da política cultural do PT e do governo.
Para isso, além do fortalecimento das ações da tendência nos Setoriais Nacional, Estaduais e Municipais, a AE deve:
- Somar-se a luta pela cultura livre aos movimentos pelo software livre e mídia livre; pois não se faz cultura de esquerda com mídia de direita.
- Fortalecer o Projeto Cultura Viva, com a ampliação do pacto federativo do programa e seu fortalecimento institucional;
- Criar instrumentos legais adequados aos atores sociais que não são produtores culturais, ou seja, os que não tem a ação cultural como atividade profissional, mas sim como praticas políticas e de florescimento de saberes e criatividade;
- Batalhar pelo fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura- FNC, pelo menos equiparando o seu orçamento ao orçamento destinado a renúncia fiscal pela hoje concentradora e privatista Lei Rouannet;
- Priorizar a organização da Militância Petista na cultura, para que possamos ter uma atuação organizada, articulada e com pauta política clara, nos governos e nos movimentos sociais
- Garantir a independência das posições do PT de qualquer governo que ocupemos, como forma de fortalecer a atuação do partido e do pensamento crítico e de esquerda na área da cultura.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Defender a vida, ampliar os recursos, reverter a privatização, implantar o SUS
1. O SUS, 24 anos depois de sua criação, vem sendo objeto de desmonte por meio do estrangulamento orçamentário e acelerada privatização de serviços públicos de saúde.
2. Reverter a privatização, ampliar os recursos e continuar a implantação de um Sistema de Saúde nacional, público e universal depende de vigorosa movimentação social e política, na qual é imprescindível o engajamento do PT, da Central Única dos Trabalhadores, dentre outros sujeitos coletivos.
História
3. No Brasil, a luta política que gerou o fim do regime militar (1964-1985), a convocação e instalação da Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988), a democratização do país em todas as suas dimensões, teve como um de seus destaques a constitucionalização da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social), com notória ênfase para a Saúde.
4. As principais proposições emanadas da participativa 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foram inseridas na Constituição Federal de 1988 (CF). Entre as mais relevantes estavam o reconhecimento da Saúde como direito social (Art. 196) e a criação do Sistema Único de Saúde – SUS (Art. 198), público e universal, para prover a todos brasileiros e todas as brasileiras serviços assistenciais, promoção de saúde e de vigilância em saúde.
5. Inspirando-se nos Sistemas de Saúde socializados, garantiu-se o direito a saúde, também para aqueles que não tinham capacidade de pagar com suas próprias fontes de renda ou por meio da empresa na qual trabalhavam ou por terceiros.
6. Antes do SUS o direito a saúde, quanto ao seu componente assistencial, somente era garantido aos que tinham capacidade de pagar, aos que se inseriam no setor formal do mercado de trabalho e suas famílias – aos quais era garantido o acesso à assistência médica através da Previdência Social –, e aos que tinham algum tipo de proteção institucional (plano ou seguro de saúde) financiado por eles mesmos, por meio das empresas nas quais trabalhavam ou por terceiros.
7. Destaque-se: metade da população brasileira – os trabalhadores e as trabalhadoras do setor informal do mercado de trabalho, bem como suas famílias, residentes nas periferias das grandes metrópoles, pequenas cidades, povoados e regiões rurais – somente acessava aos pouquíssimos serviços de saúde públicos mantidos pela administração direta (Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde) e os hospitais filantrópicos.
Interdição das elites
8. Contudo, as conservadoras elites econômicas e seus agentes, interditaram politicamente a implantação do SUS – nacional, público e universal –, desde o seu nascedouro. Como? Sonegando-lhe recursos orçamentários.
9. No orçamento da União para 1989 os recursos da Saúde foram diminuídos e – pior – o governo federal descumpriu o que estabelecia o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988 (ADCT-CF) e não destinou 30% da receita da Seguridade Social para a Saúde (esse percentual era próximo ao que historicamente a Previdência Social alocava na Saúde). Com nefastas consequências: em 1990 eclodiu a desassistência e os jornais noticiaram mortes em várias cidades do país.
10. Por que deu-se este interdito?
11. Provavelmente interagiram, no mínimo, duas ordens de fatores:
a. aquelas elites lutam para manter nas suas mãos a reprodução e controle da força de trabalho, especialmente a do mercado formal, por meio de serviços médicos privados contratados, mas pagos pelo Estado por meio da renúncia da arrecadação fiscal;
b. uma política pública universal como o SUS, marcada pela solidariedade social, é contraditória com o conservadorismo das elites econômicas, de seus agentes políticos e dos endinheirados existentes na sociedade brasileira.
12. Saliente exemplo de radical oposição ao SUS foram os 26 vetos do presidente Collor na sanção da Lei Orgânica da Saúde – Lei nº. 8.080 (19/09/90).
13. Tais vetos incidiram sobre disposições que tratavam de dimensões estruturantes do Sistema, como a participação da comunidade e controle social do Estado, a gestão do trabalho, a estrutura organizacional do Ministério da Saúde e de órgãos federais da saúde, o Código Sanitário Nacional e os recursos orçamentários e financeiros, transferências e pagamentos. Ainda assim entre 1989 e 1990 os princípios constitucionais essenciais do SUS, foram incorporados nas constituições de Estados e às Leis Orgânicas dos Municípios brasileiros e Distrito Federal e, afora isso, disciplinados pela Lei nº. 8.080 (19/09/90) e pela Lei nº. 8.142 (28/12/90).
14. No caso desse último ponto, foram vetadas as transferências do Fundo Nacional de Saúde – FNS para Estados e Municípios, transferências automáticas e sem celebração de convênios entre entes federados e a alocação de recursos da União, Distrito Federal, Estados e Municípios, que não poderiam diminuir em relação à média dos últimos cinco anos, e no prazo de cinco anos o total de valores aplicados ao Sistema Único de Saúde – SUS deveria atingir 8% do Produto Interno Bruto – PIB.
15. Houvesse sido mantido o aprovado na ADCT da CF de 1988, e nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) entre 1989-1993, teríamos em 2011 na Saúde, somente de recursos da União R$147 bilhões (os recursos do Ministério da Saúde para 2011 foram de R$71,5 bilhões!), segundo trabalhos acerca do financiamento da Saúde no país.
16. Não bastasse isto, em 1993, os ministros da Previdência e Assistência Social e da Fazenda suspenderam o repasse de recursos do orçamento previdenciário para a Saúde, sem que houvesse aporte de recursos que os substituíssem.
17. Nova crise de desassistência e, depois de muitas pressões, o presidente autorizou a liberação emergencial de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a Saúde.
18. No biênio 1995-1996, diante da grave insuficiência do financiamento público, o ministro da Saúde propôs que fosse aprovada uma contribuição específica para que a Saúde passasse a contar com recursos a mais.
19. Entretanto, assim que o Congresso Nacional aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) somente para a Saúde, o ministro da Fazenda retirou do orçamento do Ministério da Saúde recursos de outras fontes, mantendo a insuficiência de recursos.
20. Dois anos depois, a CPMF começou a ser desviada para atender também a Previdência Social e depois ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. E o subfinanciamento público da Saúde se manteve e adquiriu os atuais contornos de condição fática crônica e anti-popular.
21. Em síntese, está em vigência há pouco mais de 21 anos o arcabouço jurídico-normativo que respalda a luta pela construção de um SUS que expresse o previsto na CF de 1988.
22. Durante a década de 1990 vários deputados federais apresentaram propostas no sentido de estabilizar a origem dos recursos para a Saúde.
23. Uma dessas proposições deu origem à aprovação da Emenda Constitucional nº. 29, de 13 de setembro de 2000 (EC nº. 29/2000).
24. O governo federal pressionou para estabelecer a obrigatoriedade de Estados e municipalidades investirem anualmente, respectivamente, 12% e 15% da sua arrecadação, sendo que a proposição original era de 10% para Estados e Municípios. Para a União, foi instituída a obrigatoriedade de alocar anualmente o valor investido no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). O que equivalia ao percentual de cerca de 1,8% do PIB. Revelava-se, assim, a esperteza do governo federal da época, a qual se repetiu, novamente, durante a votação da regulamentação da EC nº. 29/2000 – Lei Complementar nº. 141 (13/01/12) –, no final de 2011: para a União, ente federado que mais arrecada e retém tributos, não foi vinculado um percentual das suas receitas correntes brutas como parâmetro obrigatório para o investimento a ser feito na Saúde.
25. Desse modo, manteve-se a progressiva diminuição da aplicação de recursos na Saúde pela União, quando comparado com Estados/Distrito Federal e Municípios.
26. A título de ilustração:
27. -em 1980 a União investiu na Saúde 75%, ao passo que Estados/Distrito Federal e Municípios investiram 25% (17,80% de Estados/Distrito Federal e 7,20% de municipalidades);
28. -nos anos de 1995 e 2002, respectivamente, a União investiu 63,80% e 53,11% (Estados/Distrito Federal 18,80% e 21,64% e as municipalidades 17,40% e 25,25%;
29. -já em 2003 e 2010, respectivamente, a União investiu 50,69% e 44,93%; Estados/Distrito Federal 22,80% e 26,81% e as municipalidades 25,24% e 28,26%.
30. A EC nº. 29/2000 trouxe avanços institucionais. Os recursos aumentaram, embora insuficientemente, às expensas da ampliação das contribuições de Municípios, Estados/Distrito Federal e União, nessa ordem.
31. A partir de 2009 as municipalidades passaram a investir em média mais de 20% na Saúde, ou 30% a mais do que o mínimo constitucional. Já um conjunto de estados entre 2000 e 2008 deixaram de investir na Saúde R$ 27,6 bilhões de reais. Em relação à União, o débito é de cerca de R$ 25 bilhões de reais no período entre 2000 e 2010.
32. Ressalte-se, ainda com relação à década de 1990, que, no seu início, instituiu-se colossal renúncia da arrecadação fiscal da União que beneficiou diretamente estratos populacionais de renda média e alta, reforçando a desigualdade e a iniquidade!
Lutando para implantar o SUS
33. O Sistema Único de Saúde – definido na norma legal como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, ao qual se incorpora órgãos de vigilância em saúde (sanitária e epidemiológica), instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde –, foi se estruturando desde os anos 1990, articulando sua rede de prestação de serviços de saúde públicos com estabelecimentos de saúde privados conveniados ou contratados para complementá-la.
34. As forças políticas compromissadas com os interesses populares se empenharam em implantar o SUS, processo no interior do qual se destacaram a esquerda social e partidária e uma série de gestões da Saúde em cidades – no mais das vezes dirigidas por prefeitos filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT) – que se tornaram emblemáticas pela singularidade de suas experiências.
35. Lutando e operando contra a maré neoliberal durante toda a década, acelerou-se o processo de inclusão social pelo sistema público de saúde brasileiro, o que já vinha se dando desde o início dos anos 1980.
36. Nesse período, o SUS – de um lado uma política pública justa e racional, mas ainda recente, de outro uma reforma social com implantação heterogênea conforme a região do país – ganhou forma como um Sistema de Saúde que foi passando a prestar significativos serviços à maioria da população brasileira.
37. Organizou-se uma rede com dezenas de milhares de unidades ambulatoriais e milhares de unidades hospitalares. Sua produção anual registra dados volumosos, em bilhão, de procedimentos de atenção primária à saúde, enorme contingente, em milhões, de internações hospitalares, consultas médicas, partos, exames laboratoriais e atendimentos de alta complexidade, e significativa realização, em milhares, de transplantes de órgãos.
38. Agregue-se a isto, a execução de um conjunto de atividades e ações de vigilância sanitária e de controle de doenças.
39. Além disto, no curto período de construção do SUS, deu-se o impacto positivo nos indicadores de saúde, tais como: redução da mortalidade infantil, redução da mortalidade materna, redução de mortalidade proporcional por doenças infecciosas e parasitárias e o aumento da esperança de vida ao nascer da nossa população.
40. O Sistema é avaliado positivamente pelos que o utilizam rotineiramente e tem capilaridade em todo o território nacional.
41. Não obstante estes inegáveis avanços, a ofensiva das elites chegou hoje ao ponto de ameaçar a existência do SUS. Fazem parte desta ofensiva:
a. o sub-financiamento da Saúde pública;
b. as desonerações diversas, praticadas por Estados e municipalidades, e a significativa renúncia de arrecadação fiscal da União, que em 2006 equivaleu a cerca de uma terça parte do orçamento do Ministério da Saúde;
c. a maximização da lucratividade dos planos e seguros de saúde, às expensas do SUS: usuários que necessitam se submeter a procedimentos de alta complexidade e de alto custo, urgência e emergência, tratamento de doenças infecciosas e AIDS, tratamento de neoplasias, entre outros, são assistidos no SUS;
d. o não cumprimento adequado da Lei n°. 9.656 (03/06/98), que Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, segundo a qual deve ocorrer o ressarcimento ao SUS pelos atendimentos prestados aos usuários de operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde – assistência médica, hospitalar e odontológica – que, por força de contratos, as operadoras devem prestar.
42. Em 2000 foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, para regular as operadoras de planos e seguros de saúde privados e o ressarcimento ao SUS.
43. Nesse mesmo ano, Estados (São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo) e importantes municipalidades publicaram normas e organizaram equipes para assumir a realização das atividades de ressarcimento ao SUS descentralizadamente, remetendo para a ANS os processos já com o julgamento do mérito dos recursos, dentre outras providências.
44. No ano seguinte, a ANS centralizou as atividades de ressarcimento ao SUS na sua sede para, segundo informou-se à época, uniformizar os procedimentos adotados. Dez anos se passaram e o processo de descentralização de tais atividades não mais foi cogitado no âmbito do SUS, no Ministério da Saúde e na ANS. A atuação da ANS em relação a esta sua atribuição foi, sobremaneira, pífia no período 2001-2011.
As “Organizações Sociais”
45. Um grande passo para inviabilizar o SUS como Sistema de Saúde nacional, público e universal, se deu com a Lei n. 9637/98 que regulamenta as Organizações Sociais. A opção por privatizar a gestão através das OSs vai contra os princípios do SUS, que defendem um sistema estável organizacionalmente, com profissionais de saúde de carreira bem pagos e firmemente gerenciada.
46. Tal lei foi considerada inconstitucional e ilegal por procurador da Procuradoria Geral da República – Ministério Público Federal, em maio de 1998, sendo apresentada ao STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1.923/98, assinada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A esse respeito, embora vários ministros do STF já tenham proferido seu voto, aguarda-se há 13 anos o fim do julgamento do mérito dessa ADIn.
47. Em 1998, no Estado de São Paulo aprovou-se a Lei Complementar nº. 846 (04/06/98), que Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e dá outras providências, a base legal para privatização dos serviços públicos de saúde, que ancora várias iniciativas do Poder Executivo estadual e inspira os municipais, para eximir-se do cumprimento das indelegáveis competências e atribuições do Estado.
48. Experimenta-se, na maior cidade brasileira – com recursos públicos municipais, acrescidos de transferências federais, originários do Fundo Municipal de Saúde –, delegar para diversos entes privados a gestão de estabelecimentos de saúde públicos (hospital, ambulatório, centro especializado e unidade básica de saúde), o que acarreta diferenciados modos de gerir e articular serviços em função do que cada ente privado julga mais adequado operacionalizar.
49. Nesse experimento, estão sendo organizadas várias “Regiões de Saúde” controladas por entes privados, em porções do território do município, com todas as consequências negativas que isso pode agregar ao processo de atenção à saúde das pessoas, à introdução de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, à gestão do trabalho em saúde, à avaliação de resultados das ações e serviços e ao controle de recursos orçamentários e financeiros, ou seja, a perda objetiva do comando único do Sistema de Saúde pelo poder público municipal.
50. Experimenta-se ainda, no Estado de São Paulo, a delegação para entes privados da gestão de centrais de regulação de urgência e emergência e de leitos – serviços nevrálgicos para a garantia do acesso de cidadãos e cidadãs a dados níveis de assistência do Sistema de Saúde. A descentralização com coordenação regional e o co-financiamento estadual conjunto com os Municípios dos serviços de atenção primária e de urgência e emergência também não é efetivada, contrariando o arcabouço legal do SUS e, assim, sobrecarregando ainda mais as municipalidades.
51. No caso destes dois experimentos, o Estado privatiza e restringe o acesso das pessoas à prestação de serviços de saúde públicos e ou privados conveniados ou contratados pelo SUS, bem como deixa de participar do co-financiamento da atenção e de exercer seu papel de apoio à regionalização, sem participação da comunidade e controle social do Estado, que passa a ser controlado por organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) ou fundações ou associações privadas, vinculados a grandes instituições privadas proprietárias de hospitais e outros serviços de saúde.
52. Ressalte-se que, certas instituições públicas detentoras de hospitais, e mesmo instituições hospitalares estatais, também contam com fundações privadas a elas vinculadas, as quais também assumem a privatização do acesso, e
53. Outro grande passo concreto para inviabilizar o SUS foi a Lei Complementar nº. 101 (04/05/00), que Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.
54. A essência desta lei é contraditória com o fortalecimento e a defesa do SUS. Ou bem priorizamos o pagamento da dívida interna pública em detrimento do investimento nas políticas sociais; ou bem defendemos um modelo de gestão estatal com lógica pública, comprometido com a garantia dos interesses da sociedade e com a manutenção e preservação da saúde e da vida das pessoas, o que só se faz com eficiência, responsabilidade dos agentes do Estado no exercício de suas funções e defesa dos direitos dos usuários e dos trabalhadores da saúde.
55. Na Saúde, assim como outros setores intensivos em utilização de mão-de-obra, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº. 101/2000) impede a ampliação indispensável do número e da qualidade dos que executam as ações e serviços públicos de saúde, da administração direta ou indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Mesmo assim, a defesa desta Lei é atualmente hegemônica em governos e parlamentos, e mesmo em amplos setores do PT e da esquerda brasileira.
O desmonte
56. Passados 23 anos de sua criação, assiste-se a uma aliança entre conservadorismos de diversos matizes para desmontar o SUS e inviabilizá-lo definitivamente. Desde a elite econômica às empresas de planos e seguros de saúde privados ligadas a certos setores da categoria médica, dos meios de comunicação de massas à parcela das elites acadêmicas vinculadas ao mercado e entusiastas de soluções mercadistas para gerir a coisa pública, tais como: fundações de apoio em hospitais universitários estatais, OS, OSCIP e terceirizações as mais diversas.
57. Tal aliança conta com forte presença na burocracia do Estado brasileiro – nas três esferas de poder –, nos governos municipais, estaduais e mesmo no governo federal.
58. Retrato dessa situação foi a recente aprovação da regulamentação da EC nº. 29/2000 no Congresso Nacional citada anteriormente.
59. Argumentando não haver recursos para bancar a ampliação da participação federal no financiamento da Saúde (10% das receitas correntes brutas), a bancada governista desconsiderou também o relatório da subcomissão especial da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados encarregada de analisar o financiamento, reestruturação, organização e funcionamento do SUS, a qual identificou a escassez de financiamento do Sistema e propôs várias fontes alternativas que viabilizassem a criação de um novo tributo para financiar o setor, a saber: além do Projeto de Lei Complementar nº. 32/11 que institui a Contribuição Social para a Saúde, apontou-se a tributação de grandes fortunas (patrimônio sobre jatinhos, helicópteros, iates e lanchas), a remessa de lucros para o exterior e um imposto sobre grandes movimentações financeiras para transações acima de R$ 1 milhão.
60. Mesmo setores petistas anti-SUS – ignorando as imensas virtudes humanitárias e econômicas dos Sistemas de Saúde nacionais, públicos e universais, ou por enxergarem a Saúde como mercadoria – não medem as consequências políticas de sua atuação.
61. Num caso ou no outro, objetivamente, esses petistas agem demonstrando incompreensão quanto à significação da defesa da Saúde: trata-se da defesa da vida das pessoas frente – e contra – o mercado!
62. Ressalte-se igualmente sem quaisquer rodeios: a Lei Complementar nº. 141 (13/01/12), que regulamentou a EC nº. 29/2000, foi aprovada pelo Congresso Nacional sem a introdução de qualquer acréscimo de recurso federal, porém, como se não bastasse isso, foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff com diversos vetos. Frutos do aconselhamento dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda, alguns deles visam diminuir o montante dos insuficientes recursos alocados na Saúde, obrigatoriamente, pela União!
63. Parcela de governadores e prefeitos de importantes municipalidades age celeremente para privatizar os serviços públicos de saúde, contratando contingentes de profissionais com vínculos precários de forma clientelista e – frise-se – encontram nos parlamentos o apoio e a omissão de parte daqueles que deveriam representar os interesses da maioria da população.
64. Contraditoriamente, a falta de identificação dos segmentos organizados da população com a prestação de assistência pública e igualitária, como por exemplo os dirigentes do movimento sindical (inclusive na base cutista), que preferem não enfrentar o debate com suas categorias e mantêm os pleitos pelos planos de saúde privados em suas campanhas salariais, vem contribuindo também para o enfraquecimento da proposta de caráter publicista e universalista, reforçando a perspectiva de que ao SUS cabe atender à população mais pobre e em condições desfavoráveis de inserção no mercado de trabalho.
65. É preciso não perder de vista que a interdição política operada em relação ao SUS tem uma dimensão prática ou político-administrativa – a sonegação de recursos orçamentários – e uma dimensão discursiva ou político-ideológica – a sistemática veiculação pelos meios de comunicação da falácia de que o problema do SUS não reside no financiamento, mas exclusivamente na gestão.
66. Busca-se sedimentar na sociedade a rejeição às proposições que ampliam o financiamento público para o SUS e, simultaneamente, ocultar a falta de acesso de alguns milhões de pessoas ao Sistema, a necessidade de aprimoramento do acesso de outros tantos milhões, portanto, que se impõe ampliar e garantir a prestação de serviços de saúde públicos, sendo, no entanto, imperativo para concretizá-la a destinação de recursos novos para o SUS, ou melhor, recursos a mais que sejam permanentes.
67. Ou seja, o conservadorismo brasileiro, a um só tempo, foi o construtor político da condição atual do investimento de escassos R$1,98 per capita por dia e de somente 3,8% do PIB destinado à Saúde, ao contrário de outros países com Sistemas de Saúde nacionais, públicos e universais, os quais, em média, investem recursos públicos da ordem de 5,5% do PIB, e do estímulo ao clientelismo ao invés da adoção de gestão pública profissionalizada e qualificada no SUS e nos estabelecimentos de saúde. Além disso, o conservadorismo resiste tenazmente a reformas sociais populares e cultiva a tradição de gestão patrimonialista do Estado e dos programas públicos.
68. Cabe ressaltar que o subfinanciamento repercute também na dependência do SUS em relação à rede privada prestadora de serviços, o que dificulta a ampliação e qualificação da assistência em saúde e cria um problema de gestão a longo prazo.
69. Nas duas últimas décadas, a ampliação do número de leitos da rede pública foi insuficiente para fortalecer a capacidade de gestão e regulação estatal e alterar a histórica inferioridade numérica dos leitos públicos em relação aos privados. Outro desdobramento para a gestão do Sistema foi a distribuição dos serviços de saúde, cuja concentração se deu nas regiões Sul e Sudeste e, no território dos Estados, nas regiões metropolitanas.
70. Isso tem como consequência a delimitação de áreas de vazios assistenciais, fato reiteradamente demonstrado nos meios de comunicação como inoperância do Sistema diante das tragédias decorrentes da falta de atendimento à população.
71. Cabe ressaltar, ainda, que o subfinanciamento do SUS, para a população usuária, significa intensa repressão de demanda, insuportável congestionamento nos pronto-socorros e consultórios de especialidades, impossibilidade da atenção básica no seu desafio de vir a ser a porta de entrada preferencial do Sistema com alta resolutividade, e, finalmente, a permanência do predomínio de intervenções tardias: doenças preveníveis não prevenidas, doenças agravadas não atendidas precocemente e mortes evitáveis não evitadas.
A 14ª Conferência Nacional de Saúde
72. Foi neste cenário que foi realizada a 14ª Conferência Nacional de Saúde, de 30 de novembro a 4 de dezembro de 2011, e dentre suas mais relevantes deliberações destacam-se:
a. Gestão estatal da Saúde – do SUS e dos equipamentos de saúde em todos os níveis de atenção (unidade básica de saúde, ambulatório, centro especializado, centro de apoio diagnóstico e terapêutico, hospital e outros);
b. Modelo de atenção em saúde em conformidade com o arcabouço jurídico-normativo do SUS – constitucional e infra-constitucional;
c. Organização e ampliação, em todos os níveis de atenção, da rede pública de prestação de serviços de saúde;
d. Política de gestão do trabalho que contemple a organização de planos de cargos, carreiras e salários dignos para os trabalhadores da saúde do SUS, articulados a programas de Educação Permanente que reorientem processos cotidianos de trabalho no sentido da construção de autonomia e cidadania na saúde;
e. Estabilizar o financiamento público da Saúde mediante: aprovação da vinculação de 10% das receitas correntes brutas da União para a Saúde, retirada dos funcionários da saúde da base de cálculo da Lei de Responsabilidade Fiscal, fim da desvinculação de receita da União – DRU na Saúde, ampla e efetiva realização de ressarcimento ao SUS e progressiva diminuição da renúncia da arrecadação fiscal por parte dos entes federados, em especial a União;
f. Ampliar a participação da comunidade, o controle social do Estado e o controle social no SUS.
g. Contra as atuais iniciativas do governo federal, estaduais e municipais, de, incorporar as Comunidades Terapêuticas e as internações compulsórias como recurso regular em escala massivas do SUS. Esta modalidade de assistência reintroduz no país um novo parque manicomial, segregador, contraditório e autoritário aos princípios básicos da cidadania e da Reforma Sanitária.
O que fazer?
73. Do ponto de vista organizativo, decidimos constituir uma Coordenação Nacional de militantes da Saúde da AE – PT para orientar, acompanhar e articular os debates nos estados onde a AE está organizada, bem como estimular os companheiros e companheiras da Saúde que participe dos setoriais da Saúde nos Estados; incluir o tema Saúde nas Jornadas de Formação da AE – PT; realizar seminário sobre a Saúde e um novo modelo de Estado brasileiro, com ênfase em propostas em debate como a “Autonomia Gerencial para Unidades públicas prestadores de serviços do SUS: oportunidade e necessidade de regulamentação” do CEBES.
74. A Articulação de Esquerda tem claro que a consecução das referidas deliberações da 14ª Conferência Nacional de Saúde demanda vigorosa movimentação social e política, na qual é imprescindível o firme engajamento do PT e da Central Única dos Trabalhadores, entre outros sujeitos coletivos, em torno de dois objetivos centrais de curto prazo: criar condições, na sociedade brasileira, para que o governo federal exerça intenso protagonismo financeiro, técnico, administrativo e político no campo da Saúde e conter e reverter a sanha privatizante do SUS.
75. No entanto, em face da insensibilidade social e política de técnicos dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda, os quais ao analisarem o conteúdo do que viria a ser a Lei Complementar nº. 141 (13/01/12) sugeriram vetos que visam diminuir os já insuficientes recursos alocados na Saúde, obrigatoriamente, pela União, é fundamental que o PT propugne e apoie a derrubada desses vetos. Dentre eles, os mais nocivos dizem respeito à impossibilidade de previsão de créditos adicionais para a Saúde na hipótese de revisão do valor nominal positivo do PIB e à obrigação dos prazos fixados para que Estados e Municípios cumpram a implementação dos devidos percentuais orçamentários destinados à Saúde.
76. Além disto, consideramos que as propostas aprovadas na 14ª Conferência Nacional de Saúde no que tange à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e à Desvinculação dos Recursos da União (DRU) não contemplam as lutas históricas da esquerda social e partidária brasileira, que sempre se opuseram à retirada de recursos de investimentos sociais em benefício do capital financeiro e pagamento da dívida pública. Neste sentido, defendemos a regulamentação do artigo 37 da Constituição Federal no que tange à LRF a fim de não restringir o provimento de profissionais das políticas sociais sob responsabilidade estatal e a revogação da DRU.
77. Por fim, é importante avivar a memória dos lutadores sociais: os Sistemas de Saúde nacionais floresceram em países nos quais a classe trabalhadora e seus aliados lutaram com determinação, conseguindo que os governos centrais exercessem desassombrado protagonismo no campo da Saúde. Como resultado, tivemos a construção de bens sucedidos Sistemas de Saúde nacionais, públicos e universais, antecipando aqui e agora princípios que esperamos ver generalizados na construção do socialismo.
78. A defesa da vida, a ampliação dos recursos, a luta contra a privatização, a implantação do Sistema Único de Saúde, constituem não apenas uma exigência tática, mas também um componente de nossa estratégia democrático-popular e socialista.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Sobre ampliação do financiamento público da Saúde pela União
Conclamamos a militância a coletar assinaturas para apresentação do projeto de lei de iniciativa popular que defende o aumento dos investimentos públicos em saúde pela União para 10% da receita corrente bruta anual, uma vez que as novas regras de financiamento sancionadas pela presidenta Dilma Roussef, através da Lei 141/12, são insuficientes para atender ao disposto no artigo 196 da Constituição Federal, ou seja, garantir a Saúde como direito de todos e dever do Estado.
5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Em defesa dos princípios da reforma psiquiátrica
O processo brasileiro da Reforma Psiquiátrica é marcado pela luta da esquerda e dos movimentos sociais (Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental – MTSM, O Movimento Nacional da Luta Anti-manicomial, entre outros) na construção de um sistema de atenção não mais baseado em um sistema hospitalocêntrico psiquiátrico.
A Lei da Reforma Psiquiátrica 10.216/01 junto com outras leis estaduais de SP, DF, CE, PE, RN, RS, MG, PR e ES apresentam novos paradigmas para o acolhimento, que entende o usuário enquanto sujeito e prevê sua autonomia como um princípio da bioética. Com isso, a atenção da Saúde Mental redefiniu seu modelo com os Centros de Atenção Psico-Social (CAPSI), NASFs, Consultório de Rua, Residências Terapêuticas, Programa de Volta para Casa, Centros de Convivência, entre outros.
O decreto 7179/11da Presidência nomeado de Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras drogas está na contramão da Reforma Psiquiátrica quando desresponsabiliza o Estado com a Rede Pública da Saúde Mental e possibilita a contratação de Comunidades Terapêuticas, que são Instituições filantrópicas não laicas que reproduzem também uma concepção manicomial: processo de isolamento, negativa de políticas de redução de danos, etc.
Por todo o Brasil, em especial e nos governos de SP e RJ, estamos assistindo ações abusivas que criminalizam o usuário de substâncias psicoativas. As ações policiais reproduzem as contradições de classe com a criminalização da pobreza e a violações de direitos que nomeamos como um movimento de contra-reforma psiquiátrica.
Neste sentido, defendemos a revogação do decreto presidencial 7179/11 e a implementação das resoluções da IV Conferência Nacional de Saúde Mental ocorrida em 2010 a qual defende a humanização do SUS, a declaração universal dos Direitos Humanos e essencialmente a ampliação da rede substitutiva em saúde mental pública.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Nossa política para as cidades
Os dados do censo de 2010 apontam que 84,40% da população brasileira vivem nas cidades, consolidando a tendência de construção de um país cada vez mais urbano.
As fronteiras entre o rural e o urbano vão se tornando mais difusas, os hábitos e a cultura urbana penetram também o campo e cresce a importância das pequenas e médias cidades na rede urbana do país, não obstante as metrópoles sigam concentrando parte importante da renda, da riqueza e da população.
A cidade é, ao mesmo tempo, lugar de oportunidades civilizatórias e expressão das tendências à segregação e desigualdade que marcam nossa estrutura social.
As carências habitacionais, o déficit da infra-estrutura de saneamento básico, os problemas de mobilidade com os cada vez mais recorrentes congestionamentos de trânsito, a deficiência no atendimento das políticas sociais básicas e a violência urbana compõe um quadro comum a grande parte das nossas cidades.
A urbanização brasileira caracteriza-se historicamente por um modelo de expansão constante das fronteiras, expansão horizontal que gera vazios urbanos em seus espaços interiores para a reprodução do capital especulativo.
As favelas, cortiços e loteamentos clandestinos que marcam a paisagem das grandes, médias e pequenas cidades são funcionais para a segregação da população pobre e para a redução dos custos de reprodução da força de trabalho, inerentes portanto, ao funcionamento do capitalismo à brasileira ainda em pleno século XXI.
Como contraparte deste modelo, há a ocupação dos subúrbios metropolitanos pelos condomínios fechados das classes médias e da burguesia, replicando o padrão segregacionista em outra chave.
Há historicamente a produção e reprodução de um déficit habitacional que se expressa em carências e precariedades de todo tipo nas diversas regiões do país.
Dados do Ministério das Cidades, de 2009, apontam que o déficit habitacional é de 7,9 milhões de moradias em todo pais, correspondente a 14.9% do total de domicílios.
As maiores concentrações, em números absolutos, estão no Sudeste e no Nordeste, com déficit habitacional total de 2,9 e 2,7 milhões de domicílios respectivamente.
Os dados do Censo 2010 do IBGE revelam que habitam favelas, palafitas e assentamentos precários 11,42% da população de São Paulo, 12,96% de Belo Horizonte, 16,19% de Fortaleza, 22,16% do Rio de Janeiro, 22,85% do Recife, 33,07% de Salvador e 54,48% de Belém.
Em números relativos, os maiores percentuais de déficit estão situados na região Norte (22,9%) e Nordeste (20,6%). Na composição do déficit, destaca-se também aquele causado pelo “ônus excessivo com aluguel”, estando nesta situação 29% dos domicílios urbanos no Brasil (37,3% no Sudeste e 36,7% no Centro-Oeste).
Com a criação do Ministério das Cidades, em 2003, o governo Lula procurou focar suas ações visando prover moradias para suprimir o déficit habitacional em articulação com ações voltadas ao saneamento básico, mobilidade urbana e planejamento das cidades.
Depois dos pífios investimentos em habitação e infra-estrutura urbana observados nos anos neoliberais, podemos identificar nos últimos anos um aumento expressivo na oferta de crédito habitacional do segmento público, um aumento do volume de empréstimos no âmbito do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), nas aplicações do FGTS e na definição de novas linhas de orçamento para a urbanização de assentamentos precários por meio do PAC.
No setor habitacional, parte-se de investimentos da ordem de R$ 7 bilhões em 2002 para mais de R$ 62 bilhões em 2009. O SBPE aplicava R$ 1,7 bilhão em 2002 e em 2009 atingiu um patamar de investimentos de R$ 33 bilhões.
Segundo dados de publicação do IPEA, na faixa de renda entre zero e três salários mínimos, na qual se concentra o déficit habitacional, foram aplicados 32% dos investimentos em 2002, contra 77% em 2007 e 64% em 2008 e 2009, período em que foram criados novos programas como o Crédito Solidário (em 2004), o PAC Urbanização de favelas (em 2007) e o Minha Casa Minha Vida (em 2009).
Em especial, o Minha Casa Minha Vida, estipulou como meta inicial a produção de um milhão de moradias para famílias com renda até 10 salários mínimos, em parceria com estados, municípios e iniciativa privada, com investimentos da ordem de R$ 34 bilhões, com potencial para reduzir em 14% o déficit habitacional do pais. Posteriormente, com a edição da MP nº 510/2010, foi estipulada a meta de construção de mais dois milhões de moradias até 2014.
Na faixa de renda até três salários mínimos foram contratados na primeira fase do MCMV, em 2009 e 2010, cerca de 626 mil unidades habitacionais, e para as famílias com renda de 3 a 10 salários mínimos foram contratados quase 492 mil unidades habitacionais.
Observa-se, no entanto, que mesmo que o PMCMV traga inovações no marco da regularização fundiária de assentamentos urbanos consolidados – o que deverá facilitar a obtenção da titularidade das unidades habitacionais em nome dos beneficiários finais, – e preveja a obrigatoriedade da assistência técnica à habitação de interesse social e ao acompanhamento da execução das obras por representantes dos beneficiários, é notório seu afastamento do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social.
Por alterar as formas de atendimento habitacional e reforçar a atuação do setor privado na habitação de interesse social, os efeitos do PMCMV sobre a Política Nacional de Habitação já se fizeram sentir, haja vista que as metas do Plano Nacional de Habitação (PlanHab) foram revisadas e reduzidas recentemente, em função de custos e preços praticados em empreendimentos no âmbito do PMCMV, os quais passaram a ser adotados também pelo PlanHab.
A Reforma Urbana
Caudatária das lutas do povo pobre contra a segregação e as péssimas condições de moradia nas grandes cidades brasileiras durante a primeira fase da industrialização do país, a bandeira da Reforma Urbana ganhou relevo no movimento pelas Reformas de Base durante o governo João Goulart, quando se acelerava o processo de urbanização do Brasil na esteira da intensa industrialização da década de 1950.
O Brasil rural de 1950, em que 64% da população vivia no campo, rapidamente cedeu terreno ao Brasil urbano: em 1960, já 45% da população vivia nas cidades, número que chegará a 56% em 1970, em plena ditadura militar.
A pauta da Reforma Urbana de 1963 - construção massiva de moradias populares, controle do preço dos aluguéis, subsídios à população de baixa renda, agilização dos procedimentos de desapropriação por interesse social, controle da especulação imobiliária – foi sufocada pela ditadura militar. Mas a ditadura não conseguiu conter os processos sociais inerentes à rápida urbanização.
A jovem classe trabalhadora brasileira lentamente voltou a ocupar o cenário e ressurgiu com força no final da década de 1970, nas lutas diretas contra o patronato, mas também nos novos movimentos urbanos, pressionando o Estado em busca dos direitos básicos como acesso à moradia, saneamento básico, transporte público, saúde e educação.
Para a população, o acesso à moradia, transporte de qualidade, atendimento médico, saneamento básico, são valores de uso essenciais à vida.
Mas na dinâmica da cidade capitalista, a inversão pública em melhoramentos urbanos visa atender aos interesses e necessidades do Capital.
Assim, os grandes loteadores, construtores, incorporadores imobiliários, empresas privadas concessionárias de serviços públicos, empresários do setor de transportes urbanos tornaram-se agentes cada vez mais atuantes e orgânicos no processo de crescente espoliação urbana que dominará a cena brasileira nos últimos trinta anos.
O desenvolvimentismo conservador e, posteriormente, os anos neoliberais foram acompanhados da ampliação da pobreza urbana. Hoje, mais de 84% da população mora nas cidades. Cresce a segregação territorial, com a proliferação de condomínios fechados e a expulsão dos pobres das áreas centrais valorizadas.
Esta realidade se expressa também em outro elemento estruturante da formação social brasileira: a opressão e discriminação racial contra negros e negras.
Um componente importante do racismo à brasileira é a segregação espacial que fica manifesta nos dados do Censo 2010: a população negra (pretos e pardos na classificação do IBGE para o censo) corresponde a 49,89% do universo global da população, mas corresponde a 68,33% d os moradores das favelas.
Grande parte dos assentamentos que concentram a população pobre, com renda até 3 salários mínimos, a par da situação fundiária irregular, é implantada em encostas íngremes, áreas alagadiças e solos instáveis, em situações que expõem a população a riscos de tragédias urbanas que sistematicamente vêm se consumando ao longo dos anos por ocasião das chuvas.
A ausência de saneamento básico é responsável por grande parte dos problemas de saúde pública e uma agressão direta ao meio ambiente.
A carência crônica de transporte coletivo de qualidade, com a concentração do setor em mãos de monopólios privados altamente predatórios e lucrativos; a concentração das concessões de serviços públicos fundamentais como a energia elétrica e a telefonia em mãos de grandes grupos privados, que impõem altos custos tarifários e péssimos serviços; a escalada da violência urbana e a crise da segurança pública ajudam a compor o dramático quadro da vida nas cidades brasileiras neste início de século.
O enfrentamento deste conjunto de problemas exige uma compreensão global da dinâmica urbana e das forças sociais que atuam neste cenário.
A mercantilização das cidades ganha terreno também na esfera cultural, como denota o lugar que os shopping centers ocupam no imaginário e na representação que a população faz dos lugares de encontro e lazer cotidiano.
A Reforma Urbana ganha então sentido como plataforma de um amplo movimento que luta pelo “direito à cidade” como espaço de vivência comunitária e fruição dos bens materiais e culturais necessários à vida civilizada, incorporando a dimensão ecológica nesta perspectiva.
Habitação digna para todos supõe a preservação dos mananciais e dos manguezais, a não ocupação de encostas e solos instáveis. Transporte coletivo de qualidade, com a ampliação radical das linhas dos metrôs e a criação de ciclovias, é parte fundamental na solução do problema da poluição do ar.
A plataforma da Reforma Urbana também se materializa na necessidade de investimentos estatais massivos em habitação popular e saneamento básico, grandes obras públicas de infra-estrutura de transporte coletivo e equipamentos sociais das periferias das grandes e médias cidades.
Para garantir o atendimento à população de baixa renda, será fundamental que se incorporem subsídios significativos aos financiamentos, que se rompa a inércia da burocracia dos bancos públicos e que o Conselho Monetário Nacional institua normas obrigando os bancos privados a criarem linhas de financiamento acessíveis a esta faixa de renda.
Da mesma forma, os programas de regularização fundiária precisam ser massificados, o que já é possível nos marcos do Estatuto das Cidades.
Ademais, é importante o avanço na aplicação de mecanismos urbanísticos previstos nesta legislação, como a outorga onerosa do direito de construir, a edificação compulsória, o IPTU progressivo, o direito de preempção e a instituição de áreas de interesse social.
O recente episódio da brutal repressão à ocupação urbana do Pinheirinho, em São José dos Campos/SP, expressa com nitidez a virulência com que a classe dominante maneja os aparatos de estado burguês para impor a defesa da propriedade privada e recoloca com força a necessidade de adoção urgente de instrumentos de combate à especulação imobiliária, com mecanismos mais ágeis e eficazes de desapropriação por interesse social aplicáveis aos casos flagrantes de especulação e valorização dos latifúndios urbanos, além de impor aos especuladores e proprietários de grandes glebas urbanas constrangimentos legais que vedem as arbitrariedades nos processos judiciais de reintegração de posse, dando materialidade ao principio da função social da propriedade.
Especial relevo na atual conjuntura tem a questão dos serviços públicos que foram concedidos para a iniciativa privada.
A população é diretamente atingida pelas altas tarifas de água, energia elétrica e telefonia, preços “administrados” que compõem a maior fatia da inflação aplicada à cesta de consumo das camadas populares.
É necessário recolocar no debate público a questão da reestatização destas empresas, pressionando desde já pelo estabelecimento de padrões mínimos de atendimento, tais como: tarifas sociais para a população de baixa renda, proibição de corte por inadimplência dentro de limites legais que garantam as necessidades básicas de sobrevivência das famílias, obrigatoriedade de aplicação de parte dos lucros em programas sociais.
Em vários casos, a luta contra estes monopólios tem também um conteúdo antiimperialista, haja vista que parte significativa destas empresas é constituída por subsidiárias de grandes multinacionais envolvidas em fraudes e escândalos em seus países de origem.
Igual destaque deve ter a luta contra os monopólios privados do transporte urbano. A transparência no controle das planilhas de custo do setor é uma necessidade para a qual o poder público e as organizações da população devem focar seus esforços, assim como a extensão de programas de integração como o bilhete único e a progressiva cobertura do metrô nas grandes cidades.
Trata-se em suma de, em torno da bandeira da Reforma Urbana, condensar e popularizar a luta por um amplo conjunto de direitos que configurem uma vida digna nas cidades, e a partir daí impor derrotas objetivas aos mecanismos de mercantilização e reprodução do capital vigentes que têm no uso dos processos de urbanização a sua força motora.
Como parte integrante do programa democrático-popular, a Reforma Urbana articula-se com os demais componentes e as várias dimensões deste programa. Especialmente com a Reforma Agrária, pelo papel que esta pode cumprir no estabelecimento de um novo padrão de desenvolvimento das cidades médias e pequenas, abordando a questão da atividade agroindustrial numa perspectiva antagônica ao agronegócio predatório, re-equilibrando a rede urbana com maior oferta de empregos de qualidade
Crise urbana, crise ambiental e cidades sustentáveis
No atual estágio do capitalismo podemos caracterizar o agravamento de uma “crise urbana”, que se manifesta de forma exacerbada nas metrópoles, mas não apenas nelas, e se reflete na problemática habitacional, na deficiência dos transportes, na violência urbana, no déficit crônico dos serviços sociais.
Ao lado e como contraparte inseparável da “crise urbana”, há uma “crise ambiental”, que se manifesta, por exemplo, no aumento das emissões de carbono que agravam o efeito estufa e causam as bruscas mudanças climáticas, resultantes de modelos energéticos baseados em combustíveis fósseis ou não renováveis e altamente poluentes.
Ambas, crise urbana e crise ambiental, expõem contradições insolúveis nos marcos do modo de produção capitalista, e são manifestações da crise geral deste modo de produção.
A dinâmica de reprodução ampliada do capital que leva a uma crescente automação dos processos de produção, trás consigo também uma concentração de enormes volumes de poder e capital em mega corporações oligopólicas transnacionais que passam a controlar setores estratégicos das cidades, como fornecimento de água e alimentos, fontes de energia, redes de transportes e comunicação.
Ao lado da concentração em oligopólios e da precarização do trabalho, acrescente-se mais uma contradição estrutural do capitalismo: o aumento vigoroso das atividades produtivas industriais corresponde a um crescimento exponencial do dano ambiental. Isso quer dizer, em outras palavras, que os países menos desenvolvidos não poluem menos porque são mais eficientes e sim porque são mais pobres.
O modelo produtivo é igualmente insustentável, pois a opulência das nações “adiantadas” no mercado internacional se alimenta em muito da miséria e da super-exploração dos recursos humanos e materiais da periferia do mundo capitalista.
Diante de tal crise, as “soluções” ditas eco capitalistas são inócuas ou insuficientes, uma vez que evitam a associação das catástrofes ambientais com as contradições do modo de produção e consumo capitalistas.
À desequilibrada equação da apropriação privada dos recursos naturais e das riquezas com a socialização da poluição e do prejuízo ambiental, é contraposta uma suposta infalibilidade da ciência e do progresso indefinidos como “saídas” para crise.
Mas a ciência não é uma força produtiva neutra e tanto pode servir à liberação das energias criativas da humanidade para a solução dos problemas como ficar aprisionada nos limites dos interesses do grande capital, o que tende a agravá-los.
Segundo dados de 2004 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), as emissões de gás carbônico dos países mais industrializados correspondem a aproximadamente 80% das emissões totais, com viés de alta, enquanto as emissões dos demais países tendem a se estabilizar em 20%. Inversamente, no entanto, os países do primeiro bloco somam menos de 20% da população mundial (1,2 bilhão de pessoas).
No Brasil, segundo dados de 1994 do Ministério do Meio Ambiente, em relação às emissões de CO2, 55% estão relacionadas a mudanças no uso da terra e florestas, outros 25% diretamente à agropecuária e 17% à produção energética. Estes dados revelam que grande maior parte das emissões está ligada à estrutura fundiária imutável e ao perfil agroexportador que marca a economia brasileira. A indústria comparece com apenas 2% do total das emissões.
Isso nos leva à importante reflexão entre as relações cidade-campo, opondo ao modelo pró-capitalista da “economia verde” um outro modelo que incorpore o conceito de cidades sustentáveis.
A sustentabilidade socioambiental deve entrar como uma variável estrutural dos paradigmas de produção e consumo e do planejamento participativo integrado das regiões metropolitanas e das demais escalas de planejamento ambiental (regiões, biomas, microrregiões).
Uma simbiose sustentável entre cidade e o campo pressupõe uma concepção renovada de desenvolvimento com equilíbrio e distribuição de renda. Ela se assenta sobre um planejamento integrado da expansão territorial, respeitando as particularidades locais e o interesse social das comunidades. Supera a lógica restritiva da habitação vinculada exclusivamente ao mercado imobiliário, e vai ao encontro do significado amplo do conceito de habitabilidade: moradia, saúde, saneamento básico, qualidade de vida, emprego e renda, direito à cidade e meio ambiente saudável.
O objetivo de transformar as cidades em modelos sustentáveis, capazes de cumprirem seu papel socioambiental de forma adequada, menos dependentes do petróleo, mais integradas à natureza e mais resilientes, isto é, mais resistentes e capazes de superar crises externas, tanto econômicas quanto ecológicas, torna imperiosa a capacidade de mobilização social para interferir num planejamento urbano de longo prazo, para construção de políticas sustentáveis efetivas e democráticas com participação popular.
Do ponto de vista prático, é fundamental integrar uma perspectiva socioambiental a alguns programas que ampliem sua referência junto a diversos segmentos organizados da sociedade, tais como: a qualidade da educação nas escolas, a preservação do patrimônio histórico-cultural, a requalificação do turismo e o desenvolvimento territorial urbano.
Lidar com os resíduos do consumo, por exemplo, exige uma ruptura com o sistema linear, fundado no petróleo, em que se emite carbono para devastar as escassas matérias-primas numa ponta e se geram calor e uma montanha crescente de lixo na outra. Deste modo, se poluem o ar, a água e os alimentos. Este modelo causa mudanças climáticas, injustiça social e é insustentável.
Contrapor-se a esta tendência supõe também tornar os espaços edificados e de uso comum mais ricos em termos de áreas verdes, de fauna e de flora, recompondo a biodiversidade urbana numa inversão que compreende atenção aos serviços ambientais, isto é, trabalhar para regenerar a capacidade da natureza de fornecer qualidade de vida, conforto ambiental e comodidades, como um valor a ser considerado prioritário no ordenamento urbano.
Mas é preciso deixar claro que entrar em sintonia com os postulados da Conferência de Nagoya e avançar nas conquistas dos movimentos organizados em torno de legislações urbanísticas que contemplem soluções sustentáveis para a produção do espaço, para o consumo consciente e para a reciclagem dos resíduos, atendem em parte aos objetivos de reformas sociais dentro de um programa mais amplo, uma vez que nosso propósito histórico não é salvar o capitalismo.
Trata-se de atuar para tornar cada vez mais claro para as amplas massas da população que o capitalismo leva à degradação ambiental e aos desastres naturais, ameaçando levar o planeta ao colapso e construir a compreensão de que a transição socialista deve ser capaz de construir o acúmulo de forças objetivas e subjetivas que leve a humanidade a uma alteração radical na matriz de produção e consumo capitalistas.
As tarefas do PT e dos movimentos populares urbanos
A luta pela Reforma Urbana apóia-se na trajetória do movimento popular, que tem no Fórum Nacional de Reforma Urbana um importante ponto de articulação e unificação de lutas, nas contribuições de vários intelectuais que vem refletindo sobre a questão urbana no Brasil há várias décadas e na experiência de governos municipais e estaduais do PT e dos demais partidos de esquerda, bem como em algumas realizações e propostas dos governos federais petistas nos mandatos Lula e Dilma.
Por si só, a criação do Ministério das Cidades foi um passo adiante na consecução de ações articuladas para enfrentar os problemas colocados, mas o fato de ser dirigido desde 2005 por um setor de direita da coalizão governamental impôs grandes limitações no avanço da agenda da Reforma Urbana.
As tarefas do PT e dos Movimentos Populares Urbanos consistem em articular luta social e luta institucional visando garantir a ampliação do investimento em moradias populares, saneamento básico e mobilidade urbana, e fazê-lo de modo a que os processos de participação popular conquistem protagonismo e hegemonia nas decisões de investimentos, invertendo a lógica das definições a partir dos interesses das grandes construtoras, empreiteiras e empresas operadoras de transportes urbanos.
Além disso, devemos buscar garantir que os instrumentos legais essenciais ao avanço da agenda da Reforma Urbana, que chegaram a ser contemplados pelo Estatuto da Cidade, mas que em grande medida tiveram pouca efetividade.
Em várias cidades e estados está colocada também a luta contra a privatização dos serviços essenciais ou re-estatização dos serviços que passaram para a iniciativa privada durante os anos dos governos neoliberais tais como saneamento básico, energia elétrica e transporte urbano.
É parte da disputa material e ideológica na sociedade garantir que estes serviços essenciais à reprodução da vida não fiquem sujeitos à lógica predatória do lucro capitalista, pois nas médias e grandes cidades o empresariado ligado a estes empreendimentos tem constituído uma parcela significativa da burguesia urbana.
Dentre esses serviços, destaca-se o transporte público urbano, que constitui um elo fundamental no acesso dos trabalhadores e da juventude ao trabalho, à saúde, à educação, ao lazer e à cultura. Neste setor o investimento público deve ser massivo, seja para construir empresas públicas de transporte, seja para garantir a qualidade e o baixo custo de seu uso para população.
Os movimentos sociais e o PT devem também se dedicar à tarefa de repensar o modelo de cidade que temos reproduzido, fruto do modo de produção capitalista.
É importante que haja um planejamento urbano democrático que enseje uma distribuição mais equilibrada do conjunto de serviços e atividades pelo território urbano, com preservação e recuperação dos recursos naturais e da paisagem. O PT e os movimentos populares urbanos devem se mobilizar em torno de lutas concretas que dialoguem com este objetivo.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Sobre o Setorial de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT
O contexto em que está inserida a militância ambientalista petista é povoado por tensionamentos que decorrem, principalmente, do papel desempenhado pelo partido na institucionalidade e das disputas no interior do movimento ambientalista como um todo.
A relação com as políticas emanadas dos vários órgãos, especialmente do Ministério do Meio Ambiente e das Secretarias de Meio Ambiente, bem como a concepção política global dos governos e prefeituras petistas, têm sido o mote das teses e debates no Setorial.
A busca de influenciar estas políticas tem como marco mais recente a formulação da proposta de campanha da Dilma, submetida ao crivo de uma comissão que incorporou boa parte da contribuição no programa de governo, embora de forma compartimentada, ou seja, com pouca relação com a visão de planejamento do Estado como um todo. Como conseqüência, tem-se o efeito retórico da sustentabilidade como parte do programa, mas sem ocupar papel central como eixo das políticas sociais e econômicas.
Ao mesmo tempo, a existência de uma candidatura “ambientalista” da ex-petista Marina Silva e seu grupo, as disputas com o PSOL e com o esquerdismo na base do movimento, tensionadas pelos limites políticos dos dois primeiros governos Lula e pelos fortes interesses empresariais implicados, são fatores que sempre incidiram e incidem sobre as posições expressas no Setorial.
Política ambientalista da AE
Qual é a concepção de desenvolvimento defendida pela corrente? Qual é a natureza da crise que pretende superar? Como trata o tema da “sustentabilidade”? E como enxerga a materialização prática de uma nova forma equilibrada e integrada de sociabilidade humana, entre si e com a natureza? Qual a avaliação que fazemos das políticas dos governos petistas e aliados nas esferas: federal, estaduais e municipais? Como as instâncias partidárias têm se apropriado das discussões? E como a militância o setorial do meio ambiente tem se posicionado diante deste contexto?
Os caminhos para as respostas a todas essas questões não são simples, mas devem ser tratados quando da formulação de proposta geral de atuação, a partir de um balanço crítico da atuação do Setorial até agora.
A AE deve colocar o debate ambiental num novo patamar. Em primeiro lugar, no processo da disputa interna, formulando e apresentando posições politizadas e avançadas na linha ecossocialista, que norteiem a organização do Setorial do PT, que dialoguem com a diversidade das concepções no movimento ambientalista e que incidam positivamente nas políticas dos governos petistas e aliados.
A AE dispõe de quadros e de uma cultura política capaz de apresentar contribuições que impactem nas formulações teóricas em curso no Setorial de Meio Ambiente. Mas isso exige, além do acúmulo e domínio do assunto, uma identidade e dedicação, que implica numa construção articulada nos Estados e não somente no momento pontual da disputa nos Encontros.
Além disso, devemos participar do processo de acúmulo de força e construção do movimento ambientalista, no contexto da penetração social do debate na mídia e na sociedade. Especialmente num momento em que se dá continuidade à votação da revisão do Código Florestal no Congresso Nacional e num ano de Conferência da ONU no Brasil (Rio+20), em que se revê toda a pauta ambiental decorrente dos sucessivos fracassos maiores ou menores nas negociações internacionais sobre as mudanças climáticas (COPs Copenhague, Cancún e Durban).
Por fim, mas não menos importante, é fundamental que a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT possa contribuir para superar o economicismo nas políticas governamentais, expresso seja num adesismo acrítico ao governismo, sem compromissos palpáveis com a pauta ambiental, seja numa condição marginal na definição das políticas públicas prioritárias dos governos, mesmo nos de situação.
Por isso é importante que colaboremos para que o Setorial assuma respeitabilidade e referência, para inserir progressivamente as variáveis ambientais nas políticas estruturais urbanas, habitacionais, educacionais, de saúde etc., que proporcionam melhorias na qualidade de vida da classe trabalhadora brasileira.
As políticas dos governos movimentam uma grande soma de recursos materiais e são peça chave para contraposição à exploração destrutiva do privatismo capitalista. Elas podem ajudar a controlar as emissões de carbono e o aquecimento global, implementar modelos energéticos renováveis e desmitificar as ideologias do consumismo e do "progresso infinito". Esta é uma disputa central que se busca inserir também no âmbito dos mais diversos movimentos sociais organizados.
Cabe à classe trabalhadora papel destacado para evitar a hecatombe e a barbárie, a partir da crítica radical ao modo de produção e consumo capitalista e da defesa do socialismo com democracia e sustentabilidade.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Sobre grandes obras
As nossas ações de governo não devem repetir os métodos e as consequências do desenvolvimentismo conservador, que marcou a história do Brasil durante o século passado.
Por isto, as obras necessárias ao desenvolvimento - como é o caso da construção de hidroelétricas - devem levar em conta os direitos humanos das populações afetadas, os direitos sociais dos trabalhadores envolvidos, a proteção ambiental e o papel de cada empreendimento na cadeia produtiva, por exemplo o uso da energia gerada.
No caso de usinas como Belo Monte, da ferrovia Leste-Oeste e outras obras, consideramos insuficiente o que se fez até agora no sentido acima descrito.
Neste sentido, faremos chegar ao Partido e ao governo a necessidade de novas medidas de proteção da biodiversidade, de proteção dos povos ribeirinhos, pescadores, povos indígenas e dos trabalhadores, bem como a necessidade de não interditar o debate sobre o modelo de desenvolvimento.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação de Esquerda
Apoio à luta contra às PPPs e privatizações
No início da gestão da presidenta Dilma foram anunciadas as privatizações de aeroportos e rodovias, a transferência dos sistemas metroferroviários urbanos para os estados, além da continuidade dos Leilões das Bacias de Petróleo.
Recentemente cogita-se a transferências aos estados dos sistemas de trens urbanos de Belo Horizonte e Recife, também administrados pela CBTU.
Os estados por sua vez já anunciaram que pretendem transferir a exploração dos sistemas à iniciativa privada, o que provocará o aumento do valor das passagens, a precarização dos serviços e das condições de trabalho, a fim de garantir os lucros privados.
Nos opomos a todas as políticas de privatização do Estado e chamamos a classe trabalhadora e o povo a apoiar a luta dos metroferroviários e demais setores ameaçados pelas PPPs (parcerias público-privadas) e privatizações.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso da Articulação da Esquerda
Atuação em parlamentos, governos e eleições
Aos 32 anos, o PT consolidou uma experiência que nos permite apontar tanto as potencialidades, quanto os imensos limites da atuação institucional, especialmente quando não temos pressão social suficiente para contornar os limites do Estado burguês, nem votos suficientes para alterar de maneira mais intensa a correlação de forças e reformar a institucionalidade.
Também aos 32 anos, são cada vez mais evidentes os processos de burocratização, despolitização e degeneração sobre a vida orgânica do Partido. E está evidente, também, uma redução da criatividade programática e política do Partido;
Ao tempo que há enormes limites, continuam existindo também imensas possibilidades, tanto no terreno legislativo quanto no terreno executivo. Mas para aproveitar tais possibilidades, é necessário atualizar o chamado modo petista de governar e o modo petista de legislar.
Contribuiremos para isto publicando um documento orientador para as nossas candidaturas aos executivos e parlamentos. Tal documento adotará as seguintes diretrizes:
1.a defesa de mandatos partidários, entendendo-se por isto não apenas a disciplina partidária, mas principalmente o respeito ao programa democrático-popular & socialista do PT;
2.a defesa de mandatos fortemente vinculados aos movimentos sociais e ao conjunto dos interesses da classe trabalhadora;
3.a defesa de um desenvolvimento democrático-popular, com reformas estruturais, destacadamente a reforma tributária, a reforma política, a democratização da comunicação, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma da educação, a implementação do SUS;
4.o controle social do Estado e a ampliação das liberdades democráticas em todos os terrenos da vida, incluindo aí a defesa dos direitos das mulheres, dos jovens, o combate ao racismo e à homofobia;
5.a defesa de uma política de integração do Brasil na América Latina e Caribenha, bem como a defesa de uma política externa antimperialista, de defesa da paz e de uma nova ordem mundial.
Do ponto de vista organizativo, aprovamos a criação, no âmbito da DNAE, de uma secretaria nacional institucional, composta por um/uma dirigente e um coletivo, com as seguintes tarefas e atribuições:
a) articular o diálogo entre a bancada da AE no Congresso Nacional e a Dnae;
b) articular o diálogo entre os militantes da AE que fazem parte do governo federal, estimulando a mesma dinâmica nos níveis estadual e municipal;
c) fazer um levantamento da presença institucional da AE;
d) contribuir para a divulgação das ações dos mandatos executivos e legislativos de militantes da AE;
e) compor o mapa das candidaturas de militantes da AE às eleições 2012 e propor prioridades políticas-eleitorais e coordenar nossa intervenção nas campanhas eleitorais;
f) socializar a agenda governamental e parlamentar para o ano de 2012, em todos os níveis;
g) realizar atividades nacionais com nossos parlamentares, tendo como um dos objetivos a reflexão acerca de nossa atuação institucional;
h) acompanhar o trabalho institucional do Partido, subsidiando a Dnae e o conjunto da tendência nos debates a respeito;
i) acompanhar e dar assistência ao trabalho dos militantes da AE que atuam em parlamentos e governos, divulgando as experiências acumuladas em diversas frentes e níveis de atuação institucional, buscando suprir a carência de informação e reflexão a respeito, tanto do ponto de vista político quanto técnico;
j) estimular a tendência e o Partido a debater os temas vinculados a frente institucional, produzindo periodicamente textos a respeito.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso Nacional da AE
Sobre história e memória
Em 2013, a AE completará 20 anos de existência.
Realizaremos um ato político em setembro de 2013, no aniversário do seminário que fundou a AE.
Por ocasião deste seminário, serão apresentados os resultados do Projeto de memória e história da AE.
Caberá à DNAE definir as linhas gerais do projeto, proporcionar as condições materiais necessárias e designar os militantes responsáveis por sua execução.
Brasília, 5 de fevereiro de 2012
Congresso Nacional da AE