segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Entrevista da prefeita Luizianne Lins

Qual a marca que a prefeita Luizianne Lins deixa para Fortaleza?

Luizianne Lins – Vou partir do princípio que estou deixando uma cidade radicalmente diferente da que eu recebi, em todos os sentidos. E, principalmente, a alma da cidade. Acho que a alma da cidade foi tocada verdadeiramente. Acho que a cidade foi descoberta pelo Brasil. Os índices oficiais do Ministério da Saúde, do Ministério do Trabalho são impressionantes. Não vi nenhuma cidade no Brasil que teve tanto legado virtuoso, no ponto de vista que a cidade aconteceu.  Como marca, acho que a gestão se caracterizou por começar a construção de um projeto de cidade. Porque essa cidade tava tão defasada do ponto social, político, de cultura política, postura política, que deixamos a marca de perceber, de olhar pra cidade de forma diferenciada. Invertemos a pauta da cidade. Olhamos pro povo mais pobre. Compreendemos que Fortaleza é uma cidade apartada socialmente e juntamos a cidade. Somos responsáveis por inaugurar o primeiro espaço de massa, de socialização das pessoas, que foi o Réveillon. Em sete anos nessa travessia, onde não houve um problema de violência, de denúncias policiais ou coisas do tipo. O evento foi todo caracterizado por uma paz absoluta, de juntar as pessoas mesmo com classe social diferenciada, idade diferenciada, orientação sexual diferenciada. E dá certo e sempre foi caracterizado pelo fenômeno da paz. Isso pra mim é muito forte. Não acho que isso vem por acaso, mas de uma coisa anterior. Porque nós melhoramos em todas as áreas. Por exemplo, essa preocupação da marca do social envolve a diminuição das áreas de risco, da estruturação da defesa civil, que até então só existia defesa civil estadual. Nós começamos a criar e estruturamos a defesa civil municipal. Nenhum cidadão morreu vítima de alagamento ou vítima de problemas nas áreas de risco, que tínhamos muitas. Uma gestão que se caracterizou, por exemplo,  por uma questão forte do pensamento ambiental. Recuperamos lagoas que estavam se acabando e ninguém falava nisso. Ninguém falava em preservar o patrimônio ambiental da cidade. Nós vamos deixar a marca do resgate do patrimônio histórico e cultural da cidade, que também nunca teve. Fortaleza era uma cidade muito largada, que não tinha essa consciência. Deixamos uma cidade com muita virtuosidade no sentido de investimentos. Fortaleza hoje é a cidade do Nordeste que mais abre pequenas e médias empresas. Uma cidade que fez com que a periferia se sinta no direito de cobrar os direitos dela, assim como a área nobre sempre cobrou. A marca da Fortaleza Bela pra nós traz um conceito de cidade para além da infraestrutura física, que nós também melhoramos e fizemos grandes obras. Nós também soubemos fazer a Fortaleza Bela porque nós pegamos uma cidade cheia de lixo. Nós regularizamos a coleta, nós pegamos a cidade com muitos problemas de infraestrutura e resolvemos uma boa parte. Mas a Fortaleza Bela pra nós é uma utopia de cidade que não está, mas está para ser.  Nós iniciamos o processo de construção da Fortaleza. É um legado que nós vamos deixar na consciência das pessoas. Hoje o cidadão mais simples e o mais rico dessa cidade exigem a Fortaleza Bela do mesmo jeito. Porque ele quer a Fortaleza Bela no bairro dele, seja o bairro mais pobre dessa cidade. Eu acho que essa consciência política da cidade, a consciência da cidade para todos, que se percebe senhora de si é um grande legado que nós deixamos. Nós vamos deixar a marca da participação popular. Nós revitalizamos todos os conselhos populares institucionais. Criamos o processo do orçamento participativo que é levado muito à sério por nós, desde as assembleias, desde as definições a as publicações. Dentre nossas grandes obras está o PV, que nós construímos com muito amor. Tem também o transporte escolar gratuito. Os conjuntos habitacionais, o Vila do Mar. A Domingos Olímpio, o Transfor. A avenida Abolição, o riacho Maceió urbanizado. O Paço Municipal foi tombado e restaurado. O Passeio Público, o Estoril. Academia na comunidade, tai chi chuan nas praças,  inclusão social das pessoas com deficiência, estádio Antony Costa no Antônio Bezerra. Criamos praças em cada regional. A gente deixa um legado muito grande na cultura. Não tinha política cultural nessa cidade, só uma Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (Funcet). Nós construímos uma Secretaria de Cultura, outra de Esporte e outra de Turismo. A praia de Iracema foi completamente requalificada e resgatada. Tem o espigão da Rui Barbosa e o calçadão da Barra do Ceará. Estou deixando outra cidade. Muito mais inteira.

(...)

Uma das marcas dos especialistas que ouvimos foi da Luizianne como mulher guerreira, heroína, mulher simples, mulher que veio pra trabalhar para o povo. A senhora acha que se encaixa nesse perfil?

Luizianne - Acho que sim. Acho que meu objetivo foi esse, governar pro povo mais simples, não que a gente tenha esquecido de governar para todos. Mas pra governar pra todos é tratar diferente os diferentes. Por que o nosso Réveillon sempre foi da paz? Porque a visão da festa é que todos são importantes pro poder público. Uma outra marca que eu não tenho dúvidas que vou deixar é na qualidade das nossas obras. Nossas obras são de excelente qualidade. Obras maravilhosas para as pessoas pobres, porque a gente acha que todo cidadão merece a mesma qualidade de obra, coisa boa. Você vê um Cuca, um Hospital da Mulher, fizemos com bom gosto, com detalhes. O Paço, o Estoril, são todas obras de qualidade, como o povo merece.


Os especialistas ouvidos falaram também que faltou gestão, faltou execução, faltou a prefeita executora. Como a senhora encara isso?

Luizianne - É completamente equivocada essa avaliação. As pessoas têm uma concepção formal, burocrática do que seja gestão.  O que é gestão além de você tirar a cidade de um buraco financeiro, sanear as finanças da cidade, captar mais de 1 bilhão de obras e projetos da cidade e executar mais do que nós executamos? Vila do Mar, Praia de Iracema, 81 novas escolas construídas padrão MEC, 900 novas salas de aula, criação da defesa civil, ampliação da guarda municipal, transfor, 190 km de rebaixamento de calçadas, drenagem urbana em 60% da cidade, casas construídas, iluminação de áreas de risco, lagoas urbanizadas...Isso é gestão. Isso é execução. Isso é obra.


A senhora acha que essa avaliação se deve às obras inacabadas? Os dois CUCAS prometidos, das regionais V e VI, ainda não foram entregues.

Luizianne - Esses dois serão inaugurados, sim, antes do fim do meu governo. Não é porque as obras são inacabadas, é porque Fortaleza precisava de muita obra e eu abri muitas frentes  de serviço de obras porque eu consegui muito dinheiro pra investir na cidade. Fortaleza é a cidade brasileira que, desde 2006, mais investe recursos externos em obras. Tivemos recursos do BNDS, BID, CEF, Governo Federal. Nós fizemos obras demais porque a cidade precisava. E não é que não terminou. Por exemplo, nós terminamos o Transfor 1, mas tem o Transfor 2 e o 3. Mas não podemos fazer tudo em 8 anos. Nós recebemos o caixa de dívida fundada, que é dívida de empréstimo, no valor zero. Estava zerado.  E vamos deixar mais de um bilhão de reais pro próximo prefeito. Tudo eu comecei do zero: os projetos, depois captar recursos, depois licitar. Não tinha nada como estou deixando. Estou deixando o projeto licitado da Beira Mar inteiro. 204 milhões de reais capitados, ele só tem que executar.  A visão geral da cidade, e o que ela precisava, era muita coisa.  E muita coisa foi concluída. O Paço Municipal foi concluído, também o Passeio Público, o Jardim Japonês, a Praia de Iracema, o Estoril, o Pavilhão Atlântico, o Boulevard da Almirante Tamandaré, o Espigão da Praia de Iracema, o Vila do Mar, aumento de praia, indenização das casas, foi construído mais de 500 casas no Vila do Mar e outras estão em construção de forma a somar 1.300. O que é isso, se não executar? Essa cidade nunca viu, nos últimos 50 anos, tantas obras quanto nós fizemos. Foi o governo que mais fez obra na cidade e tá deixando dinheiro, projeto licitado e obras apenas pra executar. Não foram concluídas algumas obras porque foram tantas, que uma ou outra vai ficar por ser concluída. Mas o caminho foi dado e há dinheiro para que se finalize a execução.  O Hospital da Mulher foi entregue, vão ser entregues 3 Cucas, escolas padrão MEC. O que é gestão, se não isso? Acho que isso é um preconceito.


Preconceito pelo fato de a senhora ser mulher?


Luizianne - Não, isso é um preconceito com a minha forma de ser e como eu trabalho. As pessoas têm uma visão tradicional de gestor, e eu não sou uma gestora tradicional. Isso não quer dizer que eu não tenha feito uma grande gestão.

(...)

O candidato da senhora, completamente desconhecido, teve quase metade dos votos da população de Fortaleza no segundo turno. O que faltou para que Elmano de Freitas (PT) conquistasse mais do que os 48% de eleitores que foram insuficientes para que ele fosse eleito?

Luizianne - Eu tenho uma visão de que a eleição nos foi tomada. Tanto é que existe uma ação que questiona isso. Até a véspera da eleição a pesquisa estava rigorosamente empatada. O que eu acho foi que não faltou compreensão, mas houve uma série de irregularidades no processo eleitoral como antes essa cidade nunca viu. Essa cidade no dia do segundo turno nunca foi tão agredida. Nunca, geração alguma que eu conversei, viu algo parecido com o que aconteceu naquele dia. Nem na época dos coronéis se viu tanta agressão à cidade. Mais de 100 mil pessoas se deslocaram do interior pra cá para fazer isso. Mas, acho que eu pequei num ponto. Eu achava que inaugurar obra não era importante, eu tinha mais era que fazer. Achava que inaugurar era vaidade. Qual o gestor que em quatro anos construiu mais de 40 escolas no padrão MEC? Não sei. O que eu acho foi que faltou mostrar à população tudo o que foi feito.  O que me faltou foi uma estratégia mais organizada na comunicação, e ao mesmo tempo, talvez, essa gestão do espetáculo que eu não gosto de fazer. Tem gente que faz as coisas pela metade e divulga dez vezes como se tivesse feito. Eu fiz dez vezes e divulguei pela metade. Eu acho que isso aí é algo que eu reavaliaria. Mas, com relação a todas as outras coisas, eu faria tudo de novo, mesmo sendo incompreendida.  Eu faria mais uma vez o Vila do Mar antes da Beira Mar, mesmo sabendo que era uma área onde os formadores de opinião só transitam na área nobre da cidade e não sabem nem que o Vila do Mar existe, mas eu faria de novo por uma questão moral. Porque a minha história como militante de direitos humanos e como amante dessa cidade, me faz ver que eu tinha obrigação moral e ética com esse povo em primeiro lugar, que esse povo tava sofrendo há mais tempo.


Como a senhora avalia sua imagem depois da eleição?

Luizianne - Eu não sei precisar isso. Mas, ouvi uma coisa do Lula que foi muito bacana. Quando ele me chamou no Instituto Lula depois da eleição, ele me disse uma coisa interessante: “Luizianne,  você sai mais forte do que quando você foi reeleita em 2008. Porque primeiro você não tava pedindo voto pra você, e quando a gente não pede voto pra gente é sempre mais difícil. E a segunda coisa é que estavam todos do seu lado em 2008: PMDB, PCdoB, PSB. E agora estavam todos contra você. E mesmo assim você conseguiu quase a metade da cidade do seu lado lhe apoiando. Então você agora sai politicamente mais forte”.  Ouvi dele isso e isso pra mim foi muito confortante, um sentimento de entender que várias pessoas, apesar de tudo, reconheceram nosso trabalho. E principalmente o povo que foi testemunha ocular disso. Os conselheiros do orçamento participativo, por exemplo, foram testemunhas de problemas que foram resolvidos que não estavam na visão da classe média ou da área mais nobre da cidade. Pouca gente sabe que tem uma ponte maravilhosa, uma obra gigantesca, fruto do orçamento participativo. É uma ponte que liga o José Walter ao Conjunto Palmeiras, se chama Valparaíso. Um projeto de estrutura maravilhoso. Mas quem sabe disso? Só o povo que mais precisava da ponte. Eu sou muito crítica com quem acha que a cidade é um espaço pra se ficar experimentando suas vaidades. Todas as obras da cidade têm que estar em sintonia com o pulsar da cidade, com as pessoas que moram na cidade. Só em ter feito um governo pautado por isso, isso pra mim já é uma grande vitória.

(...)

Qual a diferença entre a Luizianne que entrou na prefeitura em 2005 e a que sai agora em 2012?

Luizianne - Mais madura no sentido da compreensão de todo esse processo. O Executivo é um poder muito duro. Eu fui oito anos parlamentar e estive oito anos no Executivo, e o Executivo é incomparável no sentido de ser muito duro como poder mesmo. São várias decisões a serem tomadas, os conflitos sociais que você tem que estar o tempo todo se posicionando, é preciso ser muito forte. Por isso, é impossível você sair do mesmo jeito.  Hoje eu me sinto preparada pra qualquer coisa, depois que eu passei por isso.

(...)

Qual a mensagem que a senhora deixa como prefeita numa última entrevista como prefeita?

Luizianne - Primeiro, que eu saio com o coração alegre, porque eu saio com o sentimento de dever cumprido. Fiz um governo onde procurei dar o máximo de mim, principalmente do ponto de vista ético. Saio sem nenhum tipo de escândalo nem nada que me envergonhe, muito pelo contrário. Em oito anos, fiz as coisas direito e saio do jeito que eu entrei. Isso é um motivo de alegria muito grande. E fiz tudo o que eu podia, me dediquei mesmo a essa cidade. De corpo e alma. A única coisa que eu queria é que as pessoas entendessem que essa cidade não pode dar nem um passo pra trás, em nenhum aspecto. Porque os passos mais difíceis foram dados. Agora a cidade tem que cobrar mais conquistas ainda. Tenho um amor grandioso por essa cidade, sou apaixonada por Fortaleza. Nunca sai daqui pra morar fora, vivi minha vida toda aqui. Isso porque acredito nessa cidade, no potencial do povo, no potencial econômico e turístico dessa cidade, acredito na nossa Fortaleza. Saio acima de tudo com sentimento de dever cumprido. Tudo o que podia ter sido feito eu fiz. Fiz até coisa demais, tanto que não deu tempo de terminar. Não pequei por omissão, mas por excesso. E isso só me deixa muito orgulhosa e feliz, além de grata à metade da cidade que, oito anos depois, compreendeu a nossa luta e foi lá e marcou a diferença votando no candidato do PT para dar continuidade ao nosso projeto. Ou seja, pelo menos metade da cidade queria a continuidade do projeto. E isso pra mim é motivo de muita alegria e só aumenta meu carinho por essa cidade.


Trechos da entrevista publicada na íntegra no jornal O Povo

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