terça-feira, 22 de novembro de 2016

Congresso da AE apresenta proposta para o PT

Foto: Yuri Soares

Entre os dias 12 e 15 de novembro de 2016, em São Paulo, na sede nacional do PT, realizou-se o 3º Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda. Segue a resolução política que visa a contribuir com os debates do 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores.

Para acessar as resoluções aprovadas, acesse o Página 13

Defender os direitos e derrotar o golpismo
Em luta por um Brasil democrático-popular e socialista

Contribuição da tendência petista Articulação de Esquerda aos debates do 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores

Introdução

1. O Partido dos Trabalhadores realizará nos dias 7, 8 e 9 de abril de 2017, seu 6º Congresso Nacional. Em pauta, o cenário internacional e nacional, o balanço dos governos nacionais petistas, a estratégia política e o programa, o funcionamento do PT e a organização partidária, nossa tática frente ao governo golpista e em defesa dos direitos do povo brasileiro, nossa relação com os diferentes setores democráticos, populares e de esquerda.

2. Em pauta, portanto, o balanço do que somos e fizemos. Não como ato ritual, mas porque a discussão sobre nossa tática, programa, estratégia e funcionamento exige um olhar atento sobre o passado e sobre o presente. Trata-se, por um lado, de revisitar a história recente do Brasil, especialmente entre 1º de janeiro de 2003 e 31 de agosto de 2016. Trata-se, por outro lado, de analisar como estão, nos dias de hoje, o país e o mundo. Esta dupla operação, de balanço do período e análise da situação, é pressuposto necessário para a construção de nossas definições políticas e organizativas. Ademais, é componente imprescindível de nossa ação prática e teórica as intensas mobilizações contra o golpe e pelo Fora Temer desde 2015 até hoje, a ocupação de escolas e as ações do Dia Nacional de Greve. Sem esta resistência, qualquer formulação sobre o que fazer se tornaria vazia de sentido e de conteúdo.

3. Ao participar do 6º Congresso, o conjunto do Partido dos Trabalhadores e cada um de seus militantes, filiados e simpatizantes devem ter plena consciência de suas responsabilidades. Assim como fomos depositários de imensas esperanças, hoje somos objeto de imensas frustrações. Cabe ao debate congressual separar o joio do trigo, combinar crítica e autocrítica, reconhecer nossos erros e reafirmar nossos acertos. Certamente haverá, entre nossos inimigos e adversários, quem se aproveitará desta ou daquela frase para atacar nosso Partido. Não importa: quem está seguro da justeza de sua luta, não teme a autocrítica. Ademais, reconhecer os erros e ajustar contas com práticas e concepções errôneas é, para um partido de esquerda, um processo de aprendizagem coletiva, algo que devemos à classe trabalhadora, ao povo brasileiro, às gerações que lutaram antes de nós e especialmente às que virão.

4. O 6º Congresso do PT não é um ponto final; é uma etapa importante do processo que levará a classe trabalhadora, as forças populares, democráticas e de esquerda, a governar novamente o Brasil. Aos amigos que dizem que “passou o tempo do PT”, respondemos com paciência: se isto fosse verdade, a classe dominante brasileira não teria como a maior de suas prioridades atacar nosso Partido. Aos inimigos que pretendem nos destruir, contestamos com vigor: como de outras vezes, a esquerda brasileira saberá dar a volta por cima e retornar mais forte e comprometida com a luta por uma sociedade sem opressão nem exploração.

Defender o povo e derrotar o governo golpista

5. O golpe de 31 de agosto de 2016 não foi contra Dilma, nem contra o PT: foi principalmente contra o povo brasileiro. O golpismo busca reduzir os salários e direitos, diretos e indiretos, da classe trabalhadora e do povo; extinguir ou enfraquecer as liberdades e conquistas democráticas; e subordinar a política externa brasileira aos Estados Unidos, nos afastando da integração regional e dos BRICS.

6. Os golpistas tentam anular os aspectos positivos da Constituição de 1988, em especial o ensino público e gratuito em todos os níveis, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previdência Social e Universal. Querem privatizar a Petrobrás, criada em 1953 como resultado de lutas memoráveis do povo brasileiro, e entregar as reservas do Pré-Sal de mão beijada para petrolíferas estrangeiras. Pretendem destruir os avanços econômicos, políticos, sociais e culturais iniciados em 2003. Intentam até mesmo desmontar a legislação social que vem dos anos 1940: a CLT. Se os golpistas tiverem êxito nos seus planos de reforma, sob muitos aspectos farão o Brasil regredir à década de 1920.

7. O golpismo não está presente apenas no governo ilegítimo encabeçado por Temer. Aliás, o usurpador pode vir a ser afastado, seguindo-se a eleição indireta de um novo chefe de governo. O golpismo, portanto, vai muito além. Repercute nos programas de ajuste e repressão adotados por governos estaduais e municipais, na atividade legislativa nos três níveis, na ação de diversos instrumentos e aparatos estatais e paraestatais, com destaque para os parlamentos, as polícias, o judiciário e os meios de comunicação.

8. O golpismo produz efeitos no plano das ideias, da cultura, da comunicação, da educação e da religiosidade, num sentido reacionário que está presente também em outras regiões do mundo. O golpismo ataca a classe trabalhadora e o conjunto dos setores populares, as mulheres, a juventude, os negros e as negras, os aposentados, as LGBTs e os indígenas. Determinadas regiões do país e determinadas categorias são atingidas primeiro e mais duramente. As desigualdades intrínsecas ao capitalismo se aprofundam neste momento de crise e retrocesso.

9. Dentre as principais decorrências internacionais da ação do governo golpista estão o enfraquecimento da integração regional, a redução dos efeitos positivos de nossa participação nos BRICS, a cumplicidade do governo de fato para com acordos internacionais lesivos para a soberania nacional.

10. Qualquer que seja o cenário econômico – retomada do crescimento, depressão ou estancamento – a política do governo golpista implicará sensível piora das condições de vida do povo. No curto prazo, a tendência predominante é o aprofundamento da crise econômica.

11. A PEC 55 (ex-PEC 241) congela o investimento social por duas décadas. Desrespeita a Constituição de 1988, desconsidera a evolução demográfica e impede qualquer tipo de política de distribuição de renda e bem-estar através de políticas públicas. Mesmo havendo crescimento, isto não resultará em ampliação quantitativa e qualitativa das políticas públicas. E o crescimento econômico passa a derivar da redução, em termos absolutos ou relativos, dos níveis de emprego, salário e renda. Neste sentido, há uma ruptura com o sentido global que predominou entre 2003 e o impeachment. Nossos governos municipais e estaduais devem fazer dura oposição a PEC 55, sustentando os investimentos em educação e saúde com base nos preceitos constitucional anteriores a votação da PEC.

12. Os golpistas não se iludem com os resultados das eleições municipais de 2016. Sabem que ao implementar uma política de recessão, desemprego, redução de salários e destruição de direitos vão gerar uma crescente reação popular. Para retardar, enfraquecer e tentar impedir que esta reação popular produza uma alternativa de governo, os golpistas estão dobrando a aposta na política de repressão antecipada, cerco e aniquilamento da esquerda.

13. É neste contexto que ocorrem os ataques aos Sem Terra e Sem Teto, os ataques contra a juventude que ocupa escolas, os ataques ao movimento sindical, ao PT e a Lula. É importante notar que alguns destes ataques não são feitos apenas por aparatos estatais: em vários casos, registra-se a presença de grupos de direita, alguns com composição predominantemente juvenil e com características paramilitares. Estas ações e o entorno ideológico constituem um dos sinais de que há um clima crescente de “fascistização” na sociedade, que deve ser enfrentado com todas as energias: não se derrota o fascismo com bons modos.

14. A criminalização da esquerda – apoiada muitas vezes em legislação e instituições pré-existentes, entre as quais a “lei antiterrorismo” que foi apresentada pelo governo Dilma – é, no fundamental, um prolongamento da criminalização da pobreza, dos negros, das periferias.  Neste sentido, o que alguns denominam de “Estado de exceção” é o “Estado realmente existente” para grande parte da população brasileira.

15. Em resumo: também numa clara ruptura com o que predominou entre 2003 e o impeachment, a questão social voltou a ser, para o governo federal e seus aliados em todos os terrenos, um caso de polícia. A repressão é um pressuposto e uma decorrência do regresso às políticas neoliberais claras e duras. A esquerda deve refletir em que medida contribuiu com isto, ao fortalecer determinadas corporações e ao estimular determinadas concepções acerca da judicialização e da penalização.

16. Vivemos, neste sentido, uma situação semelhante à dos anos 1990: lutamos contra uma ofensiva neoliberal. Mas, ao mesmo tempo, vivemos uma situação diferente daquela dos anos 1990, em vários sentidos:

a) porque vencemos quatro eleições presidenciais seguidas e tivemos uma experiência de governo, com aspectos positivos e negativos, o que mudou a percepção da classe trabalhadora a respeito do PT e da esquerda;

b) porque a classe dominante também aprendeu com nossa experiência e está fazendo de tudo para impedir que se repitam vitórias como as que tivemos em 2002, 2006, 2010 e 2014;

c) porque o capitalismo brasileiro e o capitalismo internacional não são os mesmos dos anos 1990. Ocorreram neste período mudanças importantes na estrutura de classes do Brasil, assim como na dinâmica do capitalismo global. Sem uma compreensão de conjunto disto, qualquer estratégia política estará fadada ao fracasso (a este respeito, a direção nacional da AE divulgará brevemente dois textos: um intitulado “Capitalismo, socialismo, revolução e estratégia no século XXI”; outro intitulado “Desenvolvimento capitalista e luta de classes no Brasil do século XXI”.)

17. Por todos estes motivos, é necessário formular não apenas uma tática, mas também uma nova estratégia, um novo programa e um novo padrão de conduta e organização para o PT. O que não muda? Nossa convicção, agora com mais provas do que antes, de que para transformar profundamente a vida do povo brasileiro, é necessária uma esquerda socialista e de massas, enraizada na classe trabalhadora, disposta a ser ao mesmo tempo alternativa de governo e de poder.

Uma nova estratégia para uma nova situação

18. A situação internacional é caracterizada pelo agravamento da crise do capitalismo, pelo aprofundamento das contradições entre as diferentes frações nacionais e setoriais do Capital, como se viu no caso do Brexit. Cresce o risco de guerra em larga escala. Nos Estados Unidos está em curso uma ofensiva contra os direitos democráticos e sociais da classe trabalhadora. Parte desta ofensiva é capitaneada pelas forças neoliberais, outra é capitaneada por forças populistas de direita. A África é objeto de uma intensa exploração e disputa por parte das potências capitalistas.

19. Uma descrição detalhada de como este quadro impactou as forças internacionais de esquerda, tanto na América Latina quanto no mundo, assim como as propostas  apresentadas para enfrentá-lo, está no documento “A esquerda internacional em tempos de guerra”, que aborda entre outros o Foro de São Paulo, o Fórum Social Mundial, o sindicalismo e os movimentos sociais que atuam em âmbito internacional (como a Via Campesina e a Confederação Sindical Internacional), assim como o papel das confissões religiosas e do movimento pela Paz. Compreender adequadamente a situação internacional é cada vez mais decisivo, inclusive porque os golpes de novo tipo – assim como os golpes do passado – tem uma clara dimensão internacional.

20. Hoje o capitalismo se apresenta mais hegemônico que nos períodos históricos anteriores.  Livre de forças que o contenham e modelem, o capitalismo tende a exacerbar suas contradições. É por isto que o momento em que o capitalismo é mais poderoso, é também aquele no qual ele vive sua maior crise desde 1929. O mundo é colocado diante de um risco crescente de barbárie e autodestruição. Interromper este processo e, além disso, superar o capitalismo é algo que depende da ação das classes trabalhadoras de todo o mundo.

21. Não por acaso, esta crise é ao mesmo tempo econômica e política, tendo como epicentro os Estados Unidos, potência que vive o declínio de sua hegemonia. A emergência de novos polos de poder e o acirramento das contradições intercapitalistas amplia o risco de guerra.

22. Em 2008 a crise econômica teve como epicentro os Estados Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu epicentro lá. Um sinal disto foram as recentes eleições presidenciais, disputadas por Hilary Clinton e vencidas por Donald Trump.

23. Por um lado ficaram evidentes as profundas divisões existentes naquele país, inclusive no seio da classe dominante estadounidense. Por outro lado, ficou patente a necessidade de uma alternativa partidária e eleitoral de esquerda. Bernie Sanders poderia ter vencido as eleições, uma vez que apareceria aos olhos da classe trabalhadora dos EUA como uma alternativa crível tanto ao “populismo de direita” de Trump, quanto ao neoliberalismo da “democrata” Hillary Clinton, apontada como a candidata preferida de Wall Street e do complexo industrial-militar.

24. Só as forças de esquerda, populares e democráticas têm condições de deter a contraofensiva reacionária que empurra o mundo para crises cada vez maiores e nos ameaça com guerras cada vez mais destrutivas. Mas para isto será preciso que a classe trabalhadora e seus representantes políticos percam todas as ilusões em que seria possível defender o bem-estar social, as liberdades democráticas, a soberania nacional e uma nova ordem mundial, sem impor uma derrota profunda às forças capitalistas e a seus representantes políticos, sem oferecer uma alternativa nova e radical para o mundo em que vivemos.

25. Nunca o mundo foi tão capitalista quanto é hoje. E é exatamente por isto que nunca o mundo foi tão desigual, conservador e violento. A crise que o capitalismo enfrenta, desde 2008, pode conduzir a dois caminhos diferentes:

a) rebaixamento ainda maior do nível de vida dos trabalhadores, as catástrofes sociais e ambientais, a direitização do ambiente ideológico e político, um estado de guerra permanente;

b) ou transformando as riquezas acumuladas nas mãos do capital financeiro em investimento público, ampliação do bem-estar e recuperação do meio-ambiente, jogando para a esquerda o ambiente ideológico e político, desmontando os arsenais militares e garantido a paz.

26. Os Estados Unidos, ainda a maior potência do mundo, mas que está vendo sua hegemonia declinar, não tem como construir uma alternativa à crise que vivemos. As forças que causam a crise e que se beneficiam dela são as mesmas que dominam o poder político, econômico, militar e ideológico nos Estados Unidos. É por isto que as ações práticas do governo dos EUA ampliam a crise.

27. Lembremos que aquele país só superou a crise dos 1930 graças à Segunda Guerra Mundial. E quando a Segunda Guerra terminou, o complexo industrial-militar continuou apostando em novas guerras e na corrida armamentista. É por isso que os Estados Unidos operam de maneira agressiva contra os BRICS, especialmente contra a China e a Rússia.

28. Também por isto, tanto o governo russo quanto o chinês deram vários sinais de que consideravam Hillary Clinton mais perigosa. Mas não devemos nos iludir: a dinâmica da crise mundial é mais poderosa e tende a empurrar os EUA em direção à guerra.

29. Quem pode evitar este desfecho é, em primeiro lugar, o povo dos Estados Unidos. O movimento sindical, a intelectualidade de esquerda, os setores democráticos daquele país estão chamados a agir de maneira autônoma frente aos dois grandes partidos do Capital, o Republicano e o Democrata. A defesa da paz cabe, também, aos povos das demais regiões do mundo.

Situação regional

30. Na América Latina e Caribe, desde 2008 estamos sendo vítimas de uma contraofensiva reacionária que vem derrotando os governos progressistas e de esquerda na região. Precisamos virar o jogo e criar as condições para que a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos e a Unasul voltem a ter protagonismo no cenário internacional, em favor da paz e de outra ordem econômica e política internacional.

31. Neste contexto de hegemonia capitalista, crise do capitalismo, ampliação das contradições intercapitalistas, conflito entre o bloco liderado pelos EUA contra os BRICS, instabilidade, crise e guerra, a saída está em construir um forte movimento internacional da classe trabalhadora, que consiga conquistar governos, reorientando assim a economia e a política mundiais.

32. Há algumas semelhanças entre o momento que estamos vivendo e o cenário do final dos anos 20 e início dos anos 1930. Naquela época, o liberalismo provocou uma imensa crise econômica, desemprego e miséria. Para derrotar a ameaça comunista e evitar a rebelião dos trabalhadores, o grande capital e a direita tradicional apostaram no populismo de direita. A esquerda – naquela época como agora, predominantemente socialdemocrata – não conseguiu barrar a onda reacionária. A ascensão do fascismo na Itália, do franquismo na Espanha e do nazismo na Alemanha foram passos para a Segunda Guerra Mundial.

33. A crise de 2008 e seus efeitos afetaram profundamente a América Latina e Caribe, constituindo um dos componentes da contraofensiva reacionária na região, que já obteve vitórias na Argentina e no Brasil, ameaça a Venezuela e outros países onde há governos de esquerda e progressistas. Em todos estes países, a contraofensiva reacionária se faz contra os acertos dos governos progressistas e de esquerda. Mas em todos estes países, as forças reacionárias só obtêm êxito devido aos erros cometidos pelas forças progressistas e de esquerda, especialmente aqueles que nos levam a perder a confiança e o apoio dos setores populares.

34. Ainda não está totalmente clara como será a relação entre o governo Trump e os governos da região, por exemplo no caso da suspensão do bloqueio contra Cuba e dos acordos de paz na Colômbia. Mas no âmbito interno as primeiras medidas anunciadas dão conta da expulsão de milhões de trabalhadores migrantes. Antes de melhorar, a situação internacional se tornará ainda mais difícil e dura.

35. Em síntese: vivemos em um ambiente internacional onde torna-se cada vez mais incompatível a convivência do capitalismo com a paz, com a soberania nacional das nações mais frágeis, com as liberdades democráticas e com o bem-estar social.

36. Isto tem relação direta com a natureza do capitalismo contemporâneo, em particular com o peso do setor financeiro, com a desindustrialização, com a destruição do meio-ambiente, com a vida nas grandes cidades, com o tipo de sociabilidade resultante na classe trabalhadora, entre outros fatores. É neste contexto que, como ocorreu ao redor da crise de 1929, que crescem forças reacionárias de tipo fascista. Sendo importante lembrar que ainda estamos longe de experimentar o conjunto de barbaridades de que o nazi-fascismo foi capaz.

37. Vista de conjunto, a situação internacional torna ainda mais imprescindível e urgente nossa luta pelo socialismo. Não apenas pelos motivos já citados, mas também pelos impactos cada vez mais catastróficos que o capitalismo vem provocando em nosso planeta, com consequências que afetam terrivelmente as condições de vida da classe trabalhadora. A lógica destrutiva, alienante e exploradora do capitalismo age de maneira combinada sobre a natureza e a humanidade.

38. As restrições às liberdades democráticas, no caso brasileiro, são parte deste ambiente geral e, ao mesmo tempo, são coerentes com a tradição profundamente antidemocrática da classe dominante brasileira. Nunca é demais lembrar que a maior parte da história republicana brasileira transcorreu sob ditaduras de fato ou de direito.

39. A classe dominante brasileira está, hoje, buscando implementar um conjunto de medidas estruturais para tentar impedir que a esquerda brasileira volte a governar o país. Isto inclui a interdição do PT e o parlamentarismo.

40. Além disto, esta mesma classe dominante altera a Constituição, não apenas para obter ganhos imediatos, mas também para impedir que um eventual governo de esquerda tenha, no futuro, meios institucionais para fazer mudanças.

41. Neste ambiente, de crise e guerra no âmbito internacional, de restrições às liberdades democráticas em âmbito nacional, o Partido dos Trabalhadores está convocado a retomar, de maneira atualizada, as diretrizes estratégicas explicitadas pelas resoluções de seu 5º Encontro Nacional, realizado em 1987: articular luta pelo governo e luta pelo poder; articular luta social, luta institucional, luta cultural e organização; articular a luta por políticas públicas, reformas estruturais e socialismo.

42. Chegamos à presidência da República em 1 de janeiro de 2003 e dela fomos definitivamente afastados em 31 de agosto de 2016. Mas nunca a esquerda e a classe trabalhadora brasileira exerceram o poder. Não devemos esquecer os diferentes terrenos e instituições onde se trava a luta e o exercício do poder: governos, parlamentos, judiciário, burocracia de Estado, segurança pública e defesa, controle da economia, meios de comunicação, educação e cultura, auto-organização do povo.

43. Disputar eleições e conquistar governos continua sendo necessário, mas as chances de êxito tanto nas eleições quanto na ação de governo serão maiores ou menores, a depender das forças que a classe trabalhadora acumule nos demais espaços e instituições através das quais a classe dominante exerce seu poder.

44. A classe trabalhadora produz as riquezas do Brasil. Portanto ela tem o direito de deter o poder em nosso país, o poder de decidir o que produzir, como produzir e como distribuir a riqueza por ela gerada. É isto que nosso programa deve detalhar.

Um programa democrático, popular e socialista

45. Acumulamos, desde a primeira prefeitura em 1983 até o governo federal, uma rica experiência em termos de políticas públicas, que melhoraram a vida do povo, no terreno material, cultural e político. Sem prejuízo de uma análise detalhada dos aspectos positivos e negativos de cada uma destas políticas, vistas de conjunto todas elas tiveram contra si um orçamento limitado, um crescimento econômico interrompido, uma estrutura econômica social concentradora de renda e riqueza, além de estruturas de poder geralmente conservadoras.

46. Para ampliar o orçamento disponível para as políticas públicas, necessitávamos e seguimos necessitando de uma reforma tributária progressiva, que grave os ricos; e de uma revisão do serviço da dívida pública, sem falar na devida auditoria, sem o que os impostos continuarão sendo arrecadados em benefício dos senhores da dívida.

47. Para viabilizar taxas de crescimento compatíveis com a absorção dos desempregados e dos que entram a cada ano no mercado de trabalho, para que o crescimento seja também desenvolvimento, para que sejamos capazes de enfrentar a concorrência do capitalismo internacional, necessitamos de uma política de reindustrialização nacional. Reindustrialização que envolverá políticas de ampliação do mercado de consumo de massas, não apenas ou principalmente de bens privados, mas principalmente de bens públicos como saúde, educação, cultura, habitação e transporte.

48. Isto exigirá uma ampliação exponencial do papel do Estado, não apenas como financiador, indutor e regulador, mas também como planejador e executor direto, através das estatais. Ao Estado cabe coordenar e executar um conjunto de medidas que tornem possível a ampliação do nível cultural, científico, tecnológico e de produtividade de toda a sociedade brasileira.

49. Para alterar a estrutura social, que hoje esteriliza grande parte do investimento público e social, convertendo-o em concentração de renda e riqueza, é necessário colocar sob controle público o setor financeiro, estatizando os bancos que atuam em âmbito nacional; enfrentar os oligopólios e transnacionais; realizar a reforma agrária e a reforma urbana. É preciso, também, ampliar a atuação direta do Estado nas áreas de energia, infraestrutura, transporte e comunicação.

50. Trata-se de implementar, portanto, um desenvolvimentismo democrático, popular e socialista, bem como ambientalmente orientado. Uma política de desenvolvimento centrada na soberania alimentar, na sustentabilidade, preservando as florestas, a biodiversidade, as fontes de água, a soberania sobre nossos recursos naturais. E também a produção do espaço social, incorporando os serviços ambientais no planejamento das cidades e da reforma urbana.

51. E será necessário, em primeiro lugar, ampliar as liberdades democráticas, realizando a reforma do Estado e a reforma política, derrotando o oligopólio da comunicação, democratizando a educação e a cultura, ampliando a participação e a auto-organização popular. Incorporamos, portanto, tanto a Constituinte exclusiva para fazer a reforma política, quanto a proposta de Assembleia Nacional Constituinte.

52. O fio condutor de nosso programa é transformar as condições de vida da classe trabalhadora e da maioria explorada do povo brasileiro. Por transformar as condições de vida, compreende-se ampliar o bem-estar material e espiritual, ampliar as liberdades democráticas e a influência política, ampliar a soberania popular sobre os destinos da nação e sua presença no mundo.

53. A questão fundamental a ser respondida é: queremos transformar as condições de vida da classe trabalhadora, nos marcos do capitalismo? Ou queremos transformar tanto as condições de vida da classe trabalhadora, que consideramos necessário superar o capitalismo e construir uma sociedade socialista?

54. Todas as resoluções do Partido dos Trabalhadores, desde 1980 até hoje, dizem que nosso partido é socialista. Mas esta palavra tem significados distintos.

55. Alguns a entendem como sinônimo de socialdemocracia, ou seja, entendem socialismo como melhorar as condições de vida do povo nos marcos do capitalismo, sem superar o capitalismo.

56. Outros compreendem socialismo como um tipo de sociedade em que as decisões sobre o que produzir, como produzir e como distribuir passam a ser tomadas pela classe trabalhadora.

57. O Partido dos Trabalhadores precisa reafirmar, de maneira enfática e didática, que somos socialistas neste segundo sentido. Ou seja: queremos transformar tão profundamente as condições de vida da classe trabalhadora, da maioria do povo brasileiro, que consideramos necessário superar o capitalismo e construir o socialismo.

58. Alguns setores da esquerda aceitam esta definição de socialismo como uma espécie de “promessa de ano novo”. Ou seja: como uma afirmação ritual, cheia de boas intenções, mas que não terá a menor influência na prática cotidiana, no que fazem e defendem quanto estão no governo, no parlamento, nos movimentos sociais, no debate de ideias, no dia a dia de suas organizações.

59. Existe quem justifique esta atitude, argumentando que só poderemos adotar medidas socialistas depois que tomarmos o poder. Até lá, temos que considerar as coisas como elas são, ou seja, “administrar o capitalismo”.

60. De fato, grande parte do que entendemos por construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora “conquiste o poder”, ou seja, que tenha tanto poder político que seja capaz de fazer valer sua vontade. E até que consiga tamanho poder político, por tempo mais ou menos longo a classe trabalhadora terá que atuar “nos marcos do capitalismo”.

61. Entretanto, se atuarmos nos marcos do capitalismo respeitando de forma estrita os limites do capitalismo, sem apresentar alternativas de tipo socialista para os problemas do cotidiano, então o “poder político” que conquistarmos servirá no máximo para gerir o capitalismo.

62. Se a esquerda pretende de fato construir o socialismo, ela precisa convencer a maioria da classe trabalhadora e do povo. E só conseguiremos isto se as soluções que apresentarmos para os problemas do cotidiano forem orientadas por uma lógica distinta da capitalista.

63. Aliás, gastamos tanta energia na luta pelo socialismo exatamente porque não consideramos possível resolver os problemas da maioria do povo nos marcos do capitalismo e a partir de soluções de tipo capitalista.

64. O programa do Partido dos Trabalhadores deve sintetizar as mudanças que queremos fazer no Brasil, em benefício da classe trabalhadora, em favor da maioria do povo brasileiro.

65. Mudanças que devem ser orientadas desde já pelo socialismo, ou seja, vertebradas pelos interesses da maioria e não da minoria; pelo bem-estar e não pelo lucro; pelo público e não pelo privado; pelo Estado e não pelo mercado; pelo social e não pelo individualismo.

66. Nosso programa aborda os temas da democracia e da soberania nacional, a partir do ponto de vista do socialismo. Os interesses da classe trabalhadora brasileira exigem a ampliação das liberdades democráticas e da soberania nacional, objetivos que serão buscados através de respostas socialistas aos problemas objetivos postos pelo capitalismo realmente existente no Brasil.

67. O Partido dos Trabalhadores rejeita dois pontos de vista, aparentemente distintos, mas que na prática se reforçam mutuamente.

68. Um é o ponto de vista dos que se limitam à agitação e propaganda do “programa máximo” e consideram que só se pode falar de “socialismo” depois que “tomarmos o poder”. O outro é o ponto de vista dos “melhoristas” que propõem medidas tão “factíveis” e “realistas” que, no final das contas, não mudam absolutamente nada.

69. No lugar de ambos os pontos de vista, o programa do Partido aponta um conjunto de transformações que, partindo da realidade atual, levando em conta a correlação de forças e o nível de consciência do povo, acumula forças desde já num sentido socialista.

70. Nosso programa inclui um conjunto de metas, no terreno do emprego, das condições de trabalho, das condições ambientais, de alimentação, de moradia, de transporte, de educação e cultura. Queremos, ao longo dos próximos anos e décadas, elevar de maneira acelerada e sustentável todos os indicadores sociais, naturais e individuais;

71. Para financiar este programa de metas, é preciso em primeiro lugar assumir o controle sobre a economia nacional, a começar por nossa moeda. Hoje quem controla nossa economia é o setor financeiro privado e oligopolizado. No lugar dele, devemos constituir um setor financeiro 100% público.

72. Priorizar a ampliação da produção e do consumo de bens públicos. Noutras palavras: segurança alimentar via reforma agrária e outra política agrícola; programas de moradia e transporte coletivo; universalização dos serviços públicos, com destaque para as áreas de saúde, educação, cultura e esportes. Priorizando a produção e o consumo de bens públicos, será possível combinar crescimento econômico acelerado com elevação do bem-estar social da maioria da população.

73. A ampliação do consumo de bens públicos (especialmente na área da construção civil) exigirá e estimulará a reconstrução de uma indústria forte e tecnologicamente avançada, que não pode continuar controlada por monopólios e oligopólios, que determinam os preços e as prioridades. Tampouco haverá recomposição de nossa indústria, sem forte participação estatal não apenas no financiamento, mas também na produção, na pesquisa e na formação de quadros, especialmente de cientistas e engenheiros. A presença estatal direta e indireta servirá, também, para regular a iniciativa privada, em favor de um plano de desenvolvimento que beneficie a maioria do povo. Por todos estes motivos, defendemos a retomada do modelo de Partilha do Pré-Sal e uma Petrobrás 100% pública.

74. Nosso programa exige um planejamento que incorpore o desenvolvimento científico e tecnológico aos diferentes setores da economia, especialmente aos estratégicos, e integre o local, o estadual, o nacional, o continental e o mundial. A articulação entre esses aspectos possibilitará economia de escala, completará cadeias produtivas e garantirá retaguarda estratégica.

75. Aspecto central de nosso programa é a ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura, e uma luta sem tréguas contra a corrupção. Sem tais medidas, a classe dominante e seus aliados terão êxito em sabotar e reverter o processo de mudanças.

76. Nesta perspectiva, defendemos a necessidade de uma Assembleia Constituinte livre e soberana.

77. As linhas de ação acima resumidas, sem prejuízo de melhor precisão e detalhamento, constituem o núcleo do programa do Partido dos Trabalhadores.

78. O pressuposto básico deste programa é: melhorar as condições de vida do povo brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável, exige superar o controle que os capitalistas mantêm, hoje, sobre nossa sociedade, a começar por nossa economia.

79. Não queremos ser um país de classe média. Queremos ser um país onde a classe trabalhadora tenha altos níveis de vida material, cultural e política. Será necessário tempo, muito esforço, muita criatividade e muita luta para atingir estes objetivos. Tarefas que estão postas desde agora, no enfrentamento do governo golpista.

Uma tática para resistir e voltar à ofensiva

80. A tarefa número 1 do Partido dos Trabalhadores e de qualquer pessoa ou organização que se pretende de esquerda é participar da defesa dos direitos do povo e da luta contra o governo golpista. Isso inclui denunciar o golpe e chamar o Fora Temer; fazer dura oposição ao governo usurpador; defender os direitos sociais e as liberdades democráticas.

81. Há muito o que ser feito, neste sentido, no plano das ideias, no plano das lutas sociais, no plano da ação dos governos e parlamentares, no plano das eleições de 2018. Trata-se de defender os direitos da classe trabalhadora, da juventude, das mulheres. Trata-se de lutar contra o racismo, contra a LGBTfobia, em defesa dos indígenas, em defesa dos direitos humanos e democráticos.

82. O êxito nesta luta está diretamente vinculado a maior ou menor unidade das forças democráticas, populares e de esquerda. A Frente Brasil Popular deve ser reforçada e ampliada, assim como deve seguir cooperando com outras iniciativas, como a Frente Povo Sem Medo.

83. Nos debates da Frente Brasil Popular, devemos continuar insistindo na importância da greve geral, como instrumento de luta da classe trabalhadora contra o governo golpista. Hoje, parte da classe perdeu a confiança em suas organizações, em alguma medida por conta da guinada dada pelo governo Dilma após as eleições de 2014; além disso, a recessão econômica coloca a classe sob a ameaça crescente do desemprego.

84. A partir da Frente Brasil Popular, devemos construir uma frente mais ampla, em defesa das liberdades democráticas, da soberania nacional e do desenvolvimento. Mas não se deve confundir a necessidade de atrair forças de centro, com o erro de subordinar a esquerda ao centro.

85. A construção da Frente Brasil Popular faz parte do esforço para construir uma coligação eleitoral que dispute as eleições de 2018. Queremos que ambas as iniciativas convirjam, mas até para que isto ocorra, é preciso saber diferenciar o que é uma frente política e social para organizar as lutas, do que são coligações eleitorais. A confusão entre uma e outra, bem como a subordinação do social ao eleitoral, são erros que não devemos repetir.

86. A cada ataque contra Lula, mais se torna evidente que as forças golpistas querem impedir que o PT dispute com chances de vitória a presidência da República em 2018. Os golpistas temem – seja devido as pesquisas, seja devido a história recente do país – que Lula possa vencer as eleições. O PT se empenhará para viabilizar a candidatura de Lula e para que ela seja adotada por outros partidos e setores democráticos, populares e socialistas.

87. As eleições de 2018 são uma batalha fundamental. Para os golpistas, será a chance de conseguir o que não conseguiram em 2014. Para os setores progressistas, será o momento de reafirmar as liberdades ameaçadas. Para os setores de esquerda, será o momento de retomar o governo e a perspectiva de transformação do Brasil. Para o PT, será a oportunidade de apresentar seu balanço e suas propostas.

88. Entretanto, as eleições de 2018 são uma batalha, não são toda a “guerra”. Ao mesmo tempo, para vencer a batalha de 2018, será preciso muito mais do que ações de natureza eleitoral. Será preciso acumular forças no terreno social, cultural e organizativo. E será preciso apresentar um programa de governo para 2019-2022 qualitativamente diferente daquilo que fizemos entre 2003 e o impeachment.

89. A política de conciliação de classes; de convivência com os oligopólios, especialmente o financeiro e o agroexportador; a tolerância frente à indústria da comunicação, da educação e da cultura; as ilusões republicanas acerca das instituições de Estado, a começar pelo judiciário, forças armadas, ministério público e polícia federal: o discurso sobre o país de classe média; as vacilações no enfrentamento da meritocracia, do consumismo, do ataque as minorias; a ausência de debate ideológico; tudo isto e muito mais deve ceder lugar a outra estratégia, baseada no pressuposto de que para transformar é preciso realizar rupturas com as estruturas de poder e propriedade.

90. Não se deve encarar as eleições de 2018 como semelhantes às que ocorreram entre 1989 e 2002. É preciso levar em conta, além das possibilidades de derrota eleitoral, que tentarão impedir que disputemos, que vençamos, que tomemos posse e que governemos.

91. Por tudo isto, nossa tática em geral e nossa tática eleitoral em particular, bem como nossa política de alianças, devem estar totalmente subordinadas à nossa estratégia. E um aspecto central desta estratégia é reconquistar a confiança da maioria da classe trabalhadora brasileira, não apenas no PT, mas no conjunto das organizações da classe.

92. Em resumo, trata-se de aprender com a experiência recente: nosso Partido deve ser capaz de buscar vitórias táticas, mas ao mesmo tempo deve ser um instrumento para construção de vitórias estratégicas.

A retificação de nosso Partido

93. O desafio posto ao longo destes 36 anos de construção do PT foi o de construir um partido de esquerda, socialista, democrático, de massas, enraizado na classe trabalhadora, com vocação de governo e de poder.

94. Obtivemos importantes êxitos desde 1980. Vencer quatro eleições presidenciais seguidas não foi um acidente eleitoral, foi produto de um acúmulo de forças importante, construído não apenas pelo PT, mas pelo conjunto da classe trabalhadora. Também por isto, não aceitamos a postura daqueles que, dentro e fora da esquerda, subestimam e minimizam aquilo que nossos governos, nosso Partido, seus aliados e o conjunto das forças da esquerda política e social conseguiram conquistar, desde 2003, em favor da classe trabalhadora.

95. Mas a quase derrota nas presidenciais de 2014, o impeachment de 31 de agosto de 2016, o massacre que sofremos no primeiro e no segundo turno das eleições municipais de 2016, o caráter estruturalmente limitado de nossas políticas de governo e, principalmente, a perda de apoio na classe trabalhadora revelam nossas limitações e erros. Limitações e erros que não são apenas do PT, mas de um conjunto de organizações da classe trabalhadora e da esquerda brasileira, que também estão chamadas a rever sua estratégia e sua conduta organizativa.

96. O principal destes erros foi, como já dissemos, a conciliação de classes, ou seja, a crença de que seria possível melhorar a vida do povo sem impor profundas derrotas à classe dominante.

97. Em decorrência disto, ocorreu uma adaptação do PT às instituições que deveríamos transformar. Ao contrário de antecipar, nas suas práticas e nos seus valores, as características do futuro que queremos construir, o PT foi se adaptando às tradições do passado e do presente. Precisamos aprender com os erros e tomar medidas para reverter e para impedir que ocorra novamente esta adaptação às práticas e hábitos da direita. É neste sentido que apresentamos o documento “O PT e a luta contra a corrupção”, do qual extraímos os trechos a seguir.

98. Neste momento o PT perdeu a batalha da opinião pública no que diz respeito ao tema corrupção. Entender os motivos disto e adotar medidas para reverter esta situação tornou-se, hoje, uma das condições indispensáveis para nos tirar da defensiva política.

99. Desde 1995, as campanhas eleitorais e o funcionamento cotidiano do Partido dos Trabalhadores tornaram-se crescentemente dependentes do financiamento privado empresarial. Começaram a surgir frequentes sinais de que este tipo de recurso era utilizado também nas disputas internas do Partido, ou para finalidades pessoais.

100. A crise de 2005 deixou claros todos os efeitos daninhos que o financiamento privado eleitoral pode causar a um partido de esquerda.  A crise teve, como saldo positivo, fortalecer a convicção, dentro do PT e de amplos setores da sociedade brasileira, de que é necessário eliminar totalmente o financiamento empresarial privado das campanhas eleitorais. Mas ao fim e ao cabo, a reforma política conduzida pelo então deputado Eduardo Cunha derrotou o financiamento público e manteve o financiamento privado, dando vantagem a milionários. Isto, mais o caixa dois, manteve a desigualdade nas campanhas eleitorais, como se viu em 2016.

101. Como em 2005 o PT não tomou as necessárias medidas corretivas, a direita fez como em outras épocas da história e utilizou o tema da corrupção para deflagrar um ataque contra a esquerda.

102. A Ação Penal 470, relativa ao caso, foi totalmente marcada por ilegalidades. As mais graves são o julgamento (que terminou em 2013) em uma única instância, a condenação por crime não comprovado, uma aplicação aberrante do chamado “domínio de fato”, o infundado e exacerbado aumento de pena para evitar a prescrição, a tolerância frente a casos similares praticados pelo PSDB, a definição de penas em clima de loteria, o caráter espetacular do julgamento, assim como o objetivo explícito e assumido de prejudicar politicamente o Partido dos Trabalhadores.

103. Olhando de conjunto o processo como um todo, percebemos que a crise de 2005 e a AP 470 resultam de um duplo movimento: por um lado, da ação combinada dos partidos de direita, do oligopólio da mídia e de seus tentáculos no aparato judicial-policial; por outro lado, de um conjunto de ações, opções, omissões e erros cometidos pelo PT e aliados de esquerda.

104. Apesar do alerta de 2005 e das autocríticas parciais feitas posteriormente, nos anos seguintes (2006-2014) o Partido aprofundou a dependência frente às contribuições empresariais privadas e não tomou medidas para impedir a promiscuidade com os interesses privados.

105. Amplos setores do Partido acreditavam que bastaria a legalidade formal de tal financiamento.

106. Foi neste contexto que ocorreu o desencadeamento da Operação Lava-Jato, que está na base da atual operação de cerco e aniquilamento.

107. Tal operação é realizada contra um partido e contra governos que muito fizeram para criar mecanismos institucionais de combate à corrupção.

108. Hoje fica claro que não basta criar, fortalecer e dar autonomia para quem combate a corrupção. Nos marcos do regime capitalista, de uma democracia baseada no poder do dinheiro e de uma esquerda que se deixa capturar, as instituições estatais supostamente dedicadas a combater a corrupção são postas a serviço não da eliminação da corrupção, mas da eliminação da esquerda.

109. Neste momento o PT perdeu a batalha da opinião pública. Na visão de extensos setores populares e dos setores médios, a pecha de “corrupto” grudou no partido.

110. Uma reversão global da situação depende de uma mudança na estratégia do Partido, que nos permita recuperarmos credibilidade e confiança perante amplos setores das classes trabalhadoras. E para isto é preciso que o PT dê sinais inequívocos — para as classes trabalhadoras — de que reconhecemos ter cometido erros graves e que estamos corrigindo estes erros.

111. O PT formará um juízo político próprio acerca dos casos, evitando repetir o mesmo erro cometido em 2005, quando o Partido nem defendeu, nem puniu adequadamente os envolvidos, deixando esta tarefa para a Justiça, que seguiu critérios que como se viu não foram de modo algum neutros.

112. Para formar seu próprio juízo, o Congresso do Partido nomeará uma Comissão Especial, com mandato determinado, composta por militantes eleitos/as pelo voto dos delegados e delegadas ao 6º Congresso em votação nominal e secreta, para examinar todos os casos em que militantes petistas são acusados de desvios éticos e de corrupção.

113. Esta Comissão terá o poder de determinar liminarmente a suspensão da filiação partidária e o afastamento de atividades dirigentes, já no decorrer das investigações, cabendo à direção partidária aprovar o relatório da Comissão e determinar as punições que couber em cada caso, sempre garantido a presunção de inocência e o contraditório.

114. Os resultados finais dos trabalhos desta Comissão serão apresentados publicamente, em plenárias com a militância partidária. Concluídos os trabalhos da Comissão, ela se converterá em Corregedoria permanente.

115. Como qualquer partido, o PT está sujeito a ter nas suas fileiras pessoas que cedem à corrupção. Mas, diferente de certos partidos, o PT se antecipará em identificar e punir quem o faça. Entre outros motivos porque a corrupção é antagônica ao nosso projeto de sociedade.

O PT e a luta contra a “conciliação”

116. As classes dominantes brasileiras sempre foram excludentes e violentas no trato dos demais setores sociais. Entretanto, no relacionamento entre as diversas frações da classe dominante, geralmente predominou a conciliação e o pacto entre as elites.

117. Quando o PT chegou ao governo nacional, em 2003, a orientação predominante no Partido era caracterizada pela moderação programática e política, bem como por uma aliança com setores capitalistas. Sendo importante lembrar que tal aliança incorporou inclusive o capital financeiro, transnacional e agropecuário. Um grande símbolo disto foi a política de juros adotada ao longo da maior parte dos governos Lula e Dilma. Outro símbolo é a política agrária e agrícola, não apenas pela não realização da reforma agrária, mas pela diferença entre os valores concedidos a agricultura familiar e ao agronegócio (em 2016, o Orçamento previu uma dotação de R$ 30 bilhões para a primeira e uma dotação de R$ 202 bilhões para o segundo).

118. Inicialmente e por certo período, grande parte do PT apoiou esta aliança, movido pela crença de que seria possível transformar o Brasil, melhorar a vida do povo brasileiro, ampliar as liberdades democráticas, defender a soberania nacional, implementar uma política externa de novo tipo, sem enfrentar e sem impor derrotas estratégicas à classe dominante e ao capitalismo.

119. E também motivo pela convicção de que seria impossível manter o governo, sem fazer alianças e concessões a classe dominante.

120. Além disso, acreditava-se que ao ser moderado, o PT estimularia a moderação também da classe dominante, na ilusão de queria possível humanizar o capitalismo e domesticar os capitalistas.

121. Durante algum tempo, esta aliança não impediu e em certa medida até contribuiu para alguns avanços econômicos e sociais. Mas sempre se tratou de uma aliança unilateral. Em nenhum momento a classe dominante e seus representantes deixaram de atacar nosso governo e a esquerda, sabotando nossas políticas e preparando o contra-ataque, que teve início a partir do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff.

122. O esgotamento da estratégia de melhorar a vida do povo sem fazer reformas estruturais, esgotamento em parte causado pela crise dos Estados Unidos e da Europa, levou o Brasil a uma disjuntiva: ou voltar às políticas neoliberais ou construir uma nova estratégia de desenvolvimento, tendo as estatais como orientadoras do processo e acompanhando isto com reformas estruturais que aprofundem a democracia, o bem-estar social, a soberania e a integração.

123. A classe dominante suportou a estratégia anterior, baseada principalmente em melhorar a vida do povo através de políticas públicas que ampliassem o consumo, porque o contexto nacional e internacional propiciava um grande enriquecimento ao grande capital. Já a nova estratégia, em um novo contexto, implicaria em restrições aos lucros do grande capital e, principalmente, fortaleceria o papel do Estado frente ao setor privado.

124. Por isto, o enfrentamento no tocante à taxa de juros e à lei da partilha do Pré-Sal foram divisores de águas, que empurraram o setor fundamental das classes dominantes, aberta ou sub-repticiamente, a decidir dar um basta à experiência governamental petista.

125. Quando isto aconteceu, a estratégia da conciliação mostrou todos os seus limites: não apenas foi tímida em realizar mudanças, como foi inepta em nos preparar para o momento da contraofensiva reacionária. Apesar disto, alguns setores do nosso Partido, assim como outros setores da esquerda, ainda estão prisioneiros desta estratégia. Isto ficou claro na tática de campanha e nas alianças de partido da esquerda com partidos golpistas nas eleições municipais de 2016; bem como no apoio de parte da bancada de esquerda à candidatura de Rodrigo Maia à presidência da Câmara dos Deputados.

Mudar o PT

126. Cabe ao nosso Partido, antes de mais nada, reafirmar seu caráter de partido transformador, portanto democrático-popular, socialista e internacionalista. Aprofundar nossa formação política e ideológica, para não repetir os erros que nos levaram a capitular frente à determinadas tradições da sociedade brasileira. Devemos superar a influência neoliberal e liberal, socialdemocrata e desenvolvimentista, keynesiana e nacionalista, presente em parcelas importantes de nossos filiados e de nossas políticas. É preciso retomar o fio da elaboração petista dos anos 1980, que abordava o debate programático de um ponto de vista socialista. Se o socialismo for apenas um objetivo futuro, para depois da tomada do poder, se tudo o que fizermos aqui e agora se mantiver nos marcos do capitalismo, então não estaremos fazendo mais do que gerenciar um sistema que tira com uma mão tudo que conseguimos com a outra.

127. Cabe, portanto, reafirmar o caráter de classe e de massas de nosso Partido. Somos um partido da classe trabalhadora. Reafirmar este caráter de classe é fundamental para retomar nossa influência junto a juventude, às mulheres, aos negros e negras, em todos os setores populares. Mas reafirmar o caráter de classe implica em sustentar o combate ao racismo, ao machismo, a LGBTfobia e ao preconceito de gênero.

128. Ser um partido da classe trabalhadora supõe e exige reconstruir os núcleos por local de trabalho estudo e moradia, entre outros mecanismos de participação de base e de vínculos com a classe. Com o mesmo espírito, o Partido dos Trabalhadores iniciará a construção de uma juventude de massas autônoma.

129. Cabe, ainda, reafirmar que somos ao mesmo tempo partido e movimento: um partido político organizado e um movimento de rebeldia cultural. Não se disputa o poder, se não construímos uma cultura distinta daquela do poder. Para isto são necessários instrumentos e práticas permanentes de comunicação de massa, de educação e de cultura. A começar por sedes partidárias que sejam, também, verdadeiros pontos de cultura.

130. A contraofensiva reacionária manipula de maneira grotesca a religiosidade popular, colocando em questão o Estado laico e estimulando o fundamentalismo. A esquerda brasileira tem uma tradição ecumênica e de diálogo inter-religioso. É preciso, utilizando o conhecimento e a sensibilidade acumulada com base nesta experiência, dialogar com as bases populares que hoje estão sob influência do neopentecostalismo e da teologia da prosperidade.

131. Cabe, igualmente, reafirmar nossa disposição de construir, com o conjunto da esquerda política e social, todo tipo de unidade na luta. O PT continua a ser o maior partido da esquerda. Mas os erros que cometemos fazem com que amplos setores da militância democrática, popular e socialista nos olhem com desconfiança, dúvida e inclusive rejeição. Não superaremos isto a não ser através da correção de rumos e da demonstração prática de que aprendemos com nossos erros e sabemos fazer diferente. Neste sentido, é preciso renovar profundamente a direção partidária e mudar práticas que se tornaram comuns no último período.

132. Nosso partido tem um grande passado, de que nos orgulhamos. Mas não queremos ser um partido que tem um grande passado pela frente. Queremos contribuir para que a classe trabalhadora e as maiorias populares do Brasil, da América Latina e Caribe, de todo o mundo possam viver em paz, democracia e bem-estar. É por isto e para isto que lutamos contra o capitalismo e pelo socialismo.


Página 13


Nenhum comentário:

Postar um comentário