Por Rafael Tomyama e Aila Marques*
A anunciada "virada" do candidato do PSB, Roberto Cláudio, por uma diferença de quase 75 mil votos sobre Elmano de Freitas do PT, no segundo turno da eleição em Fortaleza, não é exatamente uma "surpresa" inexplicável.
A campanha do PT e aliados foi crescendo ao longo do primeiro turno, apostando na identidade das políticas sociais da gestão petista com o meio popular. Tanto é que nos bairros mais pobres da cidade é que se deu a maioria que consagrou o candidato Elmano à frente dos demais, no início do segundo turno.
Empunhando a bandeira da "renovação", o outro candidato, apoiado da oligarquia familiar "neosocialista" dos Ferreira Gomes, chegou em segundo lugar, mesmo dispondo de tempo de TV e rádio muito maior no primeiro turno, com base numa ampla e heterogênea aliança, a qual atraiu ainda a maioria dos demais partidos no segundo turno.
O desenrolar da campanha empurrou a eleição a assumir uma característica plebiscitária quanto à aprovação ou não da prefeitura governada pelo PT há quase oito anos. Os adversários tentaram explorar o desgaste e os erros da administração petista desde a primeira eleição de Luizianne em 2004. A imprensa local redobrou o ataque que sempre desempenhou às imagens da gestão e da própria Prefeita, com baixarias e manipulações.
A campanha do PT foi bem sucedida em vários aspectos, mas errou feio em outros. O erro tático mais perceptível talvez tenha sido priorizar a fiscalização ao invés da militância de rua. Aliás, este problema é a face visível de uma fragilidade ainda mais profunda – uma verdade incômoda, mas que não pode deixar de ser dita – a excessiva institucionalização partidária e o quase total abandono da atuação de base nos movimentos sociais.
Independente dos erros ou acertos táticos, de marketing e/ou de fundo de ambas as campanhas, o fator decisivo, no entanto, se deu pelo verdadeiro estelionato eleitoral armado pela famiglia Ferreira Gomes e seus aliados.
Mandonismo e desilusão
Os irmãos Ciro, Cid e Ivo Ferreira Gomes são oriundos de uma tradição política conservadora, em Sobral, na região norte do Ceará. A família vem desde a antiga Arena, passando pelo: PDS, PMDB, PSDB, PPS e agora PSB. Além disso, mantém hoje, sob seu controle, pelo menos meia dúzia de legendas de aluguel.
Seu pouco compromisso partidário é revelador de seu desinteresse por projetos ideológicos. A expressão "coronéis do asfalto", cunhada como síntese do tassismo, no qual fizeram escola, caracteriza esta união dos interesses econômicos do grande capital com o tráfico de influências, troca de favores e dominação autoritária típicas do coronelismo.
A sanha insaciável pelo poder fez voltar "a criatura contra o criador", tendo sido o PT, entre outros partidos de esquerda, usados para destronar o reinado tucano em torno do ex-Senador Tasso Jereissati. Durante este período, a ala majoritária do PT usou de toda sorte de malabarismos verbais – que vão do "mal menor" à pura e simples colaboração de classes – para tentar justificar a aliança com os recém-convertidos "socialistas". Agora o PT, que enredou por esta política serviçal que os ajudou a galgarem posições no Estado, tornou-se a bola da vez.
Em verdade, o PFG (Partido dos Ferreira Gomes) é um "cavalo-de-tróia" dentro do PSB, uma fração da burguesia praticando um pernicioso entrismo corrupto. É um equívoco somá-lo como parte do aparente fortalecimento da legenda do pernambucano Eduardo Campos no Nordeste, pois seus interesses são tão somente circunstanciais e atendem a objetivos próprios.
Insatisfeitos com a rebeldia do PT liderado pela prefeita Luizianne, que escolheu democraticamente uma candidatura que representa a integridade do projeto político de esquerda, preferiram indicar um candidato fantoche e subserviente a seus interesses de domínio total.
Compra de votos em massa
O mise-en-scène do debate político, no entanto, não é suficiente para explicar a derrota do projeto popular e a vitória do mandonismo na capital. A verdade é que os Ferreira Gomes, mordidos pela dianteira do PT nas pesquisas e pela vinda do ex-presidente Lula, capitanearam uma tomada de assalto à cidade, como há muito não se via na era republicana.
A senha para o início da operação foi a "licença" do governador Cid Gomes, que abandonou a gestão do Estado para cuidar pessoalmente da eleição em Fortaleza. Em gestos midiáticos, andou numa espécie de motoneta sem capacete e posou para fotos jogando sinuca em bar com crianças e adolescentes (prática vedada por lei).
Ao mesmo tempo, desembarcaram inúmeras "caravanas" com o intuito de "amarelar" a cidade, orquestradas por deputados e prefeitos do interior vinculados à corte palaciana. Os grupos de ativistas pagos, trazidos de ônibus de cada município, receberam ainda hospedagem e alimentação. Às custas de quem?
Nestes dias, grupos vestidos de amarelo percorriam as ruas da periferia, de casa em casa, oferecendo benesses e cadastrando títulos das pessoas mais humildes, para aterrorizá-las, dizendo que teriam como saber em quem votaram. Lideranças comunitárias, inclusive petistas, foram tentadas por ofertas com valores astronômicos. Distribuíram-se cestas básicas e cédulas enroladas nos canos de bandeiras e dentro de caixas de fósforo, em plena luz do dia. Até na madrugada de sábado para domingo, a distribuição de bandeiras e camisetas e a compra maciça de votos, fez as comunidades mais suscetíveis amanhecerem amarelas.
No dia da eleição, por toda cidade, correligionários mauricinhos e capangas dos oligarcas encenaram um verdadeiro show de assalto à democracia e ao direito: carros de som ligados tocando jingles, panfletagens e aglomerações, além de ameaças, truculência, espancamentos e descaradas compra de votos. Tudo se deu diante de policiais que assistiam impassíveis ou se limitavam a dispersar os grupos, que logo se recompunham adiante.
Mesmo diante da letargia desmoralizada dos organismos de segurança e da justiça eleitoral em apurar o escandaloso abuso de poder econômico, no dia da eleição ainda foram presas dezenas de cabos eleitorais e até autoridades acusadas de boca-de-urna e compra de votos, o que motivou a ida do governador Cid Gomes e comitiva à sede da Polícia Federal para tentar intimidar os agentes públicos que lá estavam.
Futuro sombrio
Evidentemente, o PT está reunindo as provas para mover uma ação judicial que questiona o resultado eleitoral em Fortaleza. Mas o desenlace do julgamento é incerto.
O candidato "eleito", Roberto Cláudio faz agora o discurso comedido da conciliação. Usa o "fato consumado" e sacramentado pela mídia servil, para minimizar o verdadeiro estelionato eleitoral ocorrido, como se o questionamento judicial não passasse de ressentimento pós-eleitoral.
Os "panos quentes" são bem o oposto de algum eventual constrangimento. O que conta é o cálculo pragmático, de olho em 2014. A imprensa em geral deu destaque à vitória eleitoral do PSB em Fortaleza como parte do cenário partidário da disputa em torno da sucessão da Presidenta Dilma.
De todo modo, o PT local caminha insubordinado para assumir o papel de oposição que lhe foi delegado pelas urnas. O candidato petista recebeu mais de 576 mil votos (47% dos votos válidos) no segundo turno. O PT saiu de cabeça erguida, pois fez uma campanha limpa, projetou novas lideranças, apresentou suas propostas e defendeu a gestão e a continuidade das ações em benefício da maioria. Agora é o momento de fiscalizar, cobrar e retornar ao trabalho de base e às lutas sociais.
Para Fortaleza, no entanto, as expectativas não são boas. Em entrevistas, o "eleito" já começou a contradizer as suas próprias promessas de campanha. Os interesses do grande capital especulativo imobiliário e financeiro se coesionaram em torno de sua representação política de classe para ludibriar o povo mais carente e já lhe cobram o seu preço.
Logo mais vai "cair a ficha" de que o opressor tem lado e que o comércio do voto para atender ao imediatismo tem consequências para as políticas sociais nos próximos anos. A rapinagem patronal enxerga a cidade como um grande empreendimento e a sua expansão indefinida pressupõe retirar todos os empecilhos à: remoção das comunidades, espoliação do patrimônio histórico-cultural e devastação ambiental.
Ademais, se admitem tudo o que foi feito para ganhar uma eleição, o que se pode esperar de sua gestão na prefeitura? E o que se pode esperar de tais "aliados" na construção do projeto da esquerda democrática no país? Esta são as reflexões que o PT não pode deixar de fazer.
Porém, o mais importante, como lição desta experiência, são as tarefas inadiáveis que o Partido tem que capitanear para combater o retrocesso político no Brasil. Uma delas é a imprescindível regulamentação da mídia e a construção de canais alternativos de comunicação social. Outra, sem dúvida, é uma reforma política radical, capaz de qualificar a democracia republicana brasileira.
*Rafael Tomyama e Aila Marques integram a Direção Nacional da AE
Publicado no jornal Página 13 n° 114, novembro de 2012
Como já venho dizendo desde 2010. PT tem q ter candidatura própria pra governador.Em 2010 cheguei a sugerir o "aliado" Inácio Arruda, alguns reclamaram! Em uma comunidade do Orkut na qual faço parte. Eu já antevia que algo de bom não poderia sair dali, pois em 2008 Ciro já tinha demonstrado q sua aliança com o PT era meramente ficticia, quando apoiou sua ex mulher patricia pra Prefeita. Agora Ciro já faz discurso de rei louco dizendo que Lula só chegou a 86% no Ceará graças a eles, o que na verdade é o contrário, pois graças a Lula, eles hoje tem o governodo estado, pois eles sabiam tanto em 2006, como em 2010 que o PT faria fácil governo próprio. Eles agoram usam a mesma historinha de aliança, para que o governo estadual continue com eles. Só que chegou a hora do PT sair dessa e partir pra independência. Os Ferreiras Gomes não são aliados e sim oportunistas que estão sugando o PT.
ResponderExcluirÉ conheço o Ciro Gomes desde fins da década de 70, quando ele era da ARENA e da chapa da UNE MAIORIA, da extrema direita.
ResponderExcluirDepois, ele aparentemente mudou.
Após ter sido derrotado pela esquerda. Na UFC, perdeu espaço para a esquerda, na UNE ele foi fragorosamente derrotado, na primeira eleição direta, com sua chapa que defendia o regime militar.
Depois, disse ser mais progressista. A franqueza parece que não existe, quando se vê o mandonismo e a forma oligarquica que dirige forças políticas no Ceará.
É alguém muito cameleônico. Cuidado é sempre pouco.