quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

AE: Conferência de Combate ao Racismo

Tendência petista Articulação de Esquerda realiza sua 1ª Conferência Nacional de Combate ao Racismo



A 1ª Conferência Nacional de COMBATE AO RACISMO da tendência petista Articulação de Esquerda será realizada nos dias 23 e 24 de janeiro de 2015, na cidade de Guararema / SP, na sede Escola Nacional Florestan Fernandes. Confira o material do evento:


Texto base da 1ª Conferência Nacional de Combate ao Racismo da tendência petista Articulação de Esquerda

A tendência petista Articulação de Esquerda (AE), reafirma sua adesão à luta antirracista, frente de luta para o combate ao racismo e a toda forma de preconceito, discriminação, intolerância racial, religiosa e correlata.

A AE considera que a luta antirracista é parte da luta pela emancipação da classe trabalhadora e, portanto, é uma das expressões concretas da estratégia socialista.

A rede de articulação capitalista utiliza o acirramento racial como uma das estratégias de opressão para sua manutenção, com vista a sobrepor uma parcela da sociedade sobre a outra, caracterizando-as para sua distinção a cor da pele, a territorialidade, sua profissão de fé, bem como demais costumes e culturas.

As condições históricas de surgimento e expansão do capitalismo, via colonialismo e imperialismo, impuseram –no imaginário de parcela das sociedades ditas periféricas– a supremacia das raças as de origens eurocêntrica.

Cabe à Articulação de Esquerda contribuir para que o PT e o conjunto da esquerda brasileira organizem os seus quadros para a luta visando a superação das desigualdades raciais e de toda forma de preconceito, discriminação, intolerância racial, religiosa e correlata.

Devendo o conjunto da tendência viabilizar meios e condições materiais e objetivas para que seus militantes, que atuam nos movimentos antirracismo, atuem organizadamente nos mais diversos movimentos, se organizem em núcleos e setoriais, participem das frentes de massa da tendência e nas respectivas direções, com o objetivo de ajudar a nortear os trabalhos e a intervenção da tendência na luta antirracismo.

Classe e raça: a parelha irredutível

A análise das condições políticas, econômicas e sociais dos negros e negras no Brasil contemporâneo deve incluir a compreensão das raízes estruturais do racismo, de sua relação com a colonização e com o capitalismo à moda brasileira, bases de um arcabouço jurídico e ideológico – herdado do período da colônia e do império— que ainda hoje se fazem presentes. Deve incluir, também, a compreensão dos avanços relativos às gestões da política nacional encabeçada pelo PT nos governos Lula e Dilma.

A compreensão das variáveis acima citadas é necessária, seja para entender o sistema racista existente no Brasil, seja para entender a atuação e os relativos graus de organização dos Movimentos Negros no Brasil e da classe trabalhadora, em especial a esquerda, e a adesão ao projeto capaz de superar o racismo.

Essas formas de considerar o entendimento do sistema “racialista” no Brasil, a partir da sua base estrutural e da dinâmica conjuntural, são complementares e interdependentes.

Em outros termos, elas possibilitam uma leitura da conjuntura e do trabalho tático a ser desenvolvido e, por outro lado apontam de modo radical, na raiz, a questão estrutural concernente à superação do capitalismo, em cujo núcleo, de modo inseparável, estão as desigualdades de classe e raça.

Compreensão que se aplica, na mesma medida, para a superação das desigualdades raciais. Compreender os vínculos indissociáveis entre classe e raça é um passo teórico indispensável para a superação do racismo e igualmente para a superação do capitalismo no Brasil.

Os avanços relativos à era Lula e Dilma

O Partido dos Trabalhadores venceu a eleição em meio a campanha de medo e ódio, esperança e expectativa, por fim a esperança venceu o medo. Em 2003 Luis Inácio da Silva assume em meio a uma conjuntura muito ruim, pautada pela instabilidade econômica, todo um caos nos serviços públicos, ideias e concepção de um Estado mínimo e privatista resultado da implantação do receituário neoliberal iniciado já no governo de Collor, passando pelo Itamar e findando com muito mais força e também perto de seu esgotamento no dois governo do FHC. A presença absoluta do neoliberalismo disseminava, do ponto de vista ideológico uma conjuntura de empobrecidos e empobrecimento.

Já no primeiro ano de Governo, a pedido do movimento negro, Lula institucionalizou as políticas antirracistas chamando para sua responsabilidade como gestor as políticas públicas de combate ao racismo e de superação de toda e qualquer forma de discriminação. A atuação de vários quadros dos movimentos negros criou instrumentos institucionais, administrativos e jurídicos para delimitar um campo estabilizado e denominado de promoção da igualdade racial. Todas as conquistas foram construídas pela ação, pressão e orientação dos Movimentos Negros e de quadros históricos ligados ao antirracismo, muitos desses militantes do PT.

Além da própria SEPPIR, avulta nesse processo a Lei 10.639, que trata da obrigatoriedade, nos estabelecimentos de ensino do país, da história e dos aportes civilizatórios dos povos negros presentes no território nacional e na diáspora negra.

Fome zero, Bolsa família, Luz Para Todos, Minha Casa–Minha Vida e outros programas educacionais, culturais e de cunho social de grande alcance popular foram combinados com políticas para negros e negras, comunidades quilombolas e indígenas.

Muitos saíram da condição de indigência por contas de exigências de contrapartidas, caracterizando muito mais do que mera transferência de renda mais política de promoção da igualdade racial e superação das disparidades. Muito avançamos, porém ainda há muito mais para avançar.

Como alterar substantivamente as condições de vida de milhões de negros e negras?

Se a atual política governamental não atinge os milhões de negros e negras que vivem em condições de sub-cidadania, então sua capacidade de superar as desigualdades raciais têm limites.

Podemos apontar para a necessidade de outro posicionamento dos Movimentos Negros, da esquerda e governos petistas brasileiros. Isto se considerarmos que o crescimento do país, a redistribuição de renda, a taxa de analfabetismo, os dados relativos à violência, o acesso aos bens culturais, materiais e de representação no poder, estão muito longe de resolver a questão das desigualdades raciais.

No que toca aos Movimentos Negros é necessário um posicionamento além do onguismo e da luta meramente institucional. Elas não bastam e/ou impõem desvios que prejudicam a luta. O processo de onguinização de setores do Movimento Negro e a luta nos limites institucionais são entraves para uma política radical negra.

Mesmo no limite do Estado que temos é preciso mais negros e negras comprometidos/as com a questão racial, inseridos/as e comprometidos/as com o movimento negro nas instâncias governamentais e nos aparelhos de governo, como também nos legislativos e judiciários, para encaminhar mudanças radicais.

Reafirmamos que o onguimo ou onguinização de setores do movimento negro, inclusive nos pontos de cultura, é fator de desmobilização, haja vista o processo de subordinação política de quadros do movimento negro aos seus agentes financiadores, sobretudo ao governo federal.

A tímida adesão da militância de esquerda –seja ela negra ou não– à luta antirracista é outro sério comprometedor da luta, não compreendendo que a luta antirracismo não é apenas uma “frente” específica de luta, em paralelo a outras, mas também um componente que deve estar presente em todas as frentes de luta.

A esquerda e a superação do racismo

A esquerda continua resistente a incorporar a dimensão racial como uma das estruturas fundante das desigualdades sociais no país.

Parte importante das esquerdas brasileiras sempre hesitaram em assumir a questão racial ou a reduzem como uma consequência da luta de classes.

É preciso alterar essa visão e forma de intervenção. Pela leitura dos dados, pela compreensão de como se estrutura o racismo e o capitalismo no Brasil, fica evidente a necessidade da afirmação de uma teoria, de um programa e de uma estratégia que incorporem a dimensão, inseparável, de classe e raça.

Questionar de forma consequente, completa, radical, o modelo capitalista de organização social no Brasil só é possível se questionarmos o racismo e se construirmos uma luta contra ele. Sem a compreensão do fenômeno racial e sem outros métodos de intervenção, só teremos avanços relativos, se tivermos.

Os avanços são relativos pela seguinte razão: o modelo de resistência e luta pela superação do capitalismo tem deixado muitas vezes de considerar adequadamente, nas suas formulações, as bandeiras de luta dos negros e o projeto de superação das desigualdades raciais.

Precisamos de uma leitura, conceitos e políticas que considerem o território, o espaço, o lugar, a corporeidade negra isto é, que leve em conta as relações e as desigualdades raciais e o racismo como sistema, comprovadamente nas práticas fatídicas do genocídio da população negra, da violência policial e institucional, como também nos dados da realidade concreta das desigualdades socioespaciais, ocupacionais e educacionais, o também chamado racismo ambiental.

Dados que revelam a situação de exclusão e confirmam os avanços apenas relativos, estão na base dos índices de vulnerabilidade à morte especialmente pela ação e execução organizada pelo sistema policial brasileiro e pelos homicídios em incontáveis situações.

A morte de negros, notadamente jovens de 15 a 26 anos, não gera a necessária comoção, não é objeto da devida mobilização.

Nos últimos 10 anos o país registrou 522 mil homicídios. Os assassinados, jovens negros na sua absoluta maioria, são moradores das áreas urbanas destituídas de saneamento básico, equipamentos culturais e de toda a monta de benefícios sociais. As condições socioespaciais são bem explicativas da relação inquestionável da violência, do genocídio da população negra e da segregação espacial.

As mortes, o extermínio sistemático sob a alegação de resistência à prisão, ocorrem em profusão em morros, favelas e nas áreas urbanas precariamente investidas de cidadania.

Outros casos, na senda do genocídio, são registrados nos espaços potencialmente reservados para “brancos”, ricos, os Shopping Center, os bairros das classes abastadas e universidades públicas de ponta. Em todos os casos, o racismo deixa raiz na configuração socioespacial urdida, de modo inseparável, pela parelha de classe e raça.

Considerando a mesma faixa etária, pesquisas revelam que o número de jovens negros assassinados chega a quase 2000% em relação aos jovens brancos. Temos, respectivamente, nos estados líderes em assassinatos de negros o quadro seguinte: Paraíba (1,971,2%), Alagoas (1.304,0%) e Salvador (798,5%).

“Dados do Ministério da Justiça revelam que, em 2002, em cada grupo de 100 mil negros, 30 foram assassinados. O número subiu para 33,6 em 2008, enquanto entre os brancos, o número de mortos por homicídio, que era de 20,6 por 1000, caiu para 15,9. Em 2002, morriam proporcionalmente 46% mais negros que brancos. O percentual cresce de forma preocupante. Uma vez que salta de 67% para 103%. São 103,4% maiores as chances de morrer uma pessoa negra, se comparada a uma branca; sendo 127% a probabilidade de morte de um jovem negro (de 15 a 26 anos) à de um branco da mesma faixa etária.”33,5 mil jovens negros serão, conforme estudos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a UNICEF e o Observatório de Favelas, executados, no Brasil, de 2006 até o final do ano de 2012.

Dados divulgados oralmente pelo Movimento Cultural Hip Hop, na voz dos Racionais, nos ensinam que jovens negros têm um risco 3 vezes maior de morrer executado pela polícia em comparação aos brancos.

A violência policial é uma totalidade

Nos atos de violência contra negros há de modo direto a marca do racismo à brasileira e do genocídio, iniciado de maneira sistemática pós 13 de maio de 1888 isto é, há quase 127 anos, de negros e negras, tendo como alvo preferencial a juventude desse segmento étnico-racial.

De lá para cá, sem desconsiderar o período de trabalho escravizado, a matança de negros não gera a necessária comoção, não atingiu a força suficiente para mobilizar a maioria da classe trabalhadora, a começar pelos militantes das esquerdas, para enfrentar a superação do racismo estruturalmente instalado entre nós. Setores dos movimentos negros brasileiros atuam isoladamente.

Esse quadro precisa ser revertido.

Por conta dessa realidade, não basta chamar os movimentos para a mobilização. É preciso chamá-los, sim, sem dúvida, mas considerando isto como uma etapa tática de enfrentamento nacional da violência policial contra negros e pobres e, no mesmo golpe-movimento, participar com aqueles que historicamente enfrentam a violência policial e, na mesma conta, organizar os negros e as negras que estão à margem do efetivo combate às desigualdades raciais, o conjunto dos trabalhadores e um amplo campo antirracismo, sempre à esquerda, para atacar, do ponto de vista estratégico, o racismo estruturalmente sedimentado no Brasil.

O conjunto da esquerda brasileira precisa entender como funciona e se define o sistema racista à brasileira. É preciso entender a realidade concreta do racismo à brasileira, as desigualdades locacionais, ocupacionais, educacionais e jurídicas ou institucionais, e a sua existência sistêmica com as políticas de branqueamento, mito de democracia racial, fábula de cordialidade no âmbito das relações raciais e a política do silêncio.

Compreender o sistema racista em vigência no país é parte inseparável da compreensão do capitalismo no Brasil, tendo em vista a associação entre as desigualdades de raça e classe.

A violência praticada pelo sistema policial brasileiro, no genocídio da população jovem e negra, revela a inseparabilidade desses atos dos índices de vulnerabilidade social/racial a que estão expostos os povos negros no território nacional.

A violência policial é dialeticamente, como parte do sistema racista brasileiro, uma totalidade.

Dialeticamente a parte e o todo estão em movimento. O combate à violência policial exige a compreensão e igualmente políticas para enfrentar o sistema racista. Há uma relação profunda com o desemprego, os baixos salários, as condições socioespaciais (morros/favelas/bairros precários), a identidade frustrada pelos sistemas televisivos e educacionais à moda europeia e o isolamento político.

A violência contra a população negra não aparece em grande parte das análises de conjuntura e tampouco em parte das leituras concernentes à compreensão da dimensão estrutural do capitalismo no Brasil.

É possível mudar as estruturas fundadas em bases raciais e de classe sem considerá-las efetivamente? A violência contra negros é duplamente explicativa; ela revela o problema e aponta a necessidade de construção de outro método e política para superá-lo.

Violência policial e vulnerabilidade social

Os dados comprovam que os atos de violência racial afetam cada vez mais os negros e mais ainda a juventude negra e os lugares (morros, favelas, áreas urbanas precárias, Shopping Center, universidades, bairros das classes abastadas) não têm origem unicamente local. Os Estados campeões de violência, Paraíba, Alagoas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, entre outros, revelam, de modo emblemático, a relação entre os lugares e uma ordem mais ampla dada pelos Estados e País.

O comando, considerando o Estado Brasileiro e as suas instâncias jurídicas, militar, prisional, é nacional, mas as ações são sentidas nos lugares, na dimensão socioespacial e recortam o cotidiano  da população negra.

É vital a significação conjunta das desigualdades locacionais (socioespaciais), ocupacionais, educacionais e jurídico institucionais. Assim, para manter os negros e negras segregados/as em determinados espaços e emparedados em outros, cada ato do sistema policial é uma manifestação de uma totalidade.

A objetivação desencadeada pelo sistema policial é uma objetivação do racismo, mas não é a única. As estatísticas, alusivas à vulnerabilidade social a que estão submetidos os povos negros no Brasil, permitem desenhar o mapa da exclusão de negros e negras e reconhecer, sobre o território, áreas de negros, ou seja, favelas, morros, bairros pobres e destituídos de bens materiais e sociais.

O assassinato de negros não se dão isoladamente, mas em conjuntos sistêmicos, que são organizados para o extermínio, de acordo com a política racista, para a regulação, no que se refere aos espaços sociais dos negros numa linha de medo, terror permanente, e de limitação da corporeidade e do impedimento de organização, enquanto grupo, desse segmento étnico-racial.

O Estado Brasileiro, apesar de fração dele esta sob a égide de um governo de caráter democrático e popular, usa na extensão do território nacional, a violência, materializada por leis ou não, para assassinar negros como corolário de uma política organizada e orientada pelas classes dominantes e pelas agências constitutivas, à direita, desse mesmo Estado.

Os sistemas policial, militar, jurídico, prisional e todas as esferas de representação e poder são (e foram) erigidos, no espectro do Estado Brasileiro, a partir do ideário racista.

A realidade histórica da exclusão e violência contra negros não se dá isoladamente.

Violência policial e vulnerabilidade social / racial formam um conjunto coerente, indissociável. As ocorrências se multiplicam por inúmeras cidades, é problema nacional e estrutural na conjugação das balizas de segregação e de desigualdades raciais. E nacional também e igualmente estrutural a força dos emissores do genocídio de negros, embora assentada e sentida, não poderia ser de outro modo, nos lugares, nos espaços de vida e cotidiano de milhões de sujeitos da negrura.

A emancipação da mulher negra

A cultura tem uma influência muito grande no processo de desigualdade entre os gêneros. As mulheres ainda estão sendo educadas para uma formação profissional tradicional pertencente a um suposto “nicho feminino”, na maioria das vezes, para atividades pouco valorizadas no mercado de trabalho.

Mas esse quadro necessita ser revertido porque a cada vez, há mais mulheres inserindo-se no mercado de trabalho e provendo seus lares com seu salário. O interesse da mulher em aumentar seu nível de escolaridade e aperfeiçoamento também tem crescido. Tal interesse pode estar relacionado às possibilidades de melhorar sua qualificação profissional e como consequência, incrementar os seus rendimentos salariais. Mas a igualdade salarial entre homens e mulheres não está atrelada à qualificação e tampouco à escolaridade.

Todas as dificuldades de gênero apresentadas sofrem um agravante quando associadas às mulheres negras porque essas ainda devem enfrentar o preconceito étnico-racial, deixando claro que existe sim, desigualdades também entre as mulheres, fazendo com que o governo lance um olhar para essa situação e por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres, implemente políticas públicas afirmativas visando superar as desigualdades de gênero e raça.

Os dados dos últimos censos e pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam um grande crescimento da proporção de famílias chefiadas por mulheres apontando o fenômeno da feminização da pobreza.

As mulheres são maioria na categoria referente às famílias chefiadas por pessoas na faixa dos 15 a 19 anos de idade, colocando a chefia dos lares em condições desfavoráveis para as mulheres principalmente pelo fator da idade mais jovem. Quanto às mulheres negras, os dados relacionados às desigualdades são ainda mais impressionantes, o que aponta que a desigualdade social combina elementos étnico-raciais e de gênero.

O impacto das desigualdades de gênero, considerando-se a questão da “Feminização da pobreza”, estende-se para além da esfera doméstica e fatalmente virá a atingir a futura geração de meninas que já vivem em situação de exclusão e que têm diminuídas as suas oportunidades de almejar a condição de sujeitos de direitos e um futuro diferente da geração anterior. Para a organização das Nações Unidas, a equidade de gênero é indispensável no sentido de promover o desenvolvimento e obter a redução da pobreza. Mulheres com maiores níveis de educação e participação no mercado de trabalho, em geral, estão mais capacitadas a contribuir para a saúde e produtividade de suas famílias e localidades, criando melhores perspectivas de vida direcionadas às novas gerações.

Outro dado que aqui merece destaque é a violência doméstica. É uma das formas mais comum de manifestação da violência e, no entanto, uma das mais invisíveis, sendo uma das violações dos direitos humanos mais praticadas e menos reconhecidas do mundo.

Trata-se de um fenômeno mundial que não respeita fronteiras de classe social, raça/etnia, religião, idade e grau de escolaridade. Embora, é importante dizer, suas maiores expressões quantitativas e qualitativas se verifiquem nos setores populares e étnicos oprimidos.

Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (Holanda), que pesquisou a violência doméstica em 138 mil mulheres de 54 países, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica. A cada 4 (quatro) minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar, por urna pessoa com quem mantém uma relação de afeto. Mais de 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarrações, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos. 62%, das mulheres que denunciam situação de violência são negras.

Os serviços de saúde informatizados que não contemplam o “quesito cor”, conforme especificações do IBGE, necessitam fazê-lo. A invisibilidade das populações ditas “não-brancas” nas estatísticas brasileiras é uma herança racista que precisa ser banida, portanto o recorte racial da violência é um dado essencial para o combate às práticas racistas.

O Lugar de mulher negra é nos espaços de poder

O empoderamento de mulheres pode ser considerado uma das muitas tarefas difíceis que temos enfrentado dentro da esquerda em geral, inclusive do Partido dos Trabalhadores, ainda que a medida de ação afirmativa de 1991, tenha aprovado a presença de mulheres nas direções.

E quando se trata das mulheres negras, as barreiras enfrentadas no acesso aos espaços de debate e ocupação de cargos de poder é dificultado por conta de uma estrutura machista e racista, que tem esculpido esses espaços para serem ocupados pelos homens e mulheres brancas, em especial, os homens brancos.

Nesta hierarquização social brasileira, as mulheres negras ocupam as piores posições em relação homens e mulheres brancas, aos índices de educação, saúde, mercado de trabalho e na política.

Entretanto esta pirâmide social, não é apenas definida pelas questões de gênero e compreendendo que o gênero é a forma como determinamos o que é ser masculino/feminino na nossa sociedade, essa pirâmide também estará intercalada pelas questões de étnica racial e de sexualidade.

O Brasil vivenciou 3 séculos de escravidão, o Racismo ainda é fator social, que está impregnado na estrutura da sociedade. No plano histórico, esta foi fomentadora de um processo escravocrata que produziu diferenças raciais, que passaram a se expressar em desigualdades sociais em todos os espaços.

O capitalismo enquanto sistema de opressão, tem se valido dessas desigualdades e discriminações, o qual as mulheres negras são os principais alvos desta ação. Para não dar continuidade e fundamentando os espaços de formação e debates dentro da nossa tendência é preciso visibilizar as mulheres negras. Nossa tendência tem feito política de gêneros na teoria e não práxis, não tem conseguido incorporar de fato políticas públicas capazes de concretizar direitos formais.

Portanto, o racismo, o machismo e a homofobia andam lado a lado com o sistema capitalista, em uma relação de fortalecimento mútuo. Para vivenciarmos, portanto uma sociedade igualitária, não basta lutar por um novo sistema, é preciso também lutar para a superação destas ideologias.

É repetido pelos movimentos sociais que “não existe socialismo sem feminismo”; nós dizemos que não existirá uma sociedade verdadeiramente igualitária, enquanto não tivermos superado o machismo, o racismo, a homo-lesbo-transfobia. É isto começa já, na defesa de mais mulheres negras nos espaços de poder. E de políticas específicas e espaços de debates dentro dos espaços da esquerda brasleira.

É preciso compreender que estas desigualdades não caminham sozinhas, mas se intercalam gerando opressões específicas, que são vivenciadas por grupos sociais diferentes. Portanto, alguém estará na base da pirâmide social, e quem ocupa esta base são as mulheres negras.

O último Retrato sobre a Desigualdade de Raça e Gênero-2009, realizado pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, realizado em parceria com a ONU Mulheres, Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), demonstrou que as mulheres negras estão entre a minoria no ensino superior (A taxa de escolarização de mulheres brancas no ensino superior é de 23,8%, enquanto, entre as mulheres negras, esta taxa é de apenas 9,9%.), demonstrando que apesar da entrada das mulheres nas universidades, ainda temos uma grande disparidade entre o número de mulheres negras e mulheres brancas que conseguem se inserir nesse espaço. As mulheres negras são minoria no acesso à previdência social é a maioria entre os desempregados e as desempregadas, maioria no trabalho informal, ou seja, sem carteira assinada, e maioria no trabalho doméstico, chegando a apontar um contingente de cerca de 30 mil mulheres em trabalho escravo.

O IPEA também avaliou a situação de uma bandeira histórica do movimento feminista, que é a questão salarial, em pleno século XXI, as mulheres ganham menos do que os homens, embora exercendo a mesma função. Avalia-se que a média salarial dos homens brancos estava em torno de R$ 1.491,00, o das Mulheres Brancas, de R$ 957,00, posteriormente neste ranking, viriam os Homens Negros recebendo R$ 833,50 e por final, recebendo o menor salário as Mulheres Negras com R$ 544, 40.

Apesar da luta do Movimento Negro e dos avanços referentes à equiparação salarial; as mulheres brancas, mesmo recebendo menos que os homens brancos, ainda recebem mais do que os homens negros e do que as mulheres negras. Obviamente que ver isto em um órgão oficial, é importante, o movimento negro e o movimento de mulheres negras já denunciavam este problema há muito tempo.

Embora as mulheres estejam submetidas à opressão de gênero, a opressão de raça e classe impõe separações. Já foi dito que “é preciso enegrecer o feminismo”. Consideramos que é preciso enegrecer o feminismo, o socialismo, e todas as outras ideologias que lutam pela igualdade.

As mulheres brancas são companheiras importantíssimas para a luta contra o racismo e machismo, mas estas também estão inseridas em um sistema que a protegeu durante todo o tempo, que não a jogou as ruas para conseguir o pão do dia a dia. Em muitos momentos estas se revelam enquanto opressoras, silenciando e ocupando os espaços, na dita “sororidade”.

Já foi perguntado, também, que quando “falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estão falando?”

As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, por que nunca foram tratadas como frágeis, fazendo parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravos nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar. Mulheres que foram às ruas, às universidades e ergueram bandeiras, são maioria e elegem representantes, mas antes de tudo querem representar e falar por si mesmas.

As mulheres negras necessitaram construir espaços específicos para sua militância, inclusive no Partido e na tendência: coletivos de mulheres negras, entre outros.

Contextos históricos diferenciados levarão a pautas diferenciadas, onde as mulheres negras trazem para si também a luta contra o racismo, exercendo sua militância também nos espaços mistos do movimento negro enquanto tendência partidária.

O que chamamos de “sub-representação política” das mulheres, atinge as mulheres negras de uma forma crucial. Um exemplo é nosso congresso. Têm-se poucas mulheres representando este espaço, quando fazemos o recorte racial, o número cai drasticamente. Portanto tanto dentro do espaço parlamentar, quanto dentro dos movimentos sociais, as mulheres negras vêm lutando pela sua afirmação enquanto sujeito político e capaz de estar à frente dos espaços de poder. O “à frente” vem ressaltado por perceber que em muitos espaços as mulheres negras, acabam “carregando piano”, ou seja, cumprindo funções que dão base aos dirigentes, mas não são tratadas como tal.

Por isso o número reduzido de mulheres negras candidatas, de mulheres “presidentas” de associações, coletivos, grupos políticos, ocupando a linha de frente. A partir desse quadro, considero que os espaços de mulheres negras, devem ser dirigidos por mulheres negras, pois estes espaços nasceram de uma articulação destas ao perceberem que os espaços feministas não contemplavam a complexidade da nossa vivência, dirigidas em especial, por mulheres negras que tenham a compreensão do que é ser mulher negra nesse país.

Consideramos importante que as mulheres negras estejam em todos os espaços de direção do Partido, mas considero mais ainda que estas façam o debate racial nesse espaço. Ao contrário do que se coloca este ainda é um problema que precisa ser discutido nos espaços políticos.

É preciso enfrentar argumentos equivocados e que continuam a permear o senso comum, como o dito “Racismo Inverso”. Mesmo que isto em tese fosse possível, o fato é que os negros e negras não tem o poder de ser racistas.

Racismo negro não é nem possível porque os negros não podem reinventar a história. O racismo surgiu uma vez só. Enegrecer os espaços deliberativos da nossa sociedade, empoderando as mulheres negras, se faz, cada vez mais necessário.

Principalmente as mulheres da periferia, dos nossos quilombos urbanos ou da Zona Rural, onde fomos jogados na pós-abolição sem qualquer assistência. Mulher negra no poder, uma presidenta negra, uma “direção” negra, certamente mexe com o psicológico de toda uma nação negra excluída. Mas tanto a eleição de Dilma quanto a eleição de Obama demonstram que as transformações profundas, capazes de superar o racismo e o machismo, vão muito além dos processos eleitorais. Se nossa ação política não estiver voltada a superação do capitalismo, não teremos êxito na superação do racismo, do sexismo, da homofobia.

Juventude negra e a violência

A juventude negra protagoniza os mais alarmantes cenários de precariedade da sociedade brasileira. Ora se tratamos de questões econômicas, ora se no referirmos as questões sociais e políticas. Para as questões econômicas percebemos que ocupam os cargos menos qualificados, com poucas condições de ascensão, dificuldade em encontrar uma ocupação, maior informalidade nas relações trabalhistas e menores rendimentos. Além de enfrentarem a pré-seleção curricular quando as empresas e empregadores diversos exigem fotos.

Para as questões sociais, a discrepância das relações estruturais de moradia, saúde e a mais mal fadada repressão policial. Segundo estimativas da Disoc/Ipea, a partir de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2000, a taxa de vítimas de homicídio de jovens negros era de 74,1 por 100 mil habitantes, bastante superior à observada para os brancos da mesma idade, de 41,8 por 100 mil habitantes. Cerca de 11,5 milhões de jovens negros de 18 a 24 anos de idade, o que representa 6,6% da população brasileira. Em média, os jovens negros têm dois anos a menos de estudo do que os brancos da mesma faixa etária. A taxa de analfabetismo, de 5,8%, é três vezes maior do que a observada para os jovens brancos (1,9%).

A juventude negra preocupada com estes alarmantes índices resolveu fazer frente as estas questões e constituindo um movimento de denúncia que culminou no Fórum Nacional de Juventude Negra, espaço de articulação e proposição de políticas de combate a discriminação racial para este segmento.

Religião como resistência contra hegemônica

As principais religiões afro-brasileiras, o candomblé e a umbanda tem forte penetração no país, especialmente em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e na Bahia. Em 1991, existiam quase 650 mil adeptos, de acordo com o censo do IBGE. Estudiosos dessas religiões estimam que quase um terço da população brasileira frequenta um centro. Esse número inclui tanto os frequentadores assíduos quanto os esporádicos, que muitas vezes estão ligados também a outras religiões.

A religião afro-brasileira consegue num movimento de resistência manter vivos os referenciais da ancestralidade africana, tendo um forte potencial de combate a submissão cultural e política imposta como consequência de todo o regime escravocrata.

A cultura dos africanos foi desprezada pelos descendentes europeus no Brasil que rejeitaram a teoria e prática na tentativa da construção do mito da democracia racial e por fim a extinção do negro no Brasil.

Ao renegar a cultura africana a condição de simples folclore aliena-se a identidade do homem transformando-o em um não-ser que a elite branca domina e manipula. Omitindo a importância de se admitir a matriz cultural africana como formadora da identidade nacional.

Questão urbana e limpeza étnico-racial

Tivemos na cidade de Campinas, de 2008 a 2011, como parte de um programa do governo municipal, um programa denominado de Tolerância Zero, programa fascista e racista que visava, entre outras formas de violência, prender, matar e ainda devolver andarilhos, adictos, desempregados migrantes, moradores de rua e sem teto para as suas cidades de origem.

O programa de sanitarização urbana feito em Campinas, revogado pela luta dos movimentos sociais e PT, chama a atenção para projetos semelhantes em marcha no país e especialmente nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outras que sediaram os jogos da copa de 2014 e o na cidade do Rio de Janeiro por conta dos jogos olímpicos e paraolímpicos de 2016.

Quantos negros vão morrer nas ações policiais para viabiliza os jogos olímpicos de 2016, do ponto de vista da indústria turística, imobiliária e televisiva, os programas de “pacificação” no Rio de Janeiro com sua limpeza étnico-racial do entorno da zona sul e dos equipamentos e sistemas técnicos esportivos?

Quantas favelas e morros serão duramente destroçados para proteger os ricos, criminalizar a pobreza e extinguir a presença negra?

Quantos negros morram nos programas de sanitarização étnico-racial e urbana empreendidas nas cidades sedes da copa do mundo na cidade do Rio de Janeiro e quantos vão ainda sofrer nos dois eventos olímpicos? Ações racistas, higienizadoras, virão em profusão e em várias frentes. As comunidades negras, que moram no entorno dos sistemas técnicos e esportivos nas cidades do Rio de Janeiro e nas outras capitais sedes dos jogos de 2014, entrarão nas estatísticas do genocídio, prisões e deslocamentos sumários de parcelas significativas de negros (as) para áreas distantes do ponto de vista geográfico e social sem a menos comoção por parte da sociedade conservadora.

Mais dados e mais exclusão

Vários órgãos de pesquisa apontam para a vulnerabilidade social de negros e negras no acesso à educação, à moradia, ao trabalho, à terra e à justiça. De acordo com o IBGE, os negros representam 70% dos cerca de 14 milhões de analfabetos do país. Nas universidades públicas federais temos 0,7 de docentes negros. Em 2007, entre a população branca com mais de 16 anos, 5,6% frequentavam o ensino superior, enquanto entre os negros esse percentual era de 2,8%. Mesmo com as políticas afirmativas e com a ação comunitária dos cursos pré vestibulares para negros e carentes, no ensino superior, de 1997 a 2007, o ingresso de negros com mais de 16 anos aumentou apenas 1,8% (de 1 para os atuais 2,8%). O percentual acima é produto não tão-somente das políticas governamentais, mas da organização e luta promovida pelos cursos. O que expõe ainda mais os limites das políticas voltadas às desigualdades educacionais.

No mercado de trabalho, a taxa de desemprego é de 10,5% entre negros e de 8% entre brancos.

Relatório global sobre a igualdade no trabalho 2011, aponta que embora seja 45,5% da população ativa, a participação de negros no universo da população desempregada total é de 50,5%. Nas 500 maiores empresas brasileiras, de acordo com o Instituto ETHOS, o número de negros nos cargos de gerência e direção segue abaixo do número de brancos. Em 2010, negros representavam 5% dos executivos e 13% dos gerentes. As mulheres negras representam apenas 0,5% dos cargos de chefia ou gerência. No geral as mulheres negras ganham em média 70% menos que o homem branco e metade do que ganha o homem negro. O lugar da mulher negra na força de trabalho tem dimensão trágica. Dados informam, o que é expressivo para compreender a extensão do racismo no Brasil, que as mulheres brancas ganham em média mais que os homens negros.

Estatuto da Igualdade Racial, cotas, quilombolas e religiões de matriz africana

O Estatuto não avançou em áreas cruciais para a cidadania negra. Reivindicações históricas e nucleares na ótica dos movimentos negros não foram atendidas. O estatuto, depois de anos de discussão e da tenaz oposição dos setores reacionários do congresso nacional, imprensa e de parcela da sociedade brasileira, foi aprovado sem contemplar, entre outras, as cotas nas universidades, nos serviços públicos e espaços de representação internacional. A titulação de terra das comunidades quilombolas foi excluída do texto final.

A questão quilombola, a luta por cotas, o combate à violência policial e/ou ao genocídio da população negra e jovem e as religiões de matriz africana ativam, no plano tático e estratégico, um campo encruzilhado e essencial, pelas tessituras que promovem com a parelha de classe e raça e a dimensão socioespacial, para a sistematização do projeto radical de superação das desigualdades raciais.

De acordo com relatório publicado pela Comissão Pró Índio de São Paulo, o saldo de 2011, para os quilombolas, foi uma titulação e várias ameaças de morte. Enquanto não há avanços na titulação de terras, “conforme o relatório, dois casos chamam a atenção pela violência gerada pela indefinição jurídica, o de Manuel Charco, no Maranhão, ameaçado de morte; e o caso da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos, em conflito com a Marinha do Brasil no estado da Bahia.”

O estatuto excluiu também a defesa e o direito à liberdade relativa às práticas religiosas de matriz africanas. O documento aprovado não tem políticas, meios jurídicos e sociorraciais, para conter o genocídio da juventude negra.

Independente do Estatuto da Igualdade Racial, as cotas, uma medida tática necessária para combater o racismo, a questão quilombola, o genocídio da população negra, as políticas para as religiões de matriz africana e as desigualdades alinhavadas pela parelha de classe e raça são desafios que precisam de políticas e de formulação, num movimento de alcance nacional e articulado com os movimentos negros e sociais, para ter eficácia e condição funcional e orgânica na superação do racismo. Cresce assim o desafio conjunto dos movimentos negros e do PT.

O PT e o combate ao racismo

O PT é produto de um processo político encabeçado por diversos movimentos sociais e correntes ideológicas, dentre eles os movimentos negros e de combate ao racismo.

Há negros e negras e militantes antirracismo desde a fundação do partido. Não podemos esquecer que, durante o advento do PT, nos fins dos anos 80, tivemos a retomada, nos estertores da ditadura militar, do movimento negro brasileiro. O MNUCDR, Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, inicialmente uma frente de organizações negras, retomou o rosário de lutas encetadas pelos inúmeros quilombos, levantes, insurreições e organizações políticas e culturais.

Não é demais lembrar ainda, nas décadas iniciais do século XX, os jornais, as ligas e na sequência a Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro.

Os negros que contribuíram com a construção do PT tinham história, formas de organização e divergências no tocante à compreensão da sociedade brasileira e, de modo específico, no que tange à superação das desigualdades raciais.

Considerando as relações de poder presente também no interior do PT, a militância negra questionava e buscava meios teóricos e práticos para enfrentar aquelas posições que não compreendiam o vinculo entra raça e classe, por exemplo aqueles setores que corretamente defendiam o papel de vanguarda da classe trabalhadora na luta pelo socialismo,  mas que enxergavam esta classe trabalhadora a partir de uma herança ocidental e eurocêntrica, portanto como uma classe trabalhadora adulta, masculina, branca etc.

Uma das questões postas no debate interno do PT era entender o racismo e o que ele representava na reprodução da desigualdade racial, da concentração racial da riqueza, da cultura, do poder e da dimensão de exclusão dos melhores empregos, dos melhores salários, das escolas qualificadas e igualmente, nos espaços de poder e formulação política do PT, da competição social com os brancos da mesma classe social.

O cerne desta questão passava e passa por uma mudança no tocante à compreensão do racismo e da vinculação indissociável que possui com a exploração de classe, no capitalismo brasileiro.

Ao mesmo tempo em que era e continua sendo a vanguarda da luta pelo socialismo, a classe trabalhadora não é pode ser considerada, de modo exclusivo, como sinônimo de oprimido. Há opressão em outros setores sociais; e há contradições e opressões internas à própria classe trabalhadora.

Os movimentos negros criticavam aqueles setores da esquerda que, adotando critérios brancos, patriarcais e ortodoxos, naturalizavam o racismo e desconsideravam os seus significados e importância na superação das desigualdades sociais e na transformação mais ampla da sociedade.

Trafegando num sentido contrário aquelas concepções, outros setores oprimidos, negros, índios, mulheres, homossexuais, lésbicas e travestis queriam revelar as especificidades de opressão a que estavam submetidos.

Para entendermos a dimensão exata da crítica encaminhada pelo movimento negro ou pelos negros petistas, precisamos entender o problema. A crítica tem o seguinte objetivo: o PT e a esquerda deveriam e devem organizar os trabalhadores considerando, por exemplo, a luta por igualdade no mercado de trabalho e a transformação da sociedade brasileira sem abrir mão da parelha classe e raça.

Os negros queriam a interação de classe e raça como meio objetivo para transformar a sociedade brasileira, para construir uma sociedade libertária e igualitária, sem classes e sem dominação de raça.

O problema posto pelos Movimentos Negros, sem prejuízo das diferenças existentes dentro desses movimentos, dizia respeito ao reconhecimento das barreiras sociais e, ao lado delas, embaralhadas sistemicamente pelas políticas de branqueamento, pelo mito de democracia racial, pela fábula de cordialidade no âmbito das relações raciais e pela política do silêncio em torno do debate, as barreiras raciais.

Assim, considerar o racismo no Brasil como um fenômeno indissociável do fenômento de classe significa, em outros termos, combater o mito da democracia racial e considerar realidade concreta das classes e da luta de classes, balizada pelas desigualdades socioespaciais (locacionais), ocupacionais, educacionais e jurídico institucionais, as barreiras raciais.

Dados alusivos aos assassinatos promovidos pelo sistema policial brasileiro, entre outros relativos às desigualdades socioespaciais, educacionais, ocupacionais e de representação nas esferas de poder, revelam a centralidade das desigualdades raciais. Pesquisas e dados de diversos órgãos, largamente difundidos pela ONU, UNESCO, Governos e Estado Brasileiro, deixam patente que a promoção, reconhecimento de valor e acesso a vários empregos e representações são negados por causa da condição racial.

O racismo é um sistema que traz privilégios para um determinado grupo étnico-racial e para os indivíduos desse mesmo grupo. No interior das classes, o fenômeno racial se manifesta, assim como entre negros e negras, o fenômeno de classe se manifesta. Há, no centro desse sistema, um forte componente ideológico, que a classe dominante tem comando (controle/controlado) desde o período de trabalho escravizado. Existe ainda, principalmente, sobretudo, um componente estrutural assentado na parelha classe e raça.

Embora não explique o porquê, nos dias atuais, das péssimas condições de vida do conjunto da população negra e na mesma conta o branqueamento político e ideológico, o 13 de maio de 1888 evidencia, desde o advento do trabalho livre, o caráter de classe e raça que compõem o conflito racial brasileiro. A alteração na relação de produção, neste fatídico dia não mudou a vida dos negros e das negras e dos seus descendentes. Latifundiários e capitalistas, brancos, emergentes, permaneceram com privilégios intocáveis. A substituição dos trabalhadores escravizados pelo imigrante europeu foi seguida por campanhas e projetos jurídicos, trabalhistas, urbanísticos, médicos, educativos e policiais que visavam ao extermínio e invisibilidade física e temática do componente negro-africano da população brasileira.

As condições de vida, violência policial, desemprego e invisibilidade nos espaços de comando da sociedade, nesse contínuo, explicam a razão das desigualdades a que estão submetidos os negros e as negras até os dias atuais. O trabalho forçado, o subemprego e o desemprego da população negra são historicamente parte da política da classe dominante brasileira.

Dentro desses limites, no projeto neoliberal, que se caracteriza pela exclusão social e tem como componente central o desemprego, a situação do negro no mercado de trabalho piora substantivamente. Piora também a criminalização da pobreza fortemente marcada pela cor da pele e, nas favelas e bairros destituídos de cidadania, a violência policial, o terror cotidiano das populações negras e notadamente jovem.

A tarefa do PT, da classe trabalhadora e dos negros e negras e dos movimentos negros e sociais, através das suas entidades, é criar as condições teóricas, políticas e organizativas para viabilizar um movimento de massa contra as desigualdades raciais.

O que significa enfrentar, num só golpe, o componente de classe e de raça que constitui o sistema racista à brasileira. Noutros termos, o alvo deve ser o desemprego, o combate à discriminação racial, a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, a luta contra a violência policial e a transformação profunda da sociedade brasileira.

A luta para a superação das desigualdades raciais é o produto de uma elaboração social, resultado do trabalho e organização empreendido, no Brasil, majoritariamente por negros, negras e militantes antirracismo, categoria que inclui um número diminuto de não-negros. A organização de negros e negras para enfrentar o racismo à brasileira operou mudanças e novas formas de organização em todos os espaços de decisão da sociedade.

O PT é um dos espaços marcantes no que diz respeito a superação do racismo. De modo objetivo, o PT, os sindicatos e centrais assumem, a partir da década de 80, compromissos com a agenda e ideário sistematizados pelos Movimentos Negros Brasileiros. Falta ainda uma visão prospectiva, que redunde num propósito que organize os trabalhadores e trabalhadoras para a superação do racismo e, ao mesmo tempo, aponte as bases para erigirmos o projeto de nação inclusiva e escudado na diversidade.

A complexidade do projeto antirracismo, no PT, surge em dois níveis distintos e complementares, como complexidade funcional e como complexidade estrutural.

A complexidade funcional está relacionada à organização dos negros e negras nos setoriais ou nos coletivos de negros e negras e na maior ou menor capacidade de influenciarem o conjunto do PT, do movimento sindical ou mesmo um determinado sindicato, uma categoria e o conjunto da sociedade. Estamos diante daquilo que os negros e negras podem fazer para tornar hegemônicas as bandeiras levantadas e aprovadas pelo conjunto de militantes engajados no projeto de superação das desigualdades raciais, incluem-se aí também os movimentos negros.

Dizer que há negros e negras organizados no PT e na tendência petista AE implica necessariamente compreender o seu papel, com vistas a realizar mudanças no que diz respeito às desigualdades raciais.

A complexidade estrutural é a capacidade de comunicação, não apenas de informação, das propostas e mudanças no âmbito das relações étnico-raciais. A base estrutural vai garantir o comando sobre as operações econômicas, políticas e vai principalmente alterar as relações estribadas nas desigualdades raciais.

Quanto mais estruturalmente disseminada a proposta antirracismo, mais eficazes serão as formulações políticas para superar as desigualdades raciais.

Por outro lado, é preciso também entender como funciona e se defini o racismo à brasileira. Em outros termos, é necessário compreender a sua realidade concreta, marcada pela desigualdade de classe e raça num só processo e a sua existência sistêmica, que é a inseparabilidade do binômio econômico e ideológico no centro desse sistema. A realidade concreta é o campo delimitado pelas profundas desigualdades ou desvantagens ocupacionais, locacionais, educacionais, jurídicas institucionais, entre outras, existentes entre brancos, amarelos, negros e índios brasileiros.

A existência sistêmica revela as desvantagens ou as desigualdades étnico-raciais e a sua relação com as políticas e ideologias de democracia racial, branqueamento, cordialidade e do silêncio. O setorial de combate ao racismo da tendência petista AE reafirmando o programa raça e classe tem exatamente estes objetivos, isto é, contribuir para organizar os negros e negras, os militantes antirracismo e o conjunto do PT para a superação das desigualdades raciais.

O papel do setorial de combate ao racismo da tendência petista AE

Cabe à tendência petista Articulação de Esquerda organizar os seus quadros para a luta antirracismo, para a superação das desigualdades raciais e para toda forma de preconceito, intolerância racial, religiosa e correlata.

Como etapa desse processo de organização, a militância da AE, sobretudo a que milita nos diversos movimentos de combate ao racismo e promoção da igualdade racial e afins, se organiza num setorial nacional de combate ao racismo.



+ Subsídio para leitura: Consciência negra: um dever histórico, artigo publicado no Página 13 de novembro de 2015



REGULAMENTO DA 1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE COMBATE AO RACISMO DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

1.  PAUTAS

1.1. A 1ª Conferência Nacional de COMBATE AO RACISMO da tendência petista Articulação de Esquerda será realizada nos dias 23 e 24 de janeiro de 2015, na cidade de Guararema / SP, na sede Escola Nacional Florestan Fernandes

2. TEMA

2.1. Pauta:

a) Análise de Conjuntura Internacional e Nacional;

b) Situação e desafios para a política nacional de COMBATE AO RACISMO;

c) O tema do COMBATE AO RACISMO no programa e na estratégia do PT;

d) Balanço, concepção de negritude e organização das militâncias da AE;

e) A organização dos petistas que atuam nos movimentos de COMBATE AO RACISMO;

f) A organização da militância da AE que atua no COMBATE AO RACISMO;

g) Como tratar o tema COMBATE AO RACISMO no programa das campanhas eleitorais de 2016

h) Estratégia, organização e mobilização para os Encontros Municipais, Estaduais, Distrital e Nacional de Combate ao Racismo do PT em 2016.

i) Eleição da coordenação nacional do setorial de COMBATE AO RACISMO da AE

2.2. Caso a conferência não consiga debater algum dos temas acima listados, caberá à coordenação nacional do setorial de Combate ao Racismo da AE realizar o debate e aprovar as resoluções respectivas;

3. PROJETOS DE RESOLUÇÃO

3.1. Os projetos de resolução para a 1º Conferência devem ser enviados para a Comissão Organizadora, por meio do endereço ______________.

3.2. Todos os projetos de resolução serão publicados obedecendo a ordem de chegada, nos meios de comunicações da Articulação de Esquerda.

3.3. Cabe a Comissão Nacional sistematizar os projetos de resolução apresentados e elaborar um roteiro para contribuir com os debates nas Conferências municipais, estaduais, distrital e nacional;

4. DIREITO A VOZ E VOTO

4.1. Pode votar e ser votada nas Conferências Estaduais e Distrital e Nacional o/a militante que cumpra os seguintes requisitos:

a) Estar em dia com a anuidade da AE (o que deve ser verificado na lista fornecida pela tesouraria nacional);

b) Ser filiada à AE há 1 (um) ano na tendência.

c) Caso o militante tenha menos de um ano ele poderá participar de todas as etapas do processo da conferência, porém a Dnae terá que confirmar – antes da Conferência nacional—se seu voto valerá para fins de eleição de delegados nacionais;

d) Quando solicitado, a tesouraria nacional poderá enviar lista atualizada de militantes de um estado ou cidade, sempre com cópia para a lista nacional  da AE a fim de comprovar filiação e condição financeira.

· Caso a militante tenha pago depois do fechamento da lista e seu nome não conste na mesma, ele poderá apresentar, no ato de credenciamento, o comprovante do depósito de quitação de sua anuidade. Cabe as/aos  responsáveis pelo credenciamento anotar todas as informações na ata, para posterior checagem pela tesouraria nacional.

· Em hipótese alguma será aceito pagamento no local da realização da respectiva Conferência.

· O depósito bancário na conta da tesouraria nacional da AE poderá ser feito inclusive no dia do início da respectiva Conferência.

5. COMISSÕES ORGANIZADORAS

5.1. Deverão ser formadas Comissões Organizadoras Estaduais / Distrital e Nacional para a construção e condução das respectivas Conferências.

5.2. As comissões organizadoras estaduais serão homologadas pelas respectivas direções estaduais da AE;

a) Caso não haja AE organizada no estado, a comissão organizadora estadual deverá ser homologada pela direção nacional da AE;

b) As comissões estaduais deverão ser homologadas até o dia 15 de janeiro de 2016 e terá no mínimo 3 (três) militantes para zelar pelo cumprimento deste regulamento.

c) As Conferências Estaduais deverão acontecer até o dia 18 de janeiro de 2016.

6. CONFERÊNCIAS ESTADUAIS

6.1. Será credenciada como delegada nas Conferências Estaduais, a militante que cumprir os pré-requisitos do item 4;

6.2. O quórum para abertura da Conferência em 1ª chamada é de 50% mais 1 (um) dos militantes que constam na lista produzida pela tesouraria;

6.3. A eleição de delegadas nacionais terá a proporção de um/a delegado/a nacional para cada 5 (cinco) militantes presentes.

a) Deverá ser observado os critérios de paridades de gênero e cotas geracionais.

6.4. A Comissão Estadual deverá enviar a Ata da Conferência para a Comissão Organizadora Nacional, até 5 (cinco) dias após a realização da mesma.

7. CONFERÊNCIA NACIONAL

7.1. Será credenciada na Conferência Nacional de Combate ao Racismo da AE, o/a delegado/a ou o/a suplente que conste na Ata da respectiva Conferência  Estadual ou Distrital.

7.2. O credenciamento do/a delegado/a, observador/observadora e convidado/a, será feito no dia 23 de janeiro das 9 h às 13 h.

7.3. O credenciamento dos/as suplentes será feito no dia 23 de janeiro, das 13 h às 17 h ou a qualquer momento, dentro do prazo de credenciamento, desde que apresente a carta de substituição da delegada titular.

7.4. O quórum para abertura da Conferência é: 50% mais 1 (um) dos/as delegados/as eleitos/as nas Conferências Estaduais.

8. PROGRAMAÇÃO

8.1. A programação da Conferência Nacional das Combate ao Racismo da AE será a seguinte:

a) 23 de janeiro:

· 08 h – Abertura Política

· 09 h – Credenciamento

· 09:30 h – Eleição da Comissão de Emendas e a Comissão Eleitoral

· 09h45 – Leitura e debate do texto base

· 13 h – Almoço

· 14 h – Debate do texto base e propostas de resoluções

· 19 h – Noite Cultural

b) 24 de janeiro:

· 09 h – Plenária Final

9. QUESTÕES OMISSAS

9.1. As questões omissas neste regimento deverão ser decididas pela Comissão Organizadora Nacional, ouvida a Direção Nacional da AE.


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