sábado, 28 de janeiro de 2017

Mulheres da AE em luta contra o golpe


Resolução final aprovada pela 4ª. Conferência Nacional de Mulheres da tendência petista Articulação de Esquerda

“As mulheres operárias estão totalmente convencidas de que a questão da emancipação das mulheres não é uma questão isolada. Sabem objetivamente que esta questão na sociedade atual não pode ser resolvida sem uma transformação básica da sociedade (…). A emancipação das mulheres, assim como toda a humanidade, só ocorrerá no marco da emancipação do trabalho do capital. Só em uma sociedade socialista as mulheres, assim como os trabalhadores, alcançarão seus plenos direitos.”
Clara Zetkin, Congresso de Fundação da Segunda Internacional, Paris, Julho de 1889.


1. Socialismo e feminismo: sem reducionismo teórico

1. As mulheres da Articulação de Esquerda compreendem que a total emancipação humana passa pela condição fundamental de extinção do atual modelo socioeconômico. Plena justiça social só será possível com a superação do sistema capitalista. Mais ainda, uma sociedade livre do machismo, do racismo, da LGBTfobia e de tantas outras formas de opressões, depende da criação de uma nova sociedade, uma sociedade comunista, cujo nascimento está atrelado à transição socialista.

2. Isso não quer dizer que a defesa do projeto socialista no mundo está sobreposto à luta feminista. Longe de encararmos a luta social como uma equação matemática, caminhamos para que a nossa organização e política compreendam a complexidade das estruturas sociais e da desigualdade, fugindo de respostas fáceis. Embora, tenhamos acordo que a luta das mulheres antecede a exploração da classe trabalhadora; a realidade é que a opressão das mulheres é utilizada pelo capitalismo e ampliada por ele. Por outro lado, mesmo em países que viveram ou vivem experiência socialistas o machismo não desapareceu. Por isso, entendemos que a máxima: “sem feminismo não há socialismo” é tão válida quanto o seu inverso: “sem socialismo não há feminismo”. Qualquer dicotomia que se cria de uma direção ou de outra é puro reducionismo da realidade. Mesmo que criadas as condições materiais para a igualdade social de toda a humanidade, se houver desigualdades entre mulheres e homens, esta sociedade não será e nem poderia ser uma sociedade comunista, tão pouco feminista.

3. Se a sociedade de classes nasce a partir da propriedade privada dos meios de produção, o patriarcado tem origem na própria estrutura do surgimento da propriedade. Se o grande capital precisa de extração da mais-valia, as mulheres da classe trabalhadora são as geradoras da essencial mão-de-obra que alimenta esse sistema. Como, devido a seu caráter de classe, o Estado na maior parte das vezes se desresponsabiliza e o Estado se desresponsabiliza das mazelas geradas pelo capitalismo, o peso dessa ausência recaí sobre as famílias mais pobres, na sua imensa maioria chefiadas por mulheres. Se o capital consegue flexibilizar as relações de trabalho e reduzir os salários, são as mulheres um dos segmentos mais atingidos.

4. Além disso, quando nos referimos à organização das mulheres trabalhadoras, estamos nos referindo à gigantescas categorias profissionais, é o caso das professoras, enfermeiras, trabalhadoras domésticas e de tantas outras profissões que trazem um forte recorte sexista, explicado, inclusive, pela dinâmica da divisão sexual do trabalho existente em nossa sociedade.

5. A legitimidade da luta feminista passa pelo reconhecimento de que as mulheres são oprimidas pela simples condição de serem mulheres e são marginalizadas e reduzidas à procriadoras desde a formação da família, da propriedade privada e do Estado. A esta opressão várias outras podem ser somadas. As mulheres sofrem com o machismo, independente da classe que estejam, todavia ressaltamos que as trabalhadoras acumulam a opressão de classe. A mulher negra e trabalhadora, possuí uma representação social que passa por três opressões históricas: o machismo, o racismo e a sua condição de classe. A atual sociedade é tão desigual que mesmo um/a oprimido/a pode, a depender do contexto, ser também um/a opressor/a. Por isso, quando uma mulher da classe média e alta não reconhece os direitos trabalhistas da empregada doméstica que trabalha em sua casa, ela não o faz, não por se tratar de uma relação entre duas mulheres, mas, objetivamente, por estar defendendo seus interesses de classe, embora elementos do machismo também expliquem essa posição, mas não faz dele o elemento preponderante.

6.Desarticular a luta socialista da luta feminista é arrancar de uma imensa parte da humanidade a condição de protagonizar o fim de duas opressões distintas, mas intrinsecamente relacionadas. Pois, se a burguesia não concederá a emancipação da classe trabalhadora, não serão os homens a conceder às mulheres a sua plena emancipação social. Se uma das tarefas das/os socialistas é buscar fazer com que a  maioria da classe trabalhadora (mulheres e homens) seja socialista, a nossa tarefa, enquanto socialistas é esta também, mas enquanto feministas vai além, temos que buscar fazer com que a maioria das mulheres seja feminista e a maioria dos homens rompa com o machismo.


1.1. A história da luta feminista no Brasil: a luta continua

7. Na história do feminismo, considerando as três ondas feministas, percebe-se que as dirigentes e militantes feministas ao longo do século XX conectaram as pautas da luta das mulheres aos projetos de democratização do país e, garantindo assim, um alcance de massa para o ideário e das pautas feministas.

8. A partir da combinação dessas conquistas, com a entrada massificada das mulheres ao mundo do trabalho e o surgimento do anticoncepcional, o próprio sistema criou as condições de expor à grande parte das mulheres e dos homens a existência da divisão sexual do trabalho na sociedade patriarcal e capitalista. A denúncia do mundo dividido entre o público e o privado adquiria ali mais adesão social e atingia camadas distintas da sociedade.

9. Diante daquela nova conjuntura, parte daquilo que era tido como “natural” se “desnaturalizou”. Temas como a violência doméstica, a equiparação salarial, as várias jornadas de trabalho e, com mais debilidade, o próprio tema do aborto ganharam relevância na sociedade e fazem parte, ainda hoje, do objeto de luta da nova geração de mulheres organizadas.

10. Ainda que seja positivo que as mais jovens estejam se engajando nas discussões sobre feminismo, e que elas estejam presentes em movimentos importantes, percebemos que a referência de parte destas mulheres não é a luta de classes. A ideologia neoliberal, que predomina nas diferentes formas de relação social, confunde a compreensão de luta de parte das feministas, construindo pautas que não perpassam por um projeto emancipatório de sociedade.

11. Tendo em vista esta nova noção de feminismo, que está ganhando força, inclusive entre as jovens militantes, exaltamos a importância de construir cada vez mais um feminismo petista e socialista, com recorte de classe, de raça, gênero, e demais diversidades, sempre priorizando a organização das mulheres trabalhadoras.

12. Do ponto de vista da organização dos movimentos feministas, atendência petista Articulação de Esquerda identifica e reconhece a participação de militantes feministas da tendência em importantes movimentos, dentre os quais a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), o Movimento das Mulheres Campesinas (MMC), a Central Única das/os Trabalhadoras/es; bem como em outras organizações dos movimentos populares e sociais, que pautam a agenda das mulheres. É um desafio e uma necessidade da Articulação de Esquerda aprofundar o debate e o estudo da atuação e do programa das diferentes organizações feministas e construir uma orientação política de suas militantes nestes movimentos.


1.2. Balanço e Desafios para luta feminista no Brasil, e a resistência e o combate ao Golpe

13. A organização política no Brasil sempre balizou os papéis das mulheres na sociedade brasileira. Dizer que a sociedade brasileira foi, e ainda é organizada sob as bases do patriarcado, vai para além de reafirmar conceitos já vistos e revistos, mas entender que mudança políticas, econômicas, sociais e culturais incidem nos diferentes gêneros de formas diferentes.

14. Há muito vem se dizendo que a pobreza no Brasil tem cor e gênero. Neste mesmo sentido não é estranho que nos últimos 14 anos as medidas tomadas pelos governos Lula e Dilma para redução das desigualdades sociais tenham incidido tão significativamente na vida das mulheres brasileiras, principalmente das negras. É preciso entender o que se avançou nas políticas públicas para as mulheres nos governo do Partido das/os Trabalhadoras/os, assim como o que foi silenciado. É preciso entender como o fim desse ciclo, com o golpe de Estado, desestrutura toda a classe trabalhadora, mas em especial as mulheres.

15. Uma constante na atuação de entidades fundamentalistas religiosas é a reafirmação, tanto jurídica como sociocultural, do papel da mulher na sociedade, de mãe, responsável pela manutenção da ordem e reprodutora dos status sociais dentro das relações classistas de manutenção do poder. Essa ideologia fundamentalista serve à política econômica conservadora, reforçando a desvalorização do trabalho das mulheres, precarização e salários menores que dos homens.

16. A transição socialista só se concluirá quando tiver conseguido acabar com todas as formas de exploração e opressão, incluindo a opressão de gênero. Portanto, da mesma forma que a superação do machismo não pode ser vista de maneira isolada ou separada de outras questões, também o socialismo não pode ser alcançado se não pela luta contra opressões que inclua o combate às opressões de gênero.


2. Balanço dos Governos Lula e Dilma

17. É inegável que nos governos Lula (2003-2006/2007-2010) e Dilma (2011-2014/2015-2016) tivemos muitos avanços nas políticas voltadas para as mulheres, assim como em outros setores da sociedade. Foram nestes governos que as pautas reivindicadas pelos movimentos feministas e de mulheres, de negras/os, LGBT e outros passaram a ter visibilidade e foram de alguma forma, atendidas.

18. Dentre elas a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, resultado de uma estratégia bem sucedida dos movimentos feministas para garantir a efetivação das pautas colocadas há décadas. Outras Secretarias estratégicas foram criadas, sendo elas: Secretaria de Políticas de Promoção à Igualdade Racial (SEPPIR), Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) e Secretaria Nacional de Juventude (SNJ). O que fomentou na sociedade debates antes, feitos somente, nos espaços de organização das mulheres, principalmente, sobre as violências que as mulheres, população negra, juventude e LGBT sofrem no dia a dia. Todavia, essas Secretarias tinham orçamentos baixos, o que impediu uma execução ampla das demandas. Essa realidade não mudou em 2007, quando a SPM passou a ter status de Ministério.

19. Ao longo dos governos Lula-Dilma foram construídas políticas públicas que fortaleceram a organização da diversidade das mulheres brasileiras: indígenas, quilombolas, camponesas, pescadoras, catadoras de materiais reciclados, ciganas, sem teto, sem terra, ribeirinhas, quebradeiras de coco, e outras.

20. A política de participação social teve ampla incidência das mulheres na definição de agendas, formulação de políticas públicas e acompanhamento de execução. Contudo, se foram executadas políticas importantes para as mulheres brasileiras a institucionalização dessas políticas não ocorreu.

21. Os governos Lula-Dilma fortaleceram a política de participação social com as  Conferências Nacionais, nas quais a sociedade participou e apresentou suas demandas e em parte foram implementadas. Destaque-se que a última Conferência, ocorrida em maio de 2016, já às vésperas da usurpação do governo brasileiro por setores conservadores liderados pelo PMDB, aponta o rompimento com o esforço governamental com as pautas feministas, uma vez que sequer o relatório final da 4ª Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres foi publicado.

22. A extinção dessa Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2015, ainda no governo Dilma, para além da derrota histórica para os segmentos, já que a luta era pela manutenção e ampliação das políticas públicas em curso, foi a reafirmação que políticas voltadas para os segmentos não são prioritárias, mesmo num governo progressista são alvo de extinção em momentos de crise política econômica.

23. Percebemos a inversão de prioridades nos programas sociais desde quando o governo Lula, corroborando para o processo de emancipação das mulheres, passoua indicar as mulheres como prioridade em receber o Programa Bolsa Família, no qual, do total de pessoas que eram beneficiadas pelo programa, 56% eram mulheres e 44% eram homens. O programa Minha Casa Minha Vida proporcionou autonomia para as mulheres na medida em que passaram a ter a prioridade de titularidade dos imóveis, muito embora este avançonão tenha sido reconhecido pelas beneficiárias como política de governo e o próprio governo não teve estratégia publicitária para tal.

24. Destaque-se, também, os recuos na afirmação de questões caras e cruciais às lutas das mulheres, como é o caso da legalização e descriminalização do aborto, o que revela o quanto nossos governos, em grande medida, ficaram submetidos á onda conservadora.

25. Do ponto de vista da classe e das lutas das mulheres, destacamos a importância e o acerto da política de regulamentação do trabalho doméstico, que notoriamente sinaliza um recorte de gênero e classe assim como o Programa “Mulheres Mil” voltado para a formação profissional e tecnológica das mulheres.

26. Na saúde, os destaques são: a Rede Cegonha, que visa à humanização do parto, garantindo inclusive a atenção desde o início da gestação até o pós-parto e a atenção àsaúde integral das mulheres, respeitando a diversidade e suas especificidades.

27. Em contrapartida, a implementação das políticas públicas não garante o combate e o fim das violências institucionais, que é constante. Logo não houve uma atenção a capacitação das/os profissionais da saúde, muito menos a sensibilização destas/es.

28. O mesmo ocorre nos equipamentos públicos de atendimento às vítimas de violências, que não encontram o acolhimento necessário nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Sessões de Atendimento à Mulher (delegacias comuns), entre outros, pelo contrário, ainda é comum vermos mulheres sendo revitimizadas nestes espaços.

29. Isto ocorre pela não atenção ao debate fundamental no enfrentamento das violências: o sexismo. Um debate conceitual e formulativo que não foi aprofundado na sociedade e nos custou caro no sentido em que houve o investimento em montar alguns aparelhos, porém não uma política efetiva de diminuição das causas que levam as mulheres à necessidade destes aparelhos.

30. Nas últimas décadas tivemos avanços significativos no que concerne a legislação da participação das mulheres na política, como a alteração da Lei de Cotas (Lei nº. 9.504/97) que, hoje, obriga aos partidos políticos o preenchimento de 30% na composição no total das candidaturas, estabelece que 5% do Fundo Partidário tem de ser aplicado na formação política das mulheres e 10% do tempo de propaganda partidária.

31. O que não significa a garantia de participação das mulheres nos espaços de poder e decisão, principalmente nos partidos políticas, tendo em vista que não existe investimento político e financeiro nas inúmeras candidaturas femininas, o que desestimula as mulheres no processo e acaba por culminar na desistência ou mesmo, muitas são lançadas pela obrigação das cotas.

32. Exemplo disso é a ausência de autonomia da Secretaria Nacional de Mulheres do Partido das/os Trabalhadoras/es, bem como das Secretarias Estaduais/Distritais e Municipais na gerência dos 5% do fundo partidário destinado á formação das mulheres petistas, ou seja, não existe uma verdadeira emancipação das mulheres dos Coletivos Nacional, Estaduais/Distrital e Municipal, uma vez que estas não podem gerenciar seu orçamento.

33. Nos nossos governos, no executivo, não conseguimos colocar na prática o que defendemos, por mais que vários órgãos tenham feito campanhas, na tentativa de incentivar a participação ativa das mulheres na política, esse incentivo não se refletiu nem em política de governo, muito menos em ações afirmativas dentro do Partido das/os Trabalhadoras/es. Em ambos os espaços foram ignoradas as premissas que afastam as mulheres da sua atuação, e, por consequência nenhuma medida foi feita para corrigi-las.

34. Não é diferente nos mandatos e candidaturas petistas, pois houve mandatos de esquerda e/ou progressistas que se aproximaram de setores conservadores e mesmo fundamentalistas para conquistar votos de grupos religiosos, não respeitando princípios éticos fundamentais para a identidade feminista, inclusive desrespeitando resoluções partidárias.

35. Ainda não há creches em todos os locais de trabalho, incluindo nesse quadro a imensa maioria de espaços dos movimentos sociais dirigidos por militantes do próprio Partido das/os Trabalhadoras/es e da Articulação de Esquerda, mesmo havendo resoluções partidárias para tal, até as mulheres mais atuantes acabampor abrir mão de sua atuação política até avançar a idade dos filhos.

36. A extensão da Licença Paternidade de 5 para 20 dias e da Licença Maternidade de 120 para 180 dias nos animou, contudo a última não é uma conquista integral, mas sim para determinadas trabalhadoras, no caso as servidoras públicas. Em contrapartida, as trabalhadoras do setor privado continuam reféns da negociação do benefício.

37. A promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/06) ampliou para a sociedade o debate sobre a violência doméstica. O 180 foi efetivo em construir um canal de denúncia. É inegável o aumento de denúncias e a redução das violências, principalmente a física, nos lares brasileiros. Todavia, a Lei por si só não trará os resultados. É necessário um empenho do Estado no enfrentamento às violências contra as mulheres com investimentos em políticas públicas e equipamentos de atendimento às vítimas de violências. A Casa da Mulher Brasileira foi o início da implementação de uma política de acolhimento, mas ainda muito aquém da demanda visibilizada.

38. No início de 2012, foi instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher (CPMIVCM) com o objetivo de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência.  Foram realizadas audiências públicas, visitas aos equipamentos de 13 estados e o Distrito Federal.

39. Um dos resultados da CPMI é a inclusão no Código Penal a tipificação do Feminicídio (Lei nº. 13.104/15) – assassinato cometido contra a mulher pelo simples fato de ser mulher. Contudo, nem o poder público, nem a sociedade se apropriou desse debate, muito menos sobre sua aplicabilidade.

40. Diante do aumento da divulgação, em enorme volume, das diversas formas de violências contra as mulheres, setores conservadores, na apropriação do debate, colocaram como solução para a violência punições mais rígidas, aumento da legislação penal específica, e amesma defesa foi feita por setores de esquerda e setores do próprio PT.

41. Embora seja um avanço a tipificação do feminicídio, o debate não pode se perder na armadilha da punição, na construção de mais cadeias e aumento do tempo de pena.

42. O fim da violação aos direitos, o fim das violências contra as mulheres e o fim da sobreposição de jornadas de trabalho passa pelo entendimento à sua condição de sujeito político com total autonomia sobre seu corpo, suas vidas e afetividades.

43. A sociedade conservadora e patriarcal é construída também por valores religiosos que definem um lugar para as mulheres na sociedade e esse lugar seria na Igreja e no seio da família. Nesse sentido, para além das características pessoais de força, foi feita, muitas vezes pelo próprio Partido das/os Trabalhadoras/es, a masculinização da figura da Presidenta Dilma para justificar e dar sentido à sua posição política pública, culminando em práticas machistas e LGBTfóbicos. Vale registrar, porém, que a própria Presidenta, apesar de desenvolver iniciativas em defesa dos direitos das mulheres, não tratou como uma prioridade a tarefa de fortalecer o feminismo.


2.1. Avanço do conservadorismo

44. Ao se pautar questões ligadas aos movimentos feministas, contrapondo-se à elas se fortalecem e surgem movimentos conservadores, além do aprofundamento do fundamentalismo religioso ligado ao campo conservador da sociedade e suas pautas contrárias às feministas. O fato da esquerda ter progressivamente aberto mão de polarizar, não resultou na eliminação da polarização, apenas facilitou que a polarização fosse feita pela direita sem um contraponto à altura.

45. As pautas históricas do movimento feminista vêm sendo deturpadas e atacadas pelos agentes do capital que atuam sob a forma de fundamentalismo religioso. Esse avanço do discurso fundamentalista foi possível, em grande parte, pelo fato de que os governos petistas não pautaram com força as bandeiras históricas feministas, como a descriminalização e legalização do aborto e o debate de gênero na educação. As políticas públicas para as mulheres ao longo dos governos do PT apresentam similaridades de construção, de maneira centralizada e unilateral, solucionando algumas demandas mais urgentes, porém se aprofundar e dialogar com os movimentos de mulheres, tornando-as muitas vezes superficiais e falhando em sua aplicação plena. Em contrapartida, os setores fundamentalistas não hesitaram em fazer seu debate sobre o que chamam de “ideologia de gênero”.

46. O Censo do IBGE 2010 informou que o número de famílias sustentadas só por mulheres aumentou muito nos últimos anos, ou seja, a situação das mulheres piorou, ela está mais sozinha para cuidar de si mesma, das/os filhas/os, da família, aliada à questão do aumento do desemprego, o que dificulta muito mais o acesso ao pedido de pensão alimentícia, no sentido de contar com a ajuda financeira de ex-companheiros.


3. O golpe na vida das mulheres

47. É preciso reafirmar que a Presidenta Dilma desde a sua primeira candidatura foi alvo de ataques misóginos e não foi diferente durante seus mandatos. Sua figura foi  usada no estímulo à cultura do estupro, especialmente quando os golpistas produziram os adesivos para tanques de carros.

48. No processo do impeachment e pós golpe, os ataques se intensificaram, inclusive na esquerda, reafirmando que o golpe também é patriarcal, já que houve uma desqualificação da atuação das mulheres nos espaços de poder e decisão. Que esta pauta não deixe de estar sempre presente nos encontros de mulheres, reforçando esta reflexão.

49. Não há dúvidas que a política econômica do governo golpista tem um alvo: as trabalhadoras e os trabalhadores, eleitas/os como culpadas/os para a crise econômica brasileira.

50. Medidas como a Emenda Constitucional nº 95 (ex-PEC 241 e 55) e o Projeto de Lei nº. 427/15, em tramitação no Congresso Nacional, têm por finalidade a usurpação de direitos duramente conquistados nos últimos 70 anos, bem como a eliminação dos programas sociais como o Bolsa Família, FIES, ProUni, Minha Casa Minha Vida, dentre outros executados nos últimos 14 anos.

51. Essas e outras medidas atingem negativamente a vida da classe trabalhadora, mais ainda, as trabalhadoras que estão em sua maioria nos postos precarizados e com baixos salários, já que a divisão sexual do trabalho faz com que elas fiquem submetidas as várias jornadas (trabalho formal, trabalho doméstico e cuidados), exigindo que ela fique predominantemente no trabalho produtivo.

52. Dessa maneira, a flexibilidade da mão-de-obra feminina da com que os postos de trabalho mais propensos à contratação das mulheres priorizem contratos temporários de jornadas de trabalho parciais com baixa remuneração e direitos limitados ou quase inexistentes, o que evidencia a desigualdade de gênero. Isso porque não possuem as mesmas condições e os mesmos tratamentos dados aos homens no mercado de trabalho, além de empurrá-las para a informalidade.

53. Muitas vezes, a falta de creche impossibilita a continuidade de estudos, ou mesmo a permanência em um emprego. A luta das mulheres é continua e a sua autonomia é dificultada diante dos constantes direitos violados e ignorados. No Brasil, os direitos das mulheres previstos em lei estão aquém do ideal, pois o país ainda não assinou o acordo 156 da OIT que define igualdade de direitos entre mulheres e homens.

54. Outro ataque a classe trabalhadora no governo golpista é a Reforma da Previdência seguirá para o Congresso Nacional como PEC, que tem como objetivo maior incentivar a previdência privada, muitas sob o gerenciamento de intuições financeiras, assim como limitar o reajuste apenas à correção da inflação significa reduzir direitos, com o fim da valorização do salário mínimo e de sua vinculação com o piso de valor do benefício.

55. Para as mulheres vai além quando iguala a idade mínima de 65 anos para ambos os sexos, em tempo mínimo de contribuição de 25 anos, o governo trata todas/os como se o mercado de trabalho fosse homogêneo e as condições de vida de mulheres e homens fossem iguais, desconsiderando a divisão sexual existente na sociedade. E, ainda a flexibilização da licença maternidade.

56. E porque sempre quem tem que pagar o pato são as trabalhadoras e trabalhadores? Ninguém viu nenhuma medida do governo golpista para uma Reforma Tributária no sentido de taxação de grandes fortunas e aumentar a tributação sobre heranças, as grandes propriedades, instituir alíquotas progressivas.

57. O Brasil está entre as maiores desigualdades sociais do mundo. Nosso sistema tributário contribui para manter e aprofundar a desigualdade social. Quem paga a maioria dos impostos no Brasil é a classe trabalhadora, é a população de baixa renda, são as mulheres que sustentam sozinhas suas famílias.

58. Mas quem reclama mais são as entidades patronais, até porque o/a trabalhador/a não sabe o quanto paga de imposto. Famílias que ganham até 2 salários mínimos pagam a metade da sua renda com impostos. Os ricos não pagam impostos (já que não existe um controle firme sobre a sonegação) e quando pagam, pagam muito abaixo do devido. Por isso, é urgente uma reforma do nosso sistema tributário.

59. Mas não se trata apenas de fazer com que os ricos paguem mais, trata-se também de garantir um destino adequado aos recursos provenientes.

60. Somam-se aos ataques trabalhistas a institucionalização do fundamentalismo governamental na figura de Fátima Pelaes, representante do setor, que ao assumir a Secretaria de Mulheres do governo golpista anunciou como primeira medida a revisão da Lei Maria da Penha e a mudança da finalidade da Casa da Mulher Brasileira, a tornando uma prisão para as mulheres em situação de vulnerabilidade, especificamente as em situação de prostituição e drogadição.

61. Existe uma investida geral do governo golpista em criminalizar os movimentos social, infelizmente, iniciada já nas contradições latentes no final do governo Dilma como a Lei Antiterrorismo, agora aprofundada na ação da polícia em combate aos movimentos contra o golpe e na resistência às medidas econômicas, e nos pedidos de Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) para as Centrais Sindicais como a Central Única das/os Trabalhadoras/es (CUT) e movimentos sociais como a União Nacional das/os Estudantes (UNE) e a União Brasileira das/os Estudantes Secundaristas (UBES).

62. O combate aos movimentos feministas tende a se agravar neste período, apesar de já ter se iniciado no fim do governo Dilma, em consonância com a criminalização de outros movimentos e da pobreza. Este ataque se materializa, por exemplo, na retirada do ensino sobre o gênero nos planos de educação, na Lei da Mordaça e na Reforma do Ensino Médio.

63. A falta de representatividade das mulheres no alto escalão do governo golpista se soma a falta de políticas que gerem autonomia e que fortaleçam processos de emancipação das mulheres.

64. No curso do golpe, a mídia foi simbólica ao retratar, às vésperas da consolidação deste, a imagem da mulher não desejada pelo modelo de sociedade conservadora – Dilma – e o modelo desejado de mulher dentro de uma sociedade patriarcal – Marcela. A participação política das mulheres deveria ser trocada pelo zelo com o lar e o marido

65. A organização e mobilização das mulheres trabalhadoras são fundamentais para resistir ao avanço do conservadorismo, do neoliberalismo no combate aos retrocessos.

66. Para isso, é necessário construir um programa que dialogue com as condições de vida específicas das mulheres e que reconheça, também, a especificidade das mulheres negras, indígenas, quilombolas, lésbicas, bissexuais, transexuais, com deficiência e outras.


4. Desafios e tarefas para o próximo período

4.1. Regulamentação/Legalização da prostituição

67. Recentemente o debate sobre a regulamentação da prostituição ganhou destaque, principalmente a partir do Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Federal do PSOL, Jean Willys, em 2013.

68. A partir do debate nos movimentos e entidades da esquerda se destacaram duas posições básicas: 1) a que defende a regulamentação como uma forma de aumento da proteção das mulheres com relação à exploração sexual por cafetões por meio da maior fiscalização do processo, o que melhoraria as condições de trabalho e vida dessas mulheres e que possa garantir o acesso aos direitos sociais e trabalhistas; e 2) a que se contrapõea essa, numa perspectiva abolicionista, onde a prostituição seria própria de uma sociedade sexista e se constitui mais uma forma de violência e que no capitalismos transforma o próprio corpo das mulheres, para além da sua forma de trabalho, em uma mercadoria, assim como o retrato da mulher na publicidade e na pornografia.

69. Não existem respostas fáceis à questão. Mesmo dentro das organizações das próprias prostitutas há divergências. No Brasil, por exemplo, a Rede Nacional de Prostitutas e a Federação Nacional das Trabalhadoras do Sexo adotam posições contrárias, sendo a primeira à favor e a segunda contra a regulamentação/legalização.

70. Diante da existência de diversas organizações, associações e redes de prostitutas, seja no Brasil (desde a década de 1980), seja na América Latina, compreendemos a necessidade de aprofundar esse debate que de maneira alguma pode ser feito desvinculado das protagonistas da luta.

71. Precisamos estreitar os laços com essas militantes e organizações para que não tenhamos posições de fora para dentro, mas a partir da realidade concreta e do direito de fala dessas mulheres.

72. Diante do exposto, temos como tarefa a formação e o debate sobre o tema da regulamentação da prostituição, bem como, pensar estratégias de atuação junto as prostitutas para debater o tema da regulamentação e auto-organização.

73. Assim como, o debate permanente das temáticas que já aprovamos outrora, como a desmercantilizaçãodos corpos e vidas das mulheres, descriminalização e legalização do aborto, dentre outras, bem como aprofundar e/ou iniciar o debate de outras pautas pertinentes à emancipação das mulheres.

74. Outra tarefa é identificar em que as mulheres da AE estão atuando, para que possamos incidir e fortalecer os espaços de auto-organização das mulheres ou mesmo fomentar a formação destes espaços.


4.2. Mulheres da AE e o Partido das/os Trabalhadoras/es

a) Fortalecer a Setorial de Mulheres, com o intuito de mobilizar e organizar as mulheres. Assegurar a realização das várias atividades, construir um sistema de formação permanente do coletivo de mulheres, com participação e responsabilidades conjuntas;

b) Articular a disputa do setorial de mulheres do PT, dialogando com os coletivos que organizam o Muda PT;

c) Garantir a paridade em todos espaços de organização, instâncias, delegações e a permanência das mulheres nestes espaços, oferecendo condições políticas para a plena emancipação com a participação real em todas as esferas, pois a paridade é uma política afirmativa, por isso precisamos fortalecê-la no conjunto do partido;

d) Igualar a visibilidade dos cargos ocupados por homens e mulheres no PT

e) Propor ao Partido o financiamento igualitário nas candidaturas eleitorais;

f) Contribuir com os mandatos petistas pra construção das pautas feministas;

g) Lutar pela manutenção da paridade no PT;

h) Exigir do Partido das/os Trabalhadoras/es a aplicação dos 5% destinado à formação política das mulheres no PT, bem como, que seja gerido pelos Coletivos Nacional, Estaduais/Distrital e Municipais da Secretaria das Mulheres.


4.3. Mulheres e a Articulação de Esquerda

4.3.1. Organização

a) Organizar e mobilizar as mulheres da AE, para tal é importante as Direções Estaduais/Distrital devem indicar um nome para que o setorialnacional de mulherespossa estabelecer contato permanente;

b) Mapear quem somos, quantas somos e onde estamos para facilitar a mobilização e articulação das mulheres da AE;

c) Criar e/ou fortalecer os setoriais municipais de mulheres da AE;

d) Organizar encontros anuais das mulheres da Articulação de Esquerda com o apoio necessário das Direções Nacional, Estaduais/Distrital e Municipais da AE;

e) Organizar a intervenção das mulheres da AE orientadas pela política do setorial de mulheres da AE;

f) Promover nas datas de atividades nacionais do partido ou da tendência nacionais reuniões da coordenação nacional de mulheres da AE;

g) Assegurar que nos congressos, conferências, plenárias, cursos de formação, reuniões e quaisquer outros espaços de debate e deliberação as temáticas de gênero, LGBT, raça e juventude não sejam paralelos, já que são transversais, permitindo assim que todas e todos se apropriem das discussões políticas da tendência, garantindo uma maior participação das/os militantes nos espaços em que queiram participar e construir;

h) Exigir das Direções Nacional, Estaduais/Distrital e Municipais da AE que em todos os encontros/reuniões seja organizado espaço de creches, garantindo que mulheres e homens possam realizar sua militância em iguais condições de participação nos debates políticos dentro da corrente;

i) Realizar no segundo semestre de 2017 a 5ª Conferência de Mulheres da AE.


4.3.2. Formação

a) Implementar a Resolução “Formação Política e Combate à Cultura Machista”, aprovada no 3º. Congresso da Articulação de Esquerda;

b) Formar comissão para pensar campanha contra a cultura machista, juntamente com a formação política da tendência;

c) Promover permanentemente a formação feminista explorando os meios de comunicação da tendência e os espaços de encontros/reuniões nacionais, estaduais/distrital e municipais;

d) Promover campanhas de combate e prevenção aos assédios moral e sexual, a qual terá o protagonismo da organização das mulheres da AE, mas que terá o apoio político e suporte da Direção Nacional.

e) Propor a criação da plataforma de educação continuada no Coletivo de Formação da AE;

f) Fomentar espaços de formação mista junto com as Direções Nacional, Estaduais/Distrital e Municipais da AE;

g) Garantir que todos os documentos e espaços de debate da AE deverão ter o mote do debate de gênero;


4.3.3. Comunicação

a) Fortalecer os meios de comunicação da tendência;

b) Propor a Direção Nacional da AE, pela relevância das temáticas, o destaque na capa do Jornal Página 13 nos meses de março (08/03: Dia Internacional de Luta das Mulheres); setembro (28/09: Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto); e Novembro (25/11: Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher);

c) Promover oficinas de formação para que mulheres sejam as produtoras e autoras da comunicação de suas lutas;

d) Ocupar e se apoderar dos instrumentos de comunicação social é uma tarefa de luta nos movimentos de emancipação das mulheres. Quem faz a luta é quem deve comunicar a luta;

e) Fomentar, organizar e viabilizar publicações e vídeos para serem disponibilizados nos instrumentos de comunicação da tendência.


São Paulo, 15 de novembro de 2016


Página 13

Nenhum comentário:

Postar um comentário