quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Artigo: Nova dinâmica, antigo desafio!

Por Helbson de Avila*

Em 2012 o PT realizará os encontros das secretarias e setoriais, com o objetivo de eleger as novas coordenações e secretários/as setoriais. Estes encontros terão uma diferença em relação aos anteriores: o militante do combate ao racismo, as mulheres e a juventude também poderão optar por outro setorial. Na prática, uma jovem negra poderá participar dos setoriais de juventude, de mulheres, de combate ao racismo e em um quarto setorial de sua escolha.

As alterações estatutárias realizadas pelo Congresso do PT podem, se observadas, limitar a prática do voto sem discussão política, pois estão aptos a votar e ser votados apenas os militantes ativos no partido; mas também podem ter consequências negativas, ao proporcionar um aumento exorbitante no número de optantes sem o devido acúmulo político.

Entretanto, se com o número de optantes aumentar também os espaços de debate e o alcance do mesmo, ao final teremos mais democracia interna e participação militante.

O número de optantes pelo setorial de combate ao racismo ultrapassou 13.000 militantes, em um universo de 1.536.857 filiados (dados de 17/02/2012). Portanto, um percentual de 0,84% que pode chegar a 1% dos filiados, muito abaixo do número de negros/as que assim se declararam no último Censo.

Os optantes não representam o número de militantes afrodescendentes filiados ao PT. Cabe a reflexão: o debate das questões raciais no interior do PT está aquém das lutas político-ideológicas raciais travadas no movimento negro ou são reflexos da secundarização da questão por parte da direção?

O PT abriu uma nova era ao aprovar cotas raciais nas instâncias de direção. Cabe às secretarias estaduais e nacional de Combate ao Racismo adotar como meta a regulamentação desta resolução. Deve, ainda, exigir das forças políticas internas ao PT o compromisso para com a trajetória de sua militância negra e seu acúmulo de discussão.

A ONU declarou 2011 como o ano internacional para o afrodescendente, ano que marcou também o centenário da realização do I Congresso Internacional das Raças, realizado em Londres (julho de 1911). Os ideólogos e signatários da Tese “Os mestiços do Brasil”, apresentada neste congresso por João Batista Lacerda, garantiam que em 100 anos os negros desapareceriam da população brasileira e os mestiços seriam reduzidos a 3% do total. O último Censo realizado no Brasil pelo IBGE mostra que o número de pessoas que se definem pretas e pardas superou o percentual de 50%. Realidade comemorada pelos militantes do movimento negro no Brasil.

Entretanto vale ressaltar que a dinâmica estruturada para criar, sustentar e validar a teoria do branqueamento é de tamanha maestria que mal se percebe que ainda hoje impera na sociedade brasileira o chamado racismo cordial ou à brasileira.

Com o maior número de afrodescendentes fora do continente africano, o Brasil ainda trava uma luta político-ideológica contra a invisibilidade do negro/a no contexto da sociedade. A marginalização geográfica no chamado racismo ambiental, a discriminação no trabalho e nas instituições de ensino, a demonização das crenças e cultos religiosos de matriz africana, o extermínio de sua juventude e o estado de pobreza da jovem mulher negra são fatos de nosso tempo histórico que visam à manutenção do status quo de subordinação do/a negro/a em uma sociedade autoritária e racista.

Ao identificar no não-negro o cidadão cortês, merecedor da admiração de seus pares por sua benevolência e assistencialismo, fica o cidadão negro num fascínio e devoção, com um sentimento de gratidão e desejando de certa maneira incorporar em si o sujeito cortês. E assim, mesmo que involuntário, reproduz o discurso e as ações reacionárias e racistas da sociedade. Esta manifestação se concretiza também na indisposição que muitos cidadãos afrodescendentes possuem em realizar o debate acerca do papel do negro e da negra no cotidiano. Não basta reconhecer-se como tal, é preciso refletir sobre a causa e efeito dessa identificação.

*Helbson de Avila é membro do coletivo estadual de combate ao racismo do PT e da DEAE/RJ

Fonte: Jornal Página13 – Edição 106 – Março/2012

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