Editorial
Esta edição do Página 13 circula no mês de agosto, coincidindo com os momentos finais do XIX Encontro do Foro de São Paulo.
Trata-se do primeiro encontro do Foro, depois da morte de Hugo Chávez e da eleição de Nicolas Maduro. Citamos esses dois fatos, porque ajudaram o conjunto da esquerda regional a perceber que estamos em uma nova etapa na região, marcada principalmente pela contra-ofensiva da direita local e de seus aliados nos Estados Unidos e Europa. Nessa nova etapa, há dois desafios principais: aprofundar o processo de mudanças em cada país e acelerar o processo de integração regional. Foram estes os grandes temas em debate no XIX Encontro do Foro.
O Encontrou ocorreu logo em seguida a visita do Papa Francisco ao Brasil. Os governantes da região comemoraram um papa de nacionalidade argentina. E setores da esquerda regional tem expectativas positivas, o que é compreensível se lembrarmos do comportamento do Papa anterior. Mas há, também, setores muito preocupados, por três motivos: primeiro devido a versões acerca do que ocorreu na época da ditadura militar argentina; segundo, por lembrar do papel jogado por outro Papa no combate ao socialismo, tal como existia no Leste Europeu; terceiro, devido a crescente influência dos conservadores no interior da igreja católica. Ademais deste, é preciso lembrar do papel da Democracia Cristã no pós-Segunda Guerra.
Durante o XIX Encontro, os partidos brasileiros que integram o Foro – o PT, o PC do B (Partido Comunista do Brasil), o PSB (Partido Socialista Brasileiro), o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PPL (Partido Pátria Livre) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro) – tiveram diversas oportunidades, nas atividades oficiais do Foro e nas bilaterais, para apresentar seu ponto de vista sobre o que ocorreu no Brasil e sobre os impactos presentes e futuros.
Há uma grande curiosidade a respeito, especialmente daqueles que acreditavam na existência de “duas esquerdas” na região. Pois um dos ensinamentos das mobilizações de junho é que a direita brasileira, como a venezuelana, disputa a mídia, as urnas e as ruas conosco. E que as esquerdas enfrentam dilemas muito semelhantes, em todos os países da região.
Sobre a integração regional, ficou claro mais uma vez tratar-se de um processo em disputa. Primeiro, disputa contra o imperialismo, que deseja uma integração subalterna a eles, como no projeto da Alca. Segundo, disputa contra a grande burguesia, que deseja uma integração focada nos mercados e no lucro de curto prazo, o que conduz a uma integração que aprofunda as disparidades regionais e sociais, o que por sua vez acabaria nos levando a uma integração subalterna aos gringos. Terceiro, uma disputa entre diferentes ritmos e vias de desenvolvimento e integração. Trata-se, portanto, de um processo quente, que do ponto de vista da esquerda precisa ser simultaneamente político, econômico e cultural. Tarefas nas quais os governos são fundamentais, mas insuficientes. Os partidos políticos, assim como os movimentos sociais e o mundo da cultura são essenciais nesse processo.
Um dos desafios da integração, para além do comportamento do imperialismo estadounidense e das burguesias locais, é o processo de desaceleração da China, que está fazendo uma inflexão em direção ao seu mercado interno. Isto pode ter duas consequências: ou voltarmos ao “estado normal” de economias dependentes, vítimas da desigualdade nos termos de troca entre produtos de baixo e de alto valor agregado; ou fazermos uma inflexão em direção a um ciclo de desenvolvimento econômico regional, impulsionado pelo Estado e baseado na ampliação de infraestruturas, políticas universais e capacidade de consumo.
Este é o pano de fundo do acirramento da luta de classes na região, assim como do acirramento no conflito entre alguns países da região, para não falar do acirramento de nossa relação com as potências imperialistas.
De maneira geral, podemos dizer que o XIX Encontro realizou-se num momento de esgotamento da primeira etapa do ciclo progressista e de esquerda, esta etapa que começou entre 1998 e 2002, com as eleições de Chávez e de Lula. E que se concluiu em algum ponto entre a eclosão da crise internacional e a posse de Obama. Deste momento em diante, entramos em outra etapa, marcada pela crise, pela contraofensiva da direita e pelo esgotamento do padrão adotado em todos os governos progressistas e de esquerda. Esse padrão foi, na Venezuela, no Brasil, na Bolívia e na Argentina, por todos os lados, redirecionar para outros setores sociais a renda e a riqueza geradas pelo modelo herdado. Este modelo se esgotou. Agora está posto construir outro modelo. Se tivermos sucesso, por outro lado, viveremos um salto de qualidade.
As forças de direita sabem disto e estão em plena ofensiva contra nós. Elas se apoiam em suas próprias forças, que são enormes; nos seus aliados internacionais; e nas debilidades de nossos governos. A direita está jogando seu papel. O desafio é reagir a isto, corrigindo erros, superando debilidades, ampliando a cooperação entre nós.
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