sábado, 17 de maio de 2014
A Copa, as eleições e o que virá depois
Por Valter Pomar e Lício Lobo*
Como vem ocorrendo desde 1989, a eleição presidencial cristaliza o estado da arte da luta de classes no Brasil. O Partido dos Trabalhadores tem como objetivo vencer as eleições presidenciais de 2014. Ou seja: eleger a presidenta Dilma Rousseff para um segundo mandato presidencial. Mas é preciso vencer criando as condições para um segundo mandato superior ao atual.
Por isso o programa de governo 2015-2018 deve ser muito incisivo, reconhecendo que continua posta a tarefa de superar a herança maldita proveniente da ditadura, do desenvolvimentismo conservador e da devastação neoliberal.
Esta herança possui três dimensões principais: o domínio imperial norte-americano, a ditadura do capital financeiro e monopolista sobre a economia, e a lógica do Estado mínimo. Superar estas três dimensões da herança maldita é uma tarefa simultaneamente nacional e regional, motivo pelo qual devemos defender e aprofundar a soberania nacional, acelerar e radicalizar a integração latino-americana e caribenha, com uma política externa que confronte os interesses dos Estados Unidos e seus aliados.
As quase três décadas perdidas (metade dos anos 1970, anos 1980 e 1990) produziram uma tragédia que começou a ser debelada, nas duas gestões do presidente Lula e na primeira gestão da presidenta Dilma. Mas para continuar democratizando o país, ampliando o bem-estar social e trilhando um caminho democrático-popular de desenvolvimento, será necessário combinar ampliação da democratização política e políticas públicas universalizantes do bem estar-social, com um padrão de desenvolvimento ancorado em reformas estruturais.
Lula fez um segundo mandato superior ao primeiro. Graças a isso, não apenas o povo melhorou de vida, mas também Dilma foi eleita em 2010. Analogamente, se a esquerda quiser continuar governando o país a partir de 1 de janeiro de 2019, é indispensável que o segundo governo Dilma seja superior ao primeiro.
As mesmas pesquisas que apontam Dilma como a preferida da maioria do eleitorado, também indicam que o povo quer mudança, ou seja, que Dilma faça um segundo mandato superior ao primeiro.
A oposição, o grande capital e o imperialismo tentam pegar carona no desejo de mudanças manifesto por amplos setores da população. Evidentemente, a mudança que eles desejam se traduz na derrota de Dilma e do PT, bem como na adoção de outro programa de governo. A mudança que a oposição, o grande capital e o imperialismo desejam é mudança para pior. Já as mudanças desejadas pelo povo se traduzem em mais Estado, mais desenvolvimento, mais políticas públicas, mais emprego, mais salário, mais democracia.
A contradição entre a mudança desejada pelo povo e a mudança desejada pelas elites é uma contradição antagônica. Por isto, a oposição não pode assumir abertamente seu programa: seria a derrota antecipada. Por isto, a oposição aposta na deterioração e na crise. Por isto, a oposição precisa manipular a população.
Para viabilizar o que a oposição de direita, o grande capital e o imperialismo querem, o ideal seria recuperar plenamente o governo federal, através da vitória de um de seus candidatos. Caso isto não seja possível, eles continuarão trabalhando para impor, tanto ao atual quanto ao segundo mandato Dilma, as políticas preferidas pela oposição de direita. Vale dizer que estas “duas táticas” da direita vem sendo aplicadas pelo menos desde o dia 1 de janeiro de 2003.
Para tentar recuperar o controle pleno do governo federal, a oposição de direita conta com duas candidaturas presidenciais: a candidatura Aécio Neves e a candidatura Eduardo Campos.
Nos referimos à “oposição de direita”, por dois motivos. O primeiro motivo é que há setores de direita que apoiam o governo (e que, pelo menos por enquanto, ainda não são oposição). O segundo motivo é que, em nossa opinião, ser de “direita” ou de “esquerda” na conjuntura atual está vinculado à natureza do projeto de desenvolvimento defendido por cada candidatura, partido e movimento. Os que defendem um projeto de desenvolvimento submisso aos Estados Unidos e de natureza neoliberal ou social-liberal são, em nossa opinião, forças de direita e centro-direita. Os que defendem um projeto desenvolvimentista conservador estão ao “centro” (falando em tese, porque de fato o centro se inclina e se divide em favor da direita e/ou da esquerda). Já os que defendem um projeto de desenvolvimento autônomo, de natureza social-desenvolvimentista ou democrático-popular são forças de centro-esquerda ou esquerda.
Somadas, as candidaturas Aécio+Eduardo/Marina expressam o interesse de conjunto do grande capital. Claro que haverá empresários apoiando e votando em Dilma. Mas enquanto classe, a burguesia estará financiando, apoiando, votando e torcendo pela oposição.
Mesmo que perca as eleições, mesmo que Dilma vença as eleições presidenciais de 2014, a oposição de direita não vai deixar de existir. Pelo contrário, vai continuar com suas duas táticas: por um lado preparando-se para as eleições presidenciais de 2018, por outro lado trabalhando para impor a política deles ao segundo governo Dilma.
Na luta política contra o PT, a oposição de direita usa e abusa das insuficiências e contradições do governo e do próprio Partido. Por exemplo, a incompreensão acerca do papel do grande capital. Este não é “ingrato” nem “desiformado”, apenas considera que certas intenções que manifestamos, certas opções que fizemos e os êxitos que acumulamos, são incompatíveis com o padrão de acumulação hegemônico no grande empresariado brasileiro.
Desta incompreensão acerca da postura do grande Capital, decorre a incorreta insistência numa política de alianças com setores da direita, assim como dúvidas sobre o papel positivo e indispensável dos movimentos e das lutas sociais, para nossas vitórias eleitorais e principalmente para o êxito dos nossos governos.
O tema da Copa é um “bom exemplo” dos erros e insuficiências, não apenas do governo do PT, mas também de aliados e opositores de esquerda.
Vai ter Copa, mas em condições de temperatura e pressão ainda não precisamente determinadas. E tanto o desempenho da seleção brasileira como a forma com que lidemos com os inúmeros questionamentos, controvérsias e contradições que cercam a questão podem incidir de forma importante no debate e no resultado eleitoral.
Desde as manifestações de junho de 2013, o tema frequenta o imaginário da população e é trabalhado pela mídia de alto coturno de forma subliminar e com uma ambiguidade marota, ora se aproveitando das oportunidades bilionárias proporcionadas pelo “negócio da Copa”, surfando na onda da torcida pelo hexa campeonato, ora ressaltando os “gastos perdulários” com estádios que supostamente subtraem recursos da saúde e da educação.
Os cartazes cobrando “educação e saúde padrão Fifa”, presença constante em todas as manifestações de junho de 2013, em cada uma das cidades em que estas tiveram lugar, e as enormes passeatas que tiveram o Mineirão, o Maracanã e outros estádios como “alvo” nos jogos do Brasil na Copa das Confederações são exemplares neste sentido.
A respeito destas manifestações, é preciso denunciar e derrotar os que pretendem, usando pretextos como a “atualização do marco legal” e a “proximidade da Copa”, adotar uma legislação “celerada”, que legalize a violência policial-militar contra os movimentos sociais e contra a população pobre em geral.
Claro que devemos combater a violência nas manifestações. Mas isto envolve a
a desmilitarização das polícias: grande parte dos atos de violência ocorridos nos últimos meses tem origem na ação ou falta de ação dos aparatos policiais. É preciso denunciar a atitude predominante nas polícias: a provocação e a permissividade quando interessa gerar o caos; o racismo, a violência desmedida e atitudes militaristas, quando interessa impor o medo. E as vítimas, em sua grande maioria, sempre jovens e negras.
Envolve a necessidade de tratar no grau, nos termos da legislação vigente, atos individuais de violência. O que temos visto em algumas manifestações não é qualitativamente distinto do que assistimos nos estádios, no conflito entre torcidas. Não é preciso lei “anti-terrorista” para enfrentar esta situação, não há fatos novos que exijam nova legislação.
Envolve uma ação preventiva contra a proliferação de grupos fascistas, racistas, homofóbicos, de “vigilantes”. Há setores médios que, atendendo ao discurso histérico de certa direita e/ou tomados de esquerdismo inconsequente, estão sendo estimulados, financiados e dirigidos no sentido de gerar situações de conflitos.
Finalmente, combater a violência envolve adotar, nas manifestações organizadas pelos movimentos sociais, populares, estudantis, sindicais e pelos partidos de esquerda, de “serviços de ordem”, a saber, equipes identificadas e treinadas para impedir a ação de infiltrados e provocadores.
Como já dissemos, vai ter Copa. Por isto mesmo, do ponto de vista estratégico, deveríamos ter desmistificado o tal “padrão Fifa” com a adoção de uma postura muito mais altiva na relação com esta entidade, pois a experiência da Copa do Mundo na África do Sul e toda a trajetória da Fifa indicam que o correto seria que o governo tivesse assumido o gerenciamento e execução estatal das obras, e ao mesmo tempo enfrentado a quadrilha que comanda os grandes negócios do mundo esportivo nacional e internacional. Tal postura teria impedido que o preço dos ingressos fosse impeditivo para amplos setores da população.
Cabe ao PT e ao governo entender o fenômeno e ter humildade e capacidade para dialogar com o sentimento real da população, sem ufanismos, sem “chapa branquismo” e com um enfrentamento real dos problemas advindos da tumultuada e mal resolvida relação com a Fifa, que tenta se impor como autoridade plenipotenciária em solo brasileiro.
Assim, ao lado da postura de anfitrião da Copa que a situação exige, é importante capacidade de diálogo no sentido de superar as contradições que são apontadas por setores populares vítimas reais dos “efeitos colaterais” das obras que caracterizam o controverso “legado da Copa”.
É forçoso reconhecer que há problemas sérios de remoções forçadas de 150.000 a 170.000 famílias nas doze cidades que serão sede do mundial, em ações comandadas pelos poderes públicos municipais, com apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos, federais, que concorreram para a retirada abrupta de moradias que teriam garantido o direito à permanência no local pelo instituto da usucapião urbano, via de regra retiradas que deram lugar a projetos que para além das obras de “mobilidade urbana” ensejaram valorização imobiliária que geraram lucros fabulosos para investidores privados “bem posicionados” no mercado.
Abrir um canal de interlocução sério com as entidades representativas desta população é um passo que o governo precisa dar, se quisermos combater com argumentos sólidos o oportunismo eleitoreiro dos que querem transformar o “não vai ter Copa” em plataforma política.
Na mesma linha, é mesmo inadmissível aceitar a política de “trabalho voluntário” na Copa do Mundo, mal e mal escondendo o suporte deste trabalho não pago ao funcionamento da engrenagem que dará oportunidades de lucros extraordinários para centenas de grandes empresas privadas. Cabe às centrais sindicais e às entidades estudantis combater esta verdadeira afronta à luta contra a precarização das relações de trabalho.
Portanto, recusamos a palavra de ordem “não vai ter Copa”. Esta palavra de ordem poderia ser parte legítima do debate, quando se discutia se o Brasil pleitearia ou não ser sede do evento. Agora, não há maneira de considerar como tempestiva, nem como correta, esta palavra de ordem: “não vai ter Copa” significaria na prática inviabilizar o evento, com os danos imensos que isto causaria, tanto do ponto de vista econômico e social, quanto do ponto de vista político.
Igualmente recusamos a postura daqueles que, pela esquerda ou pela direita, confundem o legado de 12 anos de governos federais encabeçados pelo PT, com o mal denominado legado da Copa. Ou das Olimpíadas.
A Copa e as Olimpíadas não sintetizam, nem para o bem, nem para o mal, o projeto de mudanças que defendemos para o Brasil. De maneira geral, os grandes eventos e as grandes obras não podem ser analisadas, defendidas ou rejeitadas nem em si, nem como um pacote indiviso.
O conjunto da esquerda brasileira deve lembrar que, aos 50 anos do golpe, as eleições de 2014 ocorrem num ambiente marcado pelo confronto entre o udenismo histérico e as forças políticas que sustentam o resgate das reformas de base. Este confronto –-muito mais que um jogo, uma copa ou uma olimpíada– é que decidirá o futuro imediato do Brasil.
*Valter Pomar é militante do PT e doutor em história pela USP e Lício Lobo é militante do PT, mestre em “Planejamento e Gestão do Território” pela UFABC
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