segunda-feira, 12 de maio de 2014

“O FUTURO que queremos”

Por Geraldo Abreu e Rafael Tomyama*

A vida em cidades, de pequenas vilas às megalópoles mundiais, representa mais de 50% da distribuição geográfica no mundo. No Brasil, segundo o IBGE, o meio urbano concentra mais de 80% da população. Este “pólo de atração” econômico e também de toda sorte de problemas sociais e ambientais torna o planejamento urbano peça-chave das políticas macro-nacionais de desenvolvimento. Afinal, a infraestrutura material socialmente produzida se dá sobre um território e demanda bens e serviços ambientais para contemplar sua voracidade expansionista. O velho dilema econômico permanece: como compatibilizar as crescentes necessidades reais ou induzidas da produção e consumo mundiais com a finitude dos meios disponíveis?

Não à toa, o centro das discussões das rodadas de negociação dos acordos ambientais internacionais (COPs, da sigla em inglês da Conferência das Partes) está centrado nas construções das cidades e em suas relações com o solo, a água, a biodiversidade, enfim, com a sustentabilidade. Mas quais são os elementos constituintes deste debate e como isso projeta alguma perspectiva redentora, ou não, sobre os graves e complexos problemas que atingem a humanidade no cotidiano da era pós-industrial?

A declaração final da Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, conhecida como Rio+20, vem sendo criticada por não trazer nenhum compromisso concreto dos países membros que a assinam. A análise do documento de 50 páginas dividido em seis eixos -- http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/61AA3835/O-Futuro-que-queremos1.pdf -- é revelador de seus avanços e limites.

O primeiro eixo do documento busca alinhar a visão dos signatários sobre o desenvolvimento sustentável e reafirma o compromisso com a promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para as atuais e futuras gerações. Diz ainda que a erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo enfrenta hoje, e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Por isso se comprometem a libertar a humanidade, urgentemente, da pobreza e da fome.

Do segundo eixo, consta uma reafirmação dos compromissos políticos assumidos em conferências anteriores e relaciona alguns mais importantes como: a Declaração de Estocolmo em 1972, a Agenda 21, Convenção Quadro Sobre Mudanças Climáticas Convenção Sobre Diversidade Biológica e a Convenção de Combate a Desertificação, todas oriundas da Rio 92. Cita ainda outras convenções importantes como o Consenso de Monterey, a Declaração de Doha sobre o financiamento para o desenvolvimento e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Estes documentos trazem um longo acúmulo produzido nos debates promovidos pela ONU sobre desenvolvimento do Planeta.

O terceiro eixo trata da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. Reitera a necessidade da inclusão social como indispensável ao bem estar humano, com a criação de oportunidades de emprego e trabalho digno para todos, mantendo o funcionamento saudável dos ecossistemas da terra. Afirma também que as políticas de economia verde, devem ser guiadas pelos princípios da Agenda 21 e do Plano de Implementação de Johanesburgo, devendo contribuir para a consecução das metas de desenvolvimento internacionalmente acordadas, incluindo os ODM (Objetivos do Milênio).

O quarto eixo aborda o quadro institucional. Reconhece que uma governança efetiva em nível local, subnacional, regional e global que represente as vozes e os interesses coletivos é fundamental para que se atinjam os objetivos do desenvolvimento sustentável. E que o fortalecimento e a reforma do quadro institucional não devem ser um fim, mas um meio para alcançarmos os objetivos acordados. Decide ainda estabelecer um fórum político de alto nível, com base nos pontos fortes, nas experiências, recursos e modalidades de participação inclusiva da Comissão de Desenvolvimento Sustentável.

O quinto eixo trata do monitoramento das ações, voltadas à: erradicação da pobreza, segurança alimentar, nutricional e agricultura sustentável, água e saneamento, energia, turismo sustentável, transporte sustentável, cidades a assentamentos humanos, saúde e população, promoção do emprego pleno e produtivo, do trabalho digno para todos e das proteções sociais, dos oceanos e mares, dos pequenos estados insulares em desenvolvimento, dos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento sem litoral, da África, redução do risco de desastres, mudanças climáticas, florestas, biodiversidade, desertificação, degradação do solo e seca, montanhas, produtos químicos e resíduos, mineração, produção e consumo sustentáveis, educação, igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e da juventude.

Por fim, o sexto eixo aborda as formas de implementação, reconhecendo que os meios apontados em outras conferências como: a Agenda 21, o Plano de Implementação de Johanesburgo, o Consenso de Monterey da Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, e a Declaração de Doha, são necessários para obtenção de resultados tangíveis. Destaca a importância de investimento em tecnologia e da transferência aos países em desenvolvimento capacitando-os para que possam se utilizar delas para promover o seu desenvolvimento de forma sustentável.

Como pode uma publicação de tal magnitude, ser apontada como causadora de tantas frustrações entre participantes da Rio+20? Uma pista pode ser a baixa efetivação dos documentos que a antecedem e que reivindica reafirmar. Mesmo após dez reuniões para gestação do documento base dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a ser aprovado em definitivo em 2015, perdura o sentimento de desconfiança quanto à sua aplicação prática.

A expectativa de que provavelmente o acordo ainda ficará aquém das necessidades concretas do planeta, encontra uma explicação fundante no modelo de desenvolvimento hegemonizado pelos interesses dominantes do capital. Aliás, como não poderia deixar de ser. Enquanto as políticas não se propuserem à realização das aspirações emancipatórias da humanidade, persistirá a frustração com discursos e gestos inúteis dos governos a cada rodada, diante do agravamento crescente da crise global planetária. Há quem ouse afirmar na contramão, que a Revolução, portanto, é fundamentalmente uma necessidade de sobrevivência da espécie humana e do planeta. O tempo está se esgotando.

*Geraldo Abreu e Rafael Tomyama são militantes ambientalistas do PT.

Publicado na revista Esquerda Petista n° 1


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