segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A crise atual e o futuro do PT

Resolução aprovada pela Direção Nacional da tendência petista Articulação de Esquerda.

1. Os próximos dias, semanas e meses serão marcados por um agravamento da situação internacional e nacional. A classe trabalhadora, as organizações populares e cada militante devem preparar-se para enfrentar e vencer batalhas cada vez mais duras e perigosas. Nosso pior inimigo são os que subestimam a gravidade da situação: vivemos tempos de guerra e, por isto, precisamos de um partido para tempos de guerra.

2. No cenário internacional, falar de guerra não é uma metáfora. Como aconteceu em outros momentos de predomínio e crise do capitalismo, a guerra econômica entre classes e nações deriva para conflitos militares cada vez mais intensos. O atentado terrorista cometido na França e a derrubada de um avião russo pela força aérea turca são peças de um quebra-cabeças cujo desdobramento lógico – que, portanto, ainda pode ser evitado– será um conflito militar em larga escala, cujo principal motor é o esforço desesperado que as potências imperialistas fazem para reverter seu declínio e restaurar sua plena hegemonia. Como naqueles outros momentos da história, há muitos que dizem ser impossível ou improvável um conflito militar em larga escala. De nossa parte, cerramos fileiras com aqueles que lutam pela paz, mas não temos nenhuma ilusão acerca dos propósitos do imperialismo, nem dúvidas acerca dos desdobramentos cada vez mais prováveis desta escalada da insensatez.

3. No cenário regional, falar de tempos de guerra pode deixar de ser metáfora. A vitória da direita nas eleições presidenciais argentinas — por uma diferença menor do que a apregoada pelos meios — foi acompanhada imediatamente de uma exibição pública dos cavernícolas. Um exemplo disto foi o editorial do jornal La Nacion, que de fato faz uma defesa aberta dos responsáveis pelo genocídio de 30 mil argentinos durante a ditadura militar naquele país. Setores da oposição de direita venezuelana dão sinais de que também pretendem, a depender do resultado das eleições parlamentares de 6 de dezembro, subir o tom e a forma de seu combate contra a República Bolivariana da Venezuela. A integração regional autônoma frente aos EUA corre sérios riscos.

4. No Brasil, os setores de ultradireita seguem ganhando destaque no discurso hegemônico na coalizão de forças responsável pela ofensiva conservadora. Os direitos dos pobres, das juventudes, dos negros e negras, das mulheres, da classe trabalhadora, os direitos humanos e democráticos, os direitos civis, a liberdade de organização sindical e partidária, os direitos sociais, tudo vai sendo empacotado e apresentado como parte de uma grande conspiração “lulo-petista-comunista-bolivariana” que precisa ser extirpada, para que o Brasil possa seguir adiante. Com este discurso, prepara-se o terreno não apenas para uma vitória neoliberal nas eleições de 2016 e 2018, não apenas para uma supressão dos direitos previstos pela Constituição de 1988, mas também para o regresso de traços típicos do Brasil pré-revolução de 1930.

5. Os principais traços da presente conjuntura são, portanto: a contraofensiva conservadora no plano nacional e no regional, num contexto internacional marcado pela crise do capitalismo e por ações do Estados Unidos e aliados em busca de reverter o declínio de sua hegemonia global. Nesta conjuntura, o centro da nossa tática consiste em deter a ofensiva conservadora no Brasil, recuperar protagonismo em âmbito regional e contribuir com outros BRICS, especialmente no sentido de interromper a tendência dos EUA de buscar uma saída militar para os conflitos internacionais.

6. A contraofensiva conservadora consiste numa operação simultânea, em paralelo, de diferentes setores: a direita social (em que têm grande influência “coxinhas” e “cavernícolas”); a direita partidária (em que disputam hegemonia o PSDB e o PMDB, este último operando como quinta-coluna no interior do governo); a direita midiática (na qual também há táticas distintas, por motivações políticas ou financeiras); a direita empresarial (a quem interessa sobremaneira a redução dos ganhos da classe trabalhadora); a direita incrustrada no aparato de Estado (especialmente na Justiça e nas Forças Armadas). Paradoxalmente, a inexistência de um centro único de comando tornou-se um fator que contribui para a contraofensiva de direita, isto por três motivos principais: a) eles têm unidade estratégia; b) eles têm divergências táticas, mas suas duas táticas alimentam-se reciprocamente; c) eles enfrentam uma esquerda divida na estratégia, dividida na tática, na defensiva e na qual destacam-se uma quinta-coluna (setores de esquerda, mas cujas posições contribuem ativamente com a direita) e uma “tendência suicida” (setores de esquerda, mas cuja passividade ajuda objetivamente a direita).

7. As diferentes direitas estão unidas em torno dos seguintes objetivos estratégicos: realinhar o Brasil ao eixo comandado pelos Estados Unidos, nos afastando da integração regional e dos BRICS; reduzir o nível de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora brasileira; reduzir o nível de liberdades democráticas, direitos humanos e sociais da população brasileira. Não se trata apenas, portanto, de reconquistar o governo; seus objetivos estratégicos supõem reduzir ao mínimo possível a influência da classe trabalhadora e da esquerda sobre os rumos nacionais. Por este motivo, iludem-se os que ainda dizem frases do tipo: “eles não terão coragem”, “eles não irão até este ponto”. Eles irão até onde for necessário, especialmente no que diz respeito ao “programa máximo” da chamada Operação Lava Jato: atingir Lula.

8. As diferentes direitas dividem-se em torno de duas táticas: a) os que defendem concentrar energias em fazer o governo Dilma cumprir o ajuste fiscal, desmoralizando assim o PT e a esquerda e pavimentando o caminho para uma vitória eleitoral “limpa” dos neoliberais em 2018; b) os que defendem afastar o mais rápido a presidenta Dilma, assim como interditar o mais rápido tanto o PT quanto Lula, para evitar qualquer possibilidade de surpresa eleitoral por parte das esquerdas em 2018. Embora diferentes, as duas táticas alimentam-se reciprocamente: a tentativa de impeachment e operação de criminalização do PT e Lula servem para acuar setores da esquerda e empurrar o governo para uma política cada vez mais conservadora; ao tempo que um governo que promove e um partido que assiste sem reagir a uma política de ajuste fiscal recessivo tornam-se cada vez mais fáceis de interditar. Deste ponto de vista é especialmente grave que setores do governo falem em parcelar o aumento do salário mínimo e adiar reajustes já acertados com os servidores, indicando para 2016 um cenário ainda mais grave do que o atual.

9. As diferentes direitas, apesar de divididas e sem comando único, avançam porque no fundamental não têm enfrentado reação à altura e porque contam com os efeitos corrosivos da política econômica. Os movimentos sociais, setores dos partidos de esquerda e setores do governo tentam reagir, às vezes com mais, às vezes com menos êxito. Mas o núcleo central do governo e o setor majoritário na direção nacional do PT não têm contribuído com a resistência.
10. No caso do grupo majoritário do PT, predomina a passividade, a inércia, a reação retardada, o cálculo miúdo e a contemporização com os erros nossos (especialmente aqueles evidenciados na Operação Lava Jato) e com os crimes da direita. No caso do núcleo central do governo, predomina a política de ajuste recessivo e a atitude contemplativa frente a partidarização de setores da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal, bem como frente aos crimes cotidianamente cometidos pelo presidente da Câmara e pelo oligopólio da mídia.

11. O ajuste recessivo não vai resolver o problema fiscal, entre outros motivos devido à política de juros. Mas o ajuste recessivo provocou uma crise econômica profunda, ao reduzir a ação do Estado, exceto naquilo que favorece a especulação financeira. Como resultado, o povo vive pior do que antes, o governo se enfraquece diante dos inimigos e perde o apoio dos que o elegeram, causando ademais profunda divisão nas esquerdas.

12. A atitude contemplativa do governo frente aos crimes cometidos por seus inimigos nos faz pensar, cada vez mais, que o ministro da Justiça optou pela inação premiada. A declaração que o ex-secretário-geral do Partido, José Eduardo Cardoso, deu recentemente à revista IstoÉ é impossível de adjetivar, salvo ofendendo sensibilidades mais refinadas. Afinal, como é possível ouvir dizer que a lei é para todos, quando todos sabem que para petistas nem mesmo a lei vem sendo cumprida??? Até mesmo a imprensa conservadora, hipocritamente, questiona os dois pesos e duas medidas, presente por exemplo na tramitação do “mensalão tucano” e do “trensalão de Alckmin”, para não falar de que apenas tesoureiros do PT foram presos. No fundo da postura do ministro da Justiça e de outros setores do governo, está a crença na “neutralidade” e “imparcialidade” do Estado frente aos interesses de classe (a esse respeito, recomendamos a leitura da resolução “O PT deve expulsar Delcídio Amaral”).

13. Frente a esta situação, reafirmamos e atualizamos as posições adotadas por nós logo após o segundo turno presidencial de 2014 (“Comemoração e luta”), no 2º Congresso da Articulação de Esquerda (“Um partido para tempos de guerra”) e na resolução divulgada pela Dnae logo após o 5º Congresso do PT (“À militância petista, sobre o 5º Congresso”).

14.Enfatizamos, em especial, a necessidade do Partido elaborar e implementar outra estratégia. Desde 1995 a maioria do PT veio implementando uma estratégia que pretendia mudar o Brasil sem reformas estruturais, mediante alianças estratégicas com setores da classe dominante, sem rupturas e com o máximo de conciliação possível, superestimando a institucionalidade eleitoral e subestimando na prática a mobilização social, a organização partidária e a disputa cultural-ideológica. Esta linha política – radicalizada pela Carta aos Brasileiros e levada ao paroxismo no atual ajuste fiscal recessivo – nunca nos conduziria ao poder, nem ao socialismo. E agora está se demonstrando incapaz inclusive de produzir avanços sociais e conquistas eleitorais. O PT precisa de outra estratégia.

15.Temos pela frente pelo menos quatro grandes tarefas: mudar a orientação do Partido dos Trabalhadores, mudar a orientação do governo, construir uma frente única das forças populares e deter a ofensiva conservadora, nas ruas, em 2016 e em 2018.

16. Reafirmamos nossa proposta de convocação imediata de um Encontro Extraordinário do PT, com delegados eleitos na base, para reorientar não apenas a tática, mas também a estratégia partidária. Caso a direção nacional do PT resista às evidências de que é preciso convocar imediatamente tal encontro, os delegados e delegadas ao recente Congresso devem reunir-se para tratar de tal convocação.

17. Reafirmamos nossa proposta de que o governo mude imediata e radicalmente a política econômica, assim como abandone o comportamento contemplativo frente à ofensiva da direita. Não fazer nada frente ao “programa máximo” da Operação Lava Jato é ser cúmplice.

18. Reafirmamos nossa proposta de Construção da Frente Brasil Popular, em defesa das liberdades democráticas, por outra política econômica e por reformas estruturais. É preciso instalar a Frente em todos os estados e em todas as grandes cidades do país, e convertê-la em dinamizadora da mobilização política e social.

19. Afirmamos que as eleições de 2016 devem ser encaradas como parte da disputa nacional, onde seremos chamados a defender o PT e a sustentar uma mudança de rumos no governo, de que depende no fundamental o resultado eleitoral. Motivo pelo qual repudiamos com veemência propostas como as de trocar Levy por Meirelles, que implicariam em manter o governo capturado pelo setor financeiro, de cujo desmonte depende sairmos da crise.

20. Setores importantes do Partido, inclusive setores do grupo atualmente majoritário no Diretório Nacional, concordam, parcial ou integralmente, com as preocupações e propostas anteriormente expostas. Mas o que predomina, pelo menos até agora, é um comportamento burocrático, defensivista, imobilista, cujo resultado prático tem sido criar confusão na nossa base (que esperava, por exemplo, uma postura clara e taxativa em favor da cassação de Eduardo Cunha) e nos fazer perder terreno, além de sinalizar para as direitas que não haverá resistência efetiva do lado de cá, na hipótese deles consumarem seu programa máximo: afastar Dilma, interditaro PT e Lula.

21. O grupo majoritário na direção nacional do Partido precisa compreender, antes tarde do que nunca, que ter maioria nas instâncias não é a mesma coisa que ter maioria no petismo. Precisa compreender, também, que não basta ter maioria: é preciso ter uma política e um comportamento que sejam capazes de coesionar o PT e outras forças da esquerda política e social, que sejam capazes de produzir vitórias no enfrentamento da contraofensiva da direita. Sem isto, a atual maioria do DN se tornará arquiteta de derrotas cada vez mais profundas.

22. Quanto ao “comportamento”, não podemos deixar de lembrar que desde 1995 até 2015, só há um cargo na executiva nacional do PT que nunca deixou de ser controlado pelo grupo majoritário: a tesouraria. Isto é revelador de uma concepção acerca de como formar maiorias. Concepção que, se continuar predominando, provocará danos irreversíveis ao nosso Partido, situação frente a qual não é suficiente nem correto alegar “perplexidade”. Afinal, quando os malfeitos são cometidos por personagens como Candido Vacarezza, André Vargas e Delcídio Amaral, personagens que nunca foram discretos no seu modus operandi e que tiveram papel tão destacado, é preciso reconhecer que há algo de errado nos controles internos e nos métodos de formação das maiorias partidárias. Reiteramos o que é dito em resolução específica: o PT deve expulsar imediatamente Delcídio Amaral.

23. Frente a esta situação tão difícil, reafirmarmos o papel estratégico do Partido dos Trabalhadores. Uma derrota estratégica do PT, sob qualquer forma que possa ocorrer, seria acompanhada de um retrocesso brutal para o conjunto da esquerda brasileira, para o conjunto da classe trabalhadora e do povo, para o conjunto dos povos que lutam contra o imperialismo na região e no mundo. Estes são motivos mais do que suficientes para que não poupemos esforços no sentido de fazer, de nosso Partido dos Trabalhadores, um partido à altura dos tempos de guerra em que vivemos.

Direção nacional da Articulação de Esquerda
29 de novembro de 2015


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