domingo, 29 de maio de 2016

Greve geral contra o governo golpista

O vazamento de áudios comprometedores, a composição do novo “ministério” e suas primeiras medidas, a persistente mobilização popular e as repercussões internacionais confirmam: não reconhecer a legitimidade do governo golpista e levar a luta de massa até a greve geral constituem duas tarefas essenciais para reverter o impeachment no Senado, derrotar o golpismo e retomar o caminho das mudanças


A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida em Natal (RN) no dia 27 de maio de 2016 debateu e aprovou a seguinte resolução.

1. No dia 12 de maio de 2016, o Senado aprovou por 55 votos a favor e 22 votos contra, a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Desde então a presidenta está afastada do cargo para o qual foi eleita por 54 milhões de brasileiros e de brasileiras. O Senado tem o prazo máximo de 180 dias para realizar o julgamento do mérito. Caso 1/3 dos senadores considere a presidenta inocente, ela reassumirá o cargo. Na primeira etapa, quando se deliberou sobre a admissibilidade do impeachment, os golpistas conseguiram mais de 2/3 dos votos tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, que no dia 17 de abril aprovou a admissibilidade com 367 votos a favor e 137 contra.

2. Não existe base legal para o impeachment. A presidenta Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime, muito menos crime de responsabilidade. Aliás, os “crimes” de que acusam a presidenta foram atos cometidos também pelo vice-presidente da República. Sem crime de responsabilidade, impeachment é golpe parlamentar e deveria ter sido barrado pela Justiça. Mas como a maioria do Supremo Tribunal Federal comporta-se como cúmplice do golpe, vem prevalecendo a máxima segundo a qual aos inimigos nem mesmo a lei é garantida.

3. A “indiscrição” cometida pelo senador Romero Jucá (PMDB) em conversa gravada e posteriormente tornada pública apenas confirmou que a maioria do Congresso Nacional forjou um pretexto para afastar ilegalmente a presidenta da República, contando com a cumplicidade do Supremo Tribunal Federal, com a cobertura do oligopólio da mídia, com os “efeitos especiais” da Operação Lava-Jato, com o financiamento do grande capital, com o apoio de militares, com a devida assessoria internacional, com a benção do fundamentalismo religioso e a colaboração entusiasmada de grande número de “extras”: os afamados “coxinhas”.

4. A maior parte do povo brasileiro assistiu pela televisão ao desenrolar da contraofensiva reacionária, cujos elementos e passos são conhecidos: o discurso da oposição assumindo um tom cada vez mais reacionário, num crescendo que passou por FHC, Alckmin, Serra e Aécio; o ensaio geral de 2005, plantando o temário que seria posteriormente desenvolvido pela Operação Lava Jato; a ocupação das ruas, experimentada como manipulação em 2013 e generalizada a partir de 2015; o controle do parlamento pela bancada da “Bala, da Bíblia e do Boi”, sob comando de um meliante que conquistou com dinheiro e chantagem a presidência da Câmara dos Deputados; o pesado bombardeio da grande mídia contra o governo federal e o PT, apresentando dia após dia o maior partido de esquerda do Brasil como uma “organização criminosa” e os governos Lula e Dilma como os mais corruptos da história; o crescente envolvimento de setores da “base do governo”, inclusive ex-petistas, com os setores reacionários; e uma contraofensiva ideológica, em que vieram a tona todos os preconceitos de classe, racistas, machistas, homofóbicos, antipopulares e anticomunistas.

5. Durante o ano de 2015, houve uma disputa tática entre as diferentes frações que integram a contraofensiva reacionária: os partidos da direita tradicional, a direita social não-partidária com base principalmente nos setores médios, o oligopólio da comunicação, as igrejas fundamentalistas, setores do aparato de Estado, o grande capital e seus aliados externos. Mas em 4 de março de 2016, quando Lula foi sequestrado e conduzido coercitivamente para depor, ficou claro que as frações da direita favoráveis à deposição imediata da presidenta tinham vencido a queda de braço com o setor favorável a esperar as eleições de 2018. Ficara claro, também, que os reacionários haviam conseguido convencer ou pelo menos neutralizar grandes parcelas da população brasileira, inclusive expressivos contingentes dentre aqueles que haviam votado nas candidaturas do PT nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014.

6. Desde o dia 17 de abril, em muitos casos despertos do torpor pelo show de horrores que foi a votação na Câmara dos Deputados e também pelas contradições entre o discurso e a ficha corrida dos golpistas, um número crescente de brasileiros e de brasileiras está se dando conta de que o impeachment é obra de uma quadrilha, a serviço dos interesses do grande capital nacional e internacional. Mas até agora apenas uma pequena parcela do povo saiu às ruas para denunciar e tentar derrotar os golpistas. E a classe trabalhadora organizada ainda não realizou paralisações na produção.

7. O ministério golpista é constituído por raposas da política, homens velhos e brancos, ricos e corruptos. Suas primeiras ações não deixam dúvida sobre seu caráter neoliberal, nem sobre a velocidade e violência com que pretendem aplicar seu programa. De conjunto, já provocaram e tendem a provocar ainda mais repúdio. Sendo assim, é inevitável perguntar: do ponto de vista da classe dominante, não teria sido mais prudente aguardar as eleições presidenciais de 2018? Será que ao optar pelo golpismo, não teriam desencadeado uma reação popular que não apenas os derrotará, mas também criará as condições para transformações mais profundas? A resposta para estas questões será dada por processos que ainda estão em curso. Mas a opção da classe dominante e de seus agentes em favor do golpismo não tem nada de surpreendente, vinculando-se por um lado a elementos estruturais e por outro lado a elementos conjunturais,

8. Como o escorpião da fábula, o golpismo faz parte da sua “natureza”. O grande capital, os partidos de direita, a mídia golpista, as igrejas conservadoras, os setores médios tradicionais e determinadas frações do aparato de Estado já demonstraram diversas vezes, ao longo do século XX, que possuem um DNA golpista, um chip que pode ficar dormente por algum tempo, mas que ao final é sempre ativado. Tendo a oportunidade, escolhem este caminho. E ao longo dos últimos anos, mais especialmente a partir da crise internacional de 2008, esta oportunidade foi criada. Mais que isto: a crise internacional tornou o golpismo a saída mais racional do ponto de vista da classe dominante, uma vez que ela deseja impor rapidamente à sociedade brasileira uma agenda ultraliberal, que teria ínfimas chances de ser aprovada pelas urnas.

9. No plano internacional, para tentar enfrentar a crise, os Estados Unidos aumentaram a pressão contra os BRICS e contra os governos progressistas e de esquerda da América Latina e Caribe, ações que exigem como complemento uma mudança radical na política externa do governo brasileiro. Também para enfrentar a crise internacional, o grande capital aumentou a pressão que faz pela redução rápida e profunda dos salários, pela anulação dos direitos sociais e trabalhistas, pela retomada em grande estilo das privatizações e pela revogação da Lei da Partilha. Por estes dois motivos, desde 2011 o grande capital nacional e internacional mudou de atitude frente ao governo e frente ao PT: ficou em segundo plano a cooptação, passando a primeiro plano o enfrentamento total.

10. Internamente, a inflexão feita no segundo mandato do governo Lula –convertendo-o no “cara”, o “presidente mais popular da Terra”— gerou a devida reação. As diferentes frações da direita desencadearam todas as medidas previstas nos “manuais de operação” do golpismo internacional. A Operação Lava-Jato e o oligopólio da mídia fabricaram a “narrativa legitimadora” indispensável para desmoralizar, derrotar e derrubar qualquer governo. Como se não bastasse a complacência do governo frente a uma “justiça” partidarizada e frente a uma mídia oligopolizada, a política de alianças adotada especialmente nas eleições de 2010, 2012 e 2014 ajudou a conduzir à vice-presidência da República, à presidência da Câmara dos Deputados e à presidência do Senado personagens dispostos a jogar, cada qual a sua maneira, um papel chave no golpe. O elenco contou, ainda, com a assistência da maioria do STF, por sinal uma maioria indicada pelos presidentes Lula e Dilma. Registre-se por fim mas não menos importante, a participação especial de personagens aparentemente menores, mas que podem jogar um papel vital na próxima etapa do golpe, como é o caso de Delcídio do Amaral.

11. Vale lembrar, sempre, que encaminhamos e votamos contra a filiação de Delcídio em três instâncias do Partido (a direção municipal de Corumbá, a direção estadual do Mato Grosso do Sul e o Diretório Nacional). Nas três instâncias, fomos acusados de estreiteza, de não querer ampliar o Partido e de sectarismo. Nas três instâncias, fomos derrotados pela articulação e voto de pessoas que hoje foram condenadas ou podem vir a ser condenadas com base na delação premiada feita recentemente pelo ex-líder do governo no Senado, hoje senador cassado. Atualmente, é claro, ninguém assume a paternidade da filiação. Aliás, figuras como Temer e Delcídio são chamados de “traidores”, termo que pode e deve ser utilizado apenas por quem algum dia acreditou neles.

12. O DNA golpista é parte da natureza da classe dominante, mas a vitória do golpe não era e segue não sendo inevitável. A história poderia ter sido outra, por exemplo, se a política econômica adotada pelo governo Dilma Rousseff desde novembro de 2014 não tivesse reduzido e debilitado nosso apoio na classe trabalhadora, que constitui a maioria do povo brasileiro. E a história pode seguir outro rumo, se a classe trabalhadora entrar em ação.

13. É verdade que desde 2005 crescentes parcelas dos setores médios tradicionais começaram a converter-se à oposição; mas apesar disto vencemos as eleições de 2006 e 2010. É também verdade que desde 2011 o grande capital adotou progressivamente uma postura de confronto; mas apesar disto vencemos as eleições de 2014. A partir de novembro de 2014, entretanto, setores crescentes da classe trabalhadora mudaram de posição. Mesmo assim, a oposição de direita preferiu não correr o risco de tentar nos derrotar nas eleições presidenciais de 2018. Depois de perder quatro eleições presidenciais seguidas, duas delas (2006 e 2014) transcorridas em condições que pareciam ser inicialmente favoráveis à oposição, a oposição de direita sabe que pode perder novamente em 2018. Por isto e pelo que foi explicado antes, ativou-se o chip golpista do grande capital e das direitas, numa tentativa até agora exitosa de aproveitar a correlação de forças existente no Congresso e fabricada nas ruas para conquistar desde já o governo, evitando o risco implícito em qualquer eleição.

14. Por isto, o impeachment não é apenas uma farsa e uma fraude, é um golpe que promove a substituição das eleições diretas onde o povo decide, por uma eleição indireta em que decidem os parlamentares. E, como tantos golpes na história do Brasil, este faz parte de uma operação estratégica de maior vulto, que rompe os parâmetros dentro dos quais a política brasileira vinha desenvolvendo-se desde a promulgação da Constituição de 1988.

15. A Constituição de 1988 tem aspectos progressistas e aspectos conservadores. No contexto em que foi aprovada,  na segunda metade de uma década marcada pelo ascenso das lutas sociais e da esquerda brasileira, a Constituição ficou globalmente aquém do que pretendiam os setores populares, sendo este um dos motivos pelos quais o PT acertadamente não votou a favor do texto final, embora o assinasse. Ao mesmo tempo, os setores conservadores acusaram a Constituição de 1988 de tornar o país “ingovernável” e passaram toda a década dos 1990 tentando reverter seus aspectos positivos. Naquela década de ofensiva neoliberal, o PT e outras forças de esquerda defenderam a Constituição contra os que pretendiam piorá-la. E, uma vez que Lula tomou posse na presidência da República, grande parte das ações de governo desde 2003 até 2014 constituíram a tentativa de implementar o que de positivo havia na Constituição de 1988. Nesse contexto, as forças reacionárias voltaram a acusar a Constituição de ser “maior” do que o país, ou seja, de prever direitos que o país não teria condições de implementar.  Destaque-se, portanto, que o golpe não é contra o “socialismo”, nem contra “reformas estruturais”, mas contra a implementação dos direitos contidos na Constituição. Destaque-se, por outro lado, que as limitações do governo Lula e Dilma são, em alguma medida, as limitações da Constituição de 1988. Portanto, aquele “pacto constitucional” não pode nem deve tornar-se nosso programa máximo.

16. Um dos aspectos positivos contidos na Constituição de 1988 foi o de que ela expressava a aceitação de que a disputa entre os diferentes projetos de país deveria ser resolvida respeitando as decisões adotadas pela maioria do povo através de eleições regulares. É verdade que desde então e até 2014, as forças de direita vem fazendo de tudo para adulterar as liberdades democráticas, por exemplo através do financiamento privado empresarial das campanhas eleitorais e através da ação nefasta do oligopólio da mídia, numa operação que além de tudo contaminou amplos setores da esquerda. O poder do dinheiro e da mídia foram suficientes para garantir, aos conservadores e reacionários, a maioria do Congresso Nacional, assim como ajudaram a adiar a chegada do PT à presidência da República. Mas desde 2002 até 2014, as “salvaguardas” financeiras e midiáticas não foram mais suficientes para garantir o controle da presidência da República pelos partidos de direita. Destaque-se, portanto, que o golpe não é contra uma “democracia popular”, uma “república sindicalista” ou uma “ditadura do proletariado”. O golpe é contra a democracia brasileira realmente existente, ou seja, uma democracia extremamente limitada, onde a maioria da população encontra imensos bloqueios para transformar-se em maioria política nas instituições. Destaque-se, por outro lado, que as limitações desta democracia realmente existente nos levam a defender a legalidade e as liberdades contra os reacionários, mas não podem nem devem nos levar a aceitar, como parâmetro ótimo e desejável, a democracia liberal-burguesa.

17. Com base no raciocínio que acabamos de desenvolver, a presidência golpista de Michel Temer não significa apenas a implementação do programa derrotado seguidamente nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014. Mais do que isto, o golpismo significa que a classe dominante não aceita que a implementação de seu programa dependa do crivo eleitoral, mesmo que de eleições constrangidas pelo poder do dinheiro e da mídia. O impeachment é, neste sentido, um parente distante das comissões que, na República Velha, “validavam” (leia-se: adulteravam) os resultados para garantir que eles saíssem do jeito que a oligarquia desejava.

18. Por todos estes motivos, é fundamental que o governo interino continue sendo caracterizado e atacado como golpista e ilegitimo. Esta diretriz deve se materializar de diferentes formas. A CUT, por exemplo, já decidiu que não participará das negociações que o governo convocou com o propósito de reduzir os direitos. Por outro lado, sindicatos como os de trabalhadores públicos devem cumprir seu papel, combinando a denúncia política com a defesa dos interesses da categoria. Já em Conselhos como os da Saúde, onde temos representantes eleitos pela sociedade, é necessário utilizá-los como espaço de denúncia e resistência em defesa das políticas públicas que os golpistas estão destruindo. Qualquer que seja a forma como se materialize a diretriz, o importante é perceber que a ilegitimidade do governo golpista é um argumento a mais para enfrentar as diretrizes da “Ponte para o futuro”.

19. Qual o programa dos reacionários? Em síntese, trata-se de realinhar o Brasil com os Estados Unidos, afastando-nos dos BRICS e da integração regional; reduzir ao mínimo os salários e os direitos sociais; destruir os avanços obtidos desde 2003; anular os aspectos positivos inscritos na Constituição de 1988 e na CLT; consolidar o domínio do país pelo capital financeiro, destruir o que resta do nosso parque industrial, converter-nos novamente numa combinação entre fazenda e mineração. Portanto, num certo sentido, fazer com que o Brasil de 2020 lembre o Brasil de 1920.

20. O caráter dos personagens, o programa golpista, a composição do ministério e suas primeiras medidas têm um nítido e profundo sentido antinacional, antipopular, antidemocrático, antiambiental, homofóbico, racista e machista. Uma descrição das medidas iniciais pode ser lida na resolução adotada no dia 24 de maio de 2016 pela Direção Executiva da CUT. No jornal Página 13 de junho há um balanço global das medidas do governo, bem como a identificação de sua articulação com os interesses de diferentes setores do Capital.

21. A voracidade das medidas adotadas pelo governo golpista explica em parte porque vem sendo tão forte a reação, especialmente visível na juventude, no mundo da cultura e no exterior. Mas não devemos nos iludir: em 1964 ocorreu um golpe ainda mais explícito. E os personagens envolvidos naquela época também eram grotescos. O que não impediu a ditadura miliar de sobreviver por duas décadas. Assim, não basta constatar e denunciar o caráter reacionário, violento e corrupto do golpismo. Do que se trata é, para além da necessária denúncia e resistência, criar as condições para derrotar o governo golpista, derrotar a contraofensiva reacionária e retomar o caminho das mudanças democrático-populares e socialistas. Para dar conta destas tarefas, uma atitude essencial é não subestimar os inimigos e não superestimar as forças do campo democrático popular.

22. Os golpistas sabem que houve e seguirá havendo resistência contra o golpe e em favor da absolvição da presidenta no Senado. Os golpistas sabem, também, que tende a haver uma crescente resistência contra as medidas que já estavam sendo aprovadas no parlamento e que agora estão buscando aprofundar via executivo federal. Por isto, os golpistas não podem e não vão se limitar ao que fizeram até agora. Está no “menu” de ações e opções dos reacionários:

a) aprovar no Senado o mais rápido possível, se possível em agosto, o afastamento definitivo da presidenta Dilma Rousseff, entre outros motivos para evitar que as Olimpíadas convertam-se em espaço para uma grande mobilização contra o governo golpista;

b) fazer as “maldades” o mais rapidamente que for possível, inclusive para que elas possam ser atribuídas à “herança maldita” supostamente recebida do governo encabeçado pelo PT;

c) fazer as “maldades” o mais intensamente que for possível, destruindo políticas públicas consolidadas, como a Previdência Social, a Saúde, a Educação, a Ciência e Tecnologia, a Cultura etc.

d) administrar os efeitos colaterais da Operação Lava Jato, o que supõe entregar à “opinião pública” alguns bodes expiatórios mais gordos do que os até agora oferecidos, permitindo em seguida interromper as investigações, pelo menos aquelas que apontam para partidos de direita e para setores do governo;

e) impedir que Lula seja candidato nas eleições presidenciais de 2018. O que exige chantagear, desmoralizar, processar, condenar, tornar inelegível e se necessário prender o ex-presidente;

f) reprimir e inviabilizar o funcionamento do Partido dos Trabalhadores, assim como atacar o conjunto das organizações politicas e sociais vinculadas à esquerda brasileira, em particular os sindicatos, mas também outras organizações, como é o caso do MST e da UNE (contra a qual já foi instalada uma CPI);

g) se possível, alterar o regime político brasileiro, por exemplo adotando algum tipo de parlamentarismo e o voto facultativo, com o propósito de reduzir ao máximo a imprevisibilidade implícita nas eleições presidenciais diretas;

h) aprofundar a criminalização das lutas sociais, a judicialização da política e a partidarização da justiça. Como está dito no final do documento “Ponte para o futuro”, haverá necessidade de “ordem e progresso”, palavras que na história brasileira receberam diferentes traduções, tais como “a questão social é um caso de polícia” ou “prendo e arrebento”;

i) em decorrência do conjunto da obra que se pretende realizar, convidar as Forças Armadas a ter novamente papel ativo na política nacional. Por isto, como já foi dito, não surpreende a “confissão” feita pelo ex-ministro Jucá acerca dos contatos mantidos pelos golpistas com os militares;

j) criar um ambiente ideológico não apenas ultra-liberal, mas também neoconservador. Saem do armário todas as pautas reacionárias, da proibição dos símbolos do comunismo até a homofobia, o racismo e o machismo mais descarados.

23. Os golpistas vão buscar impedir que as esquerdas tenham capacidade de estimular, organizar e dirigir o descontentamento popular. E também vão tentar impedir que disputemos com chances de vitória a eleição presidencial de 2018. Se tiverem êxito, o governo Temer entrará para a história como um “governo de transição”, que através de um conjunto de retrocessos políticos, econômicos e sociais, preparou o terreno para a vitória aparentemente legítima de uma candidatura neoliberal nas eleições presidenciais de 2018. Vale registrar que o empresariado se unificou pelo impeachment e forçou a aliança de todos os partidos conservadores ao redor da ideia de um governo de transição que não postulasse a reeleição. Ao mesmo tempo, vários porta-vozes do grande capital têm dito que precisam legitimar o golpe através das urnas.

24. Este é um dos motivos pelos quais não estamos de acordo em adotar propostas que falam em antecipação das eleições. No curto prazo, mesmo que não seja este o propósito de quem as apresenta, tais propostas enfraquecem nossos argumentos em favor da legalidade e da legitimidade do governo eleito em 2014. E, portanto, enfraquecem nossas possibilidades de ganhar na votação de mérito no Senado.

25. Por outro lado, caso nossa resistência seja muito forte, mas não ao ponto de derrubar o governo golpista, pode-se criar uma situação de “empate” em que a direita tenha governabilidade institucional para aprovar em definitivo o impeachment, mas não tenha governabilidade social para seguir em frente com Temer. Neste cenário, um setor da direita pode tentar antecipar as eleições.

26. Não é possível definir, agora, qual tática deve ser adotada pelo campo democrático-popular num cenário deste tipo. Mas é possível definir que não adotaremos, agora, posições que possam facilitar tanto este tipo de manobra, quanto possam facilitar a aprovação do impeachment.

27. Evidentemente, caso 2/3 do Senado aprove o impeachment, será imperioso debater e aprovar propostas que apontem nossa posição sobre quando e como o povo voltará a eleger diretamente quem dirige o país. Mas o centro da tática agora é derrotar o golpismo e recuperar o mandato legitimamente conquistado nas eleições de 2014.

28. Ao mesmo tempo em que reafirmamos que a melhor solução para a crise política é a absolvição da presidenta, também alertamos que a presidenta deve  governar o país com o programa vitorioso no segundo turno das eleições de 2014, não com aquele implementado por Joaquim Levy e Nelson Barbosa.

29. Neste sentido, apoiamos a edição de uma nova e totalmente distinta “Carta aos Brasileiros”, que antecipe o que faremos a partir da retomada da presidência da República, tomando como base as resoluções aprovadas pelo Diretório Nacional do PT em sua reunião de 26 de fevereiro de 2016, sob o título “O futuro está na retomada das mudanças”. Aos que dizem “primeiro vamos fazer Dilma voltar, depois discutiremos o que ela deve fazer”, respondemos: ajuda a luta pelo “volta de Dilma”, que ela assuma compromissos claros, inclusive reconhecendo os equívocos programáticos cometidos depois da eleição de 2014.

30. Além de não subestimar os reacionários, é importante que não superestimemos as capacidades do campo democrático popular. Sobre isto, um bom ponto de vista é lembrar por quais motivos o golpismo até agora teve êxito.

31. Entre estes motivos, é muito comum que se destaque o fato de não termos criado mecanismos adequados de financiamento militante das atividades da esquerda política e social; de termos deixado crescer nossa dependência tanto frente ao financiamento público, quanto nossa dependência frente ao financiamento empresarial; de alguns terem adotado (ou terem deixado adotar) o modus operandi e até mesmo os “operadores” do financiamento empresarial feito pela direita. Em parte como resultado do que foi citado anteriormente, em parte devido à intensa campanha jurídica e midiática, em parte devido à atitude “republicana” tanto do governo Dilma quanto de parcelas da esquerda, parte importante do povo brasileiro aceita como verdadeira a “narrativa” criada contra nós no tema da corrupção.

32. Já apontamos, no documento “O PT na luta contra a corrupção”, aprovado em 2015 pelo Segundo Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda, a importância do combate à corrupção, para a esquerda em geral e para o PT em particular. E apontamos um conjunto de autocríticas e medidas práticas que devem ser adotadas pelo Partido nesse sentido. Ao mesmo tempo, não estamos de acordo que o tema da corrupção (no que tem de armação midiática e no que tem de real) possa ser isolado como a principal causa do êxito, até agora, do golpismo. Em nossa opinião, há quatro outros motivos que tiveram papel muito mais importante:

a) durante 14 anos não conseguimos (e na verdade não tentamos) alterar aspectos fundamentais da matriz econômica brasileira. Em particular não superamos o controle que os oligopólios, especialmente o financeiro, mantêm sobre a economia nacional;

b) durante 14 anos não conseguimos afetar as alavancas do poder político da classe dominante. Continuaram intocados o oligopólio midiático e o financiamento empresarial das eleições. O Poder Judiciário e os aparatos de segurança pública, em especial a Polícia Militar, continuaram a agir fora da lei e de qualquer controle social, ao modo de “estado de exceção” contra a juventude negra e periférica, assim como contra os movimentos sociais. Além disso, estimulamos ou toleramos a expansão do fundamentalismo religioso e do conservadorismo ideológico. Seu peso ficou claro na violência de gênero presente na campanha contra a presidenta Dilma (constatação que, esperamos, leve a presidenta a adotar uma postura mais progressista em defesa do programa histórico do movimento de mulheres);

c) durante parte destes 14 anos, mudamos para melhor a vida de grandes parcelas do povo, mas isto foi feito sem alterar suficientemente o nível de consciência e organização da maioria do povo, ao menos na intensidade que teria sido necessária para derrotar a contraofensiva da direita. Nas jornadas de junho de 2013 tal descompasso ficou claro, mas não tiramos as devidas consequências daquela constatação. De maneira geral, no que parece um paradoxo, nossas ações políticas no terreno dos direitos civis e humanos não foram radicais o suficiente para mudar a estrutura das coisas, mas foram radicais o suficiente para gerar uma reação por parte da classe dominante e de seus funcionários. É o caso da Comissão nacional da verdade e do Plano Nacional de Direitos Humanos;

d) por final, porém do ponto de vista tático o mais importante para entender o que ocorreu nos últimos meses é a politica econômica adotada desde novembro de 2014, política que fez com que amplas camadas da classe trabalhadora perdessem a confiança e deixassem de nos apoiar.

33. Repetindo algo que já dissemos acima: conseguimos derrotar as camadas médias conservadoras; conseguimos derrotar a aliança entre as camadas médias conservadoras e o grande capital; mas não conseguimos seguir derrotando-os a partir do momento em que perdemos o apoio de parte importante da classe trabalhadora. E foi este apoio que, nos últimos meses, contribuímos para alienar, através de uma politica econômica desastrosa de “ajuste fiscal”, recessão e desemprego. O que explica que grande parte da mobilização contra o golpe não tenha incluído, até agora, paralisações nos locais de trabalho.

34. No primeiro semestre de 2015, 45% do Quinto Congresso do Partido dos Trabalhadores apoiou uma resolução –baseada no Manifesto intitulado “PT de volta para a Classe Trabalhadora”, assinado por todas as tendências que integram a executiva nacional da CUT– que dizia ser necessária uma mudança imediata na politica econômica, sob pena de não conseguirmos êxito na defesa da democracia. Então, 55% dos congressistas e o governo não deram a devida atenção ao alerta. Quase um ano depois, em fevereiro de 2016, 100% da Direção Nacional do PT afirmou a mesma ideia que antes fora proposta apenas pelos 45%. Mas o governo seguiu sem dar atenção, contribuindo desta forma para a vitória dos golpistas nos dias 17 de abril e 12 de maio.

35. Que Henrique Meirelles tenha se convertido em Ministro da Fazenda e que suas prioridades incluam o ajuste fiscal e a reforma da previdência constituem demonstrações adicionais de quão equivocados estavam os que defendiam a continuidade daquela política econômica, considerando que o problema era fundamentalmente de “gestão” e “credibilidade”.

36. A política econômica adotada após a eleição de 2014 nos fez perder apoio em setores importantes da classe trabalhadora e, neste sentido, foi um fator fundamental para a vitória, até o momento, do golpismo. E para derrotar o golpismo e retomar o caminho das mudanças, constitui condição incontornável recuperar o apoio majoritário da classe trabalhadora. É deste ponto de vista que abordamos, a seguir, alguns debates que estão em curso na esquerda brasileira.

37. Há quem considere que o golpe já está consumado, que é impossível o retorno de Dilma e que, portanto, deveríamos defender desde já a realização antecipada de novas eleições (plebiscitárias, gerais ou presidenciais). O vazamento dos áudios de conversas entre lideranças golpistas revela, pelo contrário, que segue intensa a disputa entre os diferentes protagonistas do golpe. Além disso, a composição e as medidas anunciadas pelo governo provocam tensões não apenas junto aos setores populares, mas também nas fileiras golpistas. Portanto, não se pode considerar o jogo como encerrado.

38. Além disso, como já explicamos, enquanto durar o processo no Senado não podemos nem devemos aceitar nenhuma proposta que — ao questionar a legitimidade do mandato popular conquistado em 2014– fragilize a defesa da Presidenta.

39. Caso sejamos vitoriosos no julgamento, haverá que debater mecanismos para recuperar a governabilidade, mas de antemão nos parece temerário apresentar desde já, como alternativa, a convocação de novas eleições, até porque tal proposta só terá viabilidade se contar com a aprovação de 2/3 das duas casas legislativas, o que significa dizer que só haverá antecipação das eleições se a direita considerar que isto pode ser de seu interesse.

40. Já na hipótese de derrota, com a aprovação do afastamento definitivo, mais do que politicamente correto, tornar-se-á inevitável debater e defender o caminho de novas eleições, que podem ser gerais, plebiscitárias ou para compor uma Assembleia Constituinte. De toda forma, pelas razões expostas anteriormente, nossa palavra de ordem continua sendo: Não ao golpe, fora temer!!!

41. Há quem considere que as massas vão engajar-se na luta contra o golpe, a partir do exemplo e da ação dos setores mais combativos, especialmente da juventude. Sem dúvida, desde 2013 a mobilização das ruas tornou-se uma forma importante da luta de classes, tanto por parte da esquerda quanto por parte da direita (neste caso, com o objetivo de usar as ruas para neutralizar o peso da esquerda nas urnas). Por outro lado, a mobilização da juventude, da cultura e comunicação têm jogado papel essencial no enfrentamento do golpismo e noutras frentes importantes, como o enfrentamento da política de educação dos governos tucanos de São Paulo, Paraná e Goiás, bem como do governo do Rio Grande do Sul.

42. Entretanto, como já argumentamos, consideramos que por mais intensa que seja a mobilização de rua e por maior que seja o engajamento da juventude e de outros setores populares, o fator decisivo na derrota do golpismo será o mesmo que derrotou a ditadura militar: a ação direta da classe trabalhadora.

43. A maior parte da classe trabalhadora movimenta-se (ou não) com base nos seus interesses materiais mais diretos. As ações do governo golpista afetam estes direitos, algo que é percebido não apenas por quem defendia, mas também por quem se opunha ou permanecia neutro frente ao governo Dilma. Portanto, consideramos que a principal tarefa da esquerda é preparar e implementar, de forma organizada e persistente, a mobilização direta e unificada da classe trabalhadora em defesa dos seus direitos. Do ponto de vista tático, construindo as condições para a convocação de uma greve geral contra o governo golpista, em defesa da democracia e dos direitos. Do ponto de vista estratégico, reconstruindo nossa base na classe trabalhadora.

44. Nestas tarefas, jogam papel insubstituível os sindicatos e as centrais sindicais, com destaque para a Central Única dos Trabalhadores e para as categorias que tem dissídio nos próximos meses. Neste sentido, nos engajamos na construção do Encontro Nacional de Sindicalistas Contra o Golpe.

45. Há quem considere que estamos num novo momento da luta de classes, que exigiria novas formas de luta e novas formas organizativas. Isto é verdade hoje e de certa forma é verdade sempre. Mas também é verdade que não podemos nunca abrir mão das “velhas”, clássicas e tradicionais formas de luta e de organização da classe trabalhadora e da esquerda.

46. A direita tem todo o interesse em destruir os sindicatos, os partidos de esquerda, os movimentos sociais e populares tradicionais. Nós, pelo contrário, queremos que estas organizações se adaptem as novas necessidades políticas. Para o quê será necessário, entre muitas outras ações, reativar e reorganizar o trabalho sindical do Partido dos Trabalhadores, por exemplo voltando a construir núcleos por local de trabalho.

47. Pelas razões já expostas, consideramos estratégica a consolidação da Frente Brasil Popular, a quem cabe dialogar com outras iniciativas frentistas e buscar incorporar todos os que lutam contra o golpe e contra as ações do governo golpista.

48. É importante ficar claro, contudo, que a Frente Brasil Popular não é o partido dos que não têm partido, a central dos que não têm Central, o movimento dos que não têm movimento. A Frente deve incorporar estes militantes. Mas deve continuar sendo um espaço e um instrumento das organizações e movimentos, para construir a unidade na ação, não substituindo, não se confundindo e nem se sobrepondo às organizações que a integram.

49. Neste mesmo espírito, as iniciativas que visam dotar a Frente de maior organicidade devem ser pautadas pela construção de ações de massa, evitando as dinâmicas internistas, de auto-organização e luta fracional. Falando de maneira direta, a organização da Frente nas bases deve estar baseada nas organizações que integram, não na filiação individual de militantes.

50. Portanto, não confundimos a Frente Brasil Popular com as propostas que visam construir, através de lento e paciente trabalho de debate, uma Frente Ampla orgânica e eleitoral da esquerda partidária brasileira. Uma Frente Ampla de natureza eleitoral e partidária é necessária, assim como é necessária uma Frente de movimentos e partidos como a Frente Brasil Popular. Mas não devemos confundir ambas, nem atropelar o processo de construção de cada uma delas.

51. Há quem considere que a vitória do golpismo foi uma derrota do lulismo e do petismo, abrindo as condições para superar a hegemonia de ambos junto a grandes parcelas do povo brasileiro.

52. Não há dúvida de que o PT, a começar pelos seus dirigentes, entre os quais Lula, estão convocados a realizar uma autocrítica profunda da linha política adotada nos últimos anos, de conciliação com o grande capital, de conciliação com o oligopólio da mídia, de conciliação com setores da direita política, de subestimação da luta social e da luta ideológica etc. Tampouco há dúvida de que é totalmente legítimo disputar hegemonia com e contra o PT e Lula. Aliás, o PT nunca foi partidário da noção de “partido único”, nem acreditou ser a vanguarda predestinada da esquerda brasileira.

53. Entretanto, ao mesmo tempo que reconhece o direito dos que nos criticam, o PT também tem o direito e o dever de se defender, inclusive contra aqueles que, por sua ação ou inação, contribuem para a operação de cerco e aniquilamento que a direita move contra o Partido dos Trabalhadores e contra Lula.

54. Nossa defesa inclui lembrar, aos que criticam o discurso da mídia, que não se deve aceitar como expressão da verdade aquilo que o oligopólio afirma sobre o PT: cometemos muitos erros, mas somos muito melhores do que a mídia nos apresenta. Aliás, isto pode ser constatado contrastando o que foi feito pelos nossos governos, com o que está sendo feito há tão pouco tempo pelo governo golpista.

55. Nossa defesa também inclui questionar as formulações geralmente incorretas que se faz acerca do “lulismo”, a começar por um fato simples: por mais importante que seja a liderança de Lula, muito mais importante é esta experiência coletiva chamada Partido dos Trabalhadores.

56. Esclarecido isto, reafirmamos mais uma vez: a direita considera Lula como um alvo a ser desmoralizado, julgado, condenado e se necessário preso. Para a esquerda e para o conjunto das forças democráticas e populares, Lula deve ser defendido, independentemente do que pensemos acerca da política que ele implementou em seu governo e da estratégia que defendeu. A direita não ataca Lula devido ao que nós possamos considerar como seus erros, mas devido a suas qualidades. Entre estas qualidades está a possibilidade de disputar com chances de vitória as eleições presidenciais de 2018.

57. Do ponto de vista da esquerda e das forças democráticas, embora sempre seja possível construir outras candidaturas presidenciais, está claro que aquela com mais chances de vitória segue sendo a de Lula, encabeçando uma frente democrática, popular e socialista comprometida com as reformas estruturais.

58. Para a direita, o PT deve ser inviabilizado, através de uma combinação de campanha midiática com estrangulamento financeiro. Se a direita tiver êxito, ao menos no curto prazo o que teremos no lugar não será uma “nova esquerda” melhor do que o PT. O que viria no lugar, neste caso, seria um longo período de fragmentação política e ideológica da esquerda, como houve entre 1964 e 1980.

59. Por isto, nós que integramos e defendemos o PT precisamos fazer um imenso esforço para que o Partido seja capaz de fazer uma autocrítica, inclusive acerca de sua luta contra a corrupção; para que o Partido seja capaz, também, de produzir uma nova política e um novo modo de funcionar, bem como capaz de eleger uma nova direção, que saiba atuar com vento contra, em tempos de guerra, tempos que podem se prolongar muito. Uma direção coletiva, que supere a fase em que se terceiriza o comando partidário, seja para o governo, seja para outras instituições e pessoas.

60. Por tudo isto e para tudo isto é necessário realizar, ainda em 2016, um Congresso extraordinário do Partido, com delegações eleitas pela base, para aprovar uma nova estratégia e também eleger uma nova direção.

61. O Diretório Nacional do Partido aceitou a realização de um Encontro e delegou à Executiva Nacional a decisão sobre como será este Encontro. Caso falte à Executiva Nacional do PT a sensibilidade de garantir que este Encontro seja formado por delegações eleitas pela base, nos empenharemos em auto-convocar um Encontro Livre das bases partidárias, para que haja espaço para a livre manifestação da maioria dos petistas, que não se vê representada por delegados eleitos em 2013!

62. Respeitamos os que dizem que o partido já estaria construindo nos documentos aprovados pelo seu Diretório Nacional um ponto de vista autocrítico, ainda que lentamente, mas lembramos que os referidos documentos não tiveram origem nem expressam a elaboração coletiva do Partido, tarefa de que só um processo realmente congressual é capaz.

63. Respeitamos os que dizem que devemos priorizar a luta contra o golpe e preparar o partido para as eleições 2016. Mas se não alterarmos a estratégia, ficarão menores nossas chances de vitória em ambos os embates. Exemplo disto é a insistência do setor majoritário do Diretório Nacional do PT em autorizar alianças com partidos golpistas, desconsiderando uma alternativa óbvia: proibir a aliança com os partidos golpistas e analisar caso a caso as exceções.

64. Respeitamos os que argumentam em favor dos mecanismos estatutários, mas lembramos que convocar um Congresso extraordinário com delegados eleitos pela base corresponde a situação excepcional que estamos vivendo, em que o Partido corre o risco de destruição.

65. Respeitamos, também, os que argumentam que a atual direção é legítima, mas lembramos que a atual direção foi eleita para implementar uma política que está totalmente esgotada.

66. Respeitamos aqueles que duvidam que haverá efetiva renovação na direção, mas lembramos que o que está em discussão não são indivíduos, cargos ou percentuais, mas sim um processo que construa ao mesmo tempo uma nova linha política e o coletivo dirigente que a implementará.

67. Não estamos entre aqueles que criticam a atual direção, para eximir-se de suas próprias responsabilidades. Nosso objetivo é proteger o Partido dos Trabalhadores, fazê-lo vencer as disputas em curso e dotá-lo de uma estratégia adequada às batalhas futuras.

68. Depois de um longo período de priorização da disputa eleitoral e da ação institucional, o Partido dos Trabalhadores e boa parte da esquerda brasileira atrofiaram sua capacidade de fazer luta social, de construir organizações de massa, de travar a batalha cultural. E isto afetou, inclusive, a imaginação estratégica e programática, habituando as pessoas a confundirem programa como plataforma eleitoral, estratégia com planejamento de sucessivas eleições, tática com artimanhas legislativas, partido com agência de candidaturas.

69. Assim, é essencial recuperar o significado de determinados termos, conceitos e categorias. Quando dizemos que o Partido precisa mudar de estratégia, isto começa por reafirmar ideias que frequentam há muito as resoluções partidárias, especialmente aquelas dos anos 1980 e parte dos anos 1990:

a) que o Partido dos Trabalhadores tem como objetivo derrotar o capitalismo e construir uma sociedade sem exploração nem opressão, não apenas de classe, mas também as outras formas de opressão e dominação;

b) que o socialismo será um longo processo de transição, durante o qual aqueles que produzem as riquezas reorganizarão a sociedade, de forma a que os produtores decidam o quê produzir, como produzir e como distribuir as riquezas criadas com seu trabalho;

c) que o socialismo exige e supõe a mais profunda democracia, em todos os níveis e espaços da vida social; a propriedade coletiva, pública e social, sob as mais diversas formas, dos grandes meios de produção; uma mudança na relação da sociedade brasileira tanto com a natureza, quanto com as demais sociedades existentes no mundo;

d) que o sucesso da luta pelo socialismo depende do engajamento da classe trabalhadora, da juventude trabalhadora e filha de trabalhadores, das mulheres trabalhadoras, dos negros e negras trabalhadoras que compõem a imensa maioria do povo brasileiro;

e) que a  luta pelo socialismo exige que a classe trabalhadora lute pelo poder, em suas mais variadas dimensões, a começar pelo poder de Estado;

f) que a luta pelo poder, no Brasil neste início do século XXI, exige combinar luta cultural, luta de massas, luta institucional e organização dos instrumentos da classe trabalhadora;

g) que a luta cultural inclui a constante reformulação e reafirmação de uma visão de mundo anti-capitalista e socialista, a elaboração de um programa de transformações de curto, médio e longo prazo da sociedade brasileira, a constituição de mecanismos culturais, educacionais e comunicacionais da classe trabalhadora, a supressão do oligopólio da mídia, o fim da hegemonia privada no âmbito da educação e da cultura;

h) que a luta de massas é o veio fundamental de acúmulo de forças e o elemento essencial para alterar a correlação entre as classes sociais. A luta de massas, em favor da preservação e ampliação dos direitos, é parte essencial do processo em que que o conjunto da classe trabalhadora supera a atomização, adquire consciência e se capacita a exercer o poder;

i) que a participação nos processos eleitorais, o exercício de mandatos parlamentares, a conquista e a gestão de governos nos três níveis, a democratização das mais diferentes instituições de Estado (como a Justiça, as Forças Armadas e de segurança pública), assim como a presença nas instituições para-estatais ou privadas, também constituem parte essencial do processo de aprendizado e acúmulo de forças da classe trabalhadora. Aprender a administrar em favor dos interesses da maioria, aprender a derrotar a classe capitalista e seus empregados também neste terreno das instituições, faz parte da luta da classe trabalhadora pelo poder;

j) que a construção das organizações da classe trabalhadora, assim como do conjunto dos setores populares, é outro componente decisivo da luta pelo poder e da construção do socialismo. É preciso que a maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras esteja organizada, nos sindicatos e centrais sindicais, nos espaços de moradia, organizações de bairro, movimentos de ocupação, escolas, entidades e coletivos culturais e de comunicação, comunidades e povos tradicionais, movimentos sociais e de garantia de direitos individuais, movimentos de defesa dos direitos humanos, de mulheres, negros e negras, LGBTs e de ambientalistas;

k) que os setores mais conscientes da classe trabalhadora estejam organizados sob a forma de partido político, e que os partidos políticos que expressam os diferentes segmentos da classe trabalhadora façam um esforço para constituir uma frente que seja o núcleo central das forças democráticas, populares e socialistas;

l) que o êxito da construção de um Brasil democrático, popular e socialista será maior, quanto maior for nossa cooperação internacional com outros povos e países que, com destaque para a América Latina e o Caribe, também lutam por democracia, bem-estar social e soberania nacional, contra o imperialismo, contra o neoliberalismo e contra o capitalismo.

70. Reformular a estratégia do Partido passa, ainda, por realizar um balanço de nossa trajetória desde 1980, especialmente o período a partir de 2003. Balanço que deve ser crítico e autocrítico, especialmente frente as posições de ilusão e conciliação de classe, social-liberais, social-democratas, “republicanas” e neo-desenvolvimentistas que colonizaram amplos setores do PT. Trata-se, no lugar disto, de formular uma orientação de curto, médio e longo prazo para a atuação do PT, como parte da luta da classe trabalhadora. Orientação que deve estar baseada numa análise da formação social brasileira, da história das classes e da luta de classes, especialmente das transformações pelas quais o Brasil passou desde a crise dos anos 1980, que construíram um país sob vários aspectos diferente daquele que foi objeto das interpretações clássicas.

71. Desde 1993, a tendência petista Articulação de Esquerda vem dando sua contribuição neste sentido, inclusive alertando que as opções feitas por outros setores do Partido nos conduziriam, mais cedo ou mais tarde, a uma derrota estratégica. Esta derrota chegou. E frente a derrota surgem os mais variados comportamentos. Há os que dizem não ser hora de fazer balanço. Especialmente se for um balanço que aponte seus próprios erros. Há os que afirmam que a culpa é do derrotado, sem perceber que esta conduta é o equivalente político dos que colocam a culpa da violência nas costas da vítima. Há os que alardeiam ter avisado há bastante tempo o que ocorreria, geralmente sem perceber que ter acertado sobre ontem não responde sobre o que fazer amanhã. Há os que juram (e os que fingem) não ter nada que ver com isto, mesmo que isto soe estranho na boca de quem faz parte da maioria dirigente há décadas. Há os que saem do Partido, algumas vezes em direção à direita, mostrando total oportunismo eleitoral. E há os que buscam fazer uma crítica honesta, respeitosa, ponderada, profunda e acertada do processo, levando em conta ainda quederrotas e momentos de defensiva estratégica fazem parte do processo de luta e de aprendizado da classe trabalhadora. Não sabemos quando tempo vai durar este momento de defensiva estratégia. Mas uma coisa é certa: quanto mais rapidamente e quanto mais radicalmente nos empenharmos em fazer a crítica e a autocrítica de nossos erros, mais rápido vamos superar as concepções ideológicas e teóricas, a estratégia e as práticas que nos conduziram a esta situação, mais cedo e com mais profundidade retomaremos a ofensiva na luta pelas transformações democráticas, populares e socialistas no Brasil, na América Latina e no mundo.


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