Por Rafael Tomyama*
A coordenação nacional do agrupamento interno Diálogo Petista – DP, lançou recentemente um documento denominado “Carta aos Petistas”. Segue abaixo um comentário a respeito.
Conspiração da cúpula
A “Carta aos Petistas” parte da tese que está em curso uma manobra de Lula e da “cúpula do PT” para “antecipar o lançamento de Dilma à reeleição”.
Tal iniciativa teria como pano de fundo os recuos e concessões do governo à ofensiva do imperialismo estadunidense na América Latina, diante do “aprofundamento da crise internacional do capitalismo”.
Este movimento conspiratório seria também, na sua opinião, uma forma de evitar a defesa dos “condenados pelo STF num julgamento político de exceção da Ação Penal 470”.
A “Carta…”, portanto, atribui ao PT a antecipação do calendário eleitoral, acusação que em geral é feita pela direita e pelo PIG.
Convenhamos: mesmo que o PT tivesse a capacidade de antecipar o debate eleitoral, que interesse haveria em expor à crítica agora, o favoritismo da presidenta petista Dilma?
A impressão que fica é que o DP sustenta esta opinião – a de que o PT antecipou o debate – para escapar ao problema de fato: o debate está antecipado. E é diante deste fato que temos que escolher nossas táticas.
PT = Governo?
O que se pode perceber em várias passagens do texto da “Carta…”, é que ele associa indiferentemente o papel do partido ao do governo, como se fossem um único ente, a ser criticado de acordo com a conveniência: ora pelo viés partidário, ora pelo viés governamental.
Em nossa opinião, o DP mistura alhos com bugalhos ao não distinguir os erros e recuos de um governo de coalizão, de vacilos e concessões do campo majoritário no partido.
Evidentemente, há pontos de contato entre as duas dimensões, mas é incorreta a análise que as iguala.
Na política de alianças, por exemplo, a propalada “governabilidade”, que interessa fundamentalmente à estabilidade da gestão de governo, se distingue dos acordos partidários que envolvem interesses regionais e difusos os mais diversos.
É esta distinção que leva, por exemplo, à impossibilidade da verticalização das coligações nacionais e aos diferentes palanques nos estados, de acordo com a conjuntura local.
Enfatizando o que já dissemos, a “Carta…” confunde sistematicamente as ações do governo federal com a política partidária.
Isso ocorre, por exemplo, ao atribuir ao PT as tarefas de uma extensa pauta de reivindicações que deveria ser destinada ao governo: “fazer uma verdadeira reforma agrária que acabe com o latifúndio, ou ainda dar um fim à ditadura da dívida (continua o superávit primário), às privatizações”, entre outras medidas.
Ainda neste viés, atribui à direção do PT as nomeações: do deputado Feliciano (!) e dos Ministros do STF (!!), como decorrentes do aprisionamento do PT à “linha das alianças” (!!!).
As conquistas (emprego, salário etc.), no entanto, são atribuídas não ao PT, mas ao governo, ou melhor, “como se fossem benesses da coalizão”.
De qualquer modo, não procede a tese segundo a qual um governo bem avaliado teria cometido o erro de antecipar o debate eleitoral. Porque apressar o desgaste de uma disputa é sempre perigoso, já que nem mesmo excelentes níveis de aprovação nas pesquisas constituem garantia de sucesso eleitoral.
Mensalão no centro
As campanhas lançadas pelo partido, pelas reformas política e das comunicações, para os signatários da “Carta…”, não teriam a menor relevância e são reduzidas à serventia de “contornar” a defesa dos condenados.
Consideram, ainda, que o julgamento da AP 470 é uma “expressão da luta classe” que “abre um precedente perigoso para o conjunto das organizações dos trabalhadores”.
Pensando assim, revelam que, no seu entendimento, a luta pela anulação do processo é muito mais do que o centro tático da ação partidária.
É, para eles, uma luta estratégica, que objetiva confrontar o que consideram as “instituições antidemocráticas herdadas da ditadura” e ainda motivar uma nova “constituinte soberana”.
A questão, em nossa opinião, é que diante da complexidade dos fatores envolvidos – entre os quais o desenrolar do julgamento e seu resultado, tido como injusto, e o uso político do que se tornou um evidente “ataque ao PT” – não se pode cair em simplismos, nem em táticas bumerangue.
Tática bumerangue significa receber de volta: ao invés de combater a associação indevida entre petismo e corrupção, atuam no sentido oposto. Pois o efeito prático do que defendem é o de trazer para o âmbito do PT, o ônus decorrente das práticas de Marcos Valério.
A “Carta…” considera que os dirigentes que se envolveram com o criminoso Marcos Valério possam ter agido com o aval e o consentimento de todo o partido? Por isso se apressam em defendê-los?
Por outro lado, a “Carta…” desconsidera solenemente que a maioria dos ministros do STF foi indicada por Lula e Dilma. A escolha de Joaquim Barbosa foi particularmente festejada na época. Isto complica o debate público a respeito do julgamento.
Isso não quer dizer que julgamento tenha sido justo, que os indícios tenham se convertido em provas cabais, que seja aceitável converter suspeita em provas, que seja correto transferir ao acusado o ônus de sua inocência.
Pelo contrário, nos associamos ao que diz a resolução do DN do PT a respeito. Mas nos recusamos a igualar a defesa do Partido e a defesa dos que foram condenados.
E, como sempre enfatizamos, as reais fontes de tudo isto, entre outras, são: o financiamento empresarial da política e o oligopólio das comunicações.
Aliás, o pragmatismo na política de alianças, que a “Carta…” critica, deriva entre outros motivos da falta de uma reforma política, cuja campanha rejeitam.
Isso nada tem a ver com escamoteamento do que é central, como supõem. Diferentemente do que imaginam, as lutas que o partido se propõe a encaminhar não são tergiversações e sim atacam a raiz e o epicentro da crise.
Movimento pendular
Enfim, as teses do DP oscilam entre apoiar pela direita os reclamos de apoio e, ao mesmo tempo, demarcar pela esquerda com as políticas do grupo do Zé Dirceu.
Supondo que isto sirva para dar cara própria a uma chapa ao PED (como revela afinal o DP), certamente não serve para dar linha ao Partido e, ao fim e ao cabo passa a impressão de que se trata de uma linha auxiliar da CNB.
Ficaria feio aderir ao insistente “acordão” que o Campo Majoritário põe na mesa para solapar o debate no PED.
Talvez por isso, melhor usar a distância entre forma e conteúdo para manter-se nos extremos, ora à direita, ora à esquerda e, assim, evitar o acordão na política para permitir o acordão nos votos.
É confuso. Mas faz todo sentido. Acredite.
*Rafael Tomyama é militante do PT em Fortaleza-CE
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