segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Perguntas a responder

Por Valter Pomar

Dez anos de governo do Partido dos Trabalhadores

No governo Lula e agora com Dilma, enfrentamos, com maior ou menor êxito, a herança neoliberal. Os efeitos benéficos para o povo brasileiro são conhecidos. Mas a estratégia e o programa adotados até aqui, pelo PT, no enfrentamento do neoliberalismo, são suficientes para superar as características estruturais do capitalismo brasileiro?

A brutal desigualdade social, a acentuada dependência externa e a limitada democracia política, traços característicos do capitalismo brasileiro, agravaram-se durante os governos neoliberais de Fernando Collor e Fernando Henrique.

No governo Lula e agora com Dilma, estamos enfrentando, com maior ou menor êxito, a herança neoliberal. Os efeitos benéficos disso para o povo brasileiro são conhecidos, nos três terrenos: social, nacional e democrático.

Mas atenção: o desmonte do neoliberalismo, ainda em curso e em muitos aspectos longe de ser concluído, está revelando as fundações dos problemas que o Brasil exibia antes do período neoliberal – um país rico, uma classe dominante conservadora e antidemocrática, um povo tremendamente explorado.

A imagem fica clara se pensarmos no neoliberalismo como o bode na sala. Tire o bode, e momentaneamente a sala vai nos parecer melhor. Mas logo perceberemos se tratar da conhecida sala apertada.

Para a oposição de direita (e também para a oposição de esquerda), isso constitui matéria-prima para atacar o PT. Como fez recentemente Aécio Neves, ao dizer cinicamente que, apesar de eventuais acertos de nossos governos, o Brasil continua muito desigual.

Já para a esquerda que chegou ao governo com Lula e Dilma, em especial para nós do Partido dos Trabalhadores, trata-se de responder se os métodos que vêm sendo utilizados para enfrentar a herança neoliberal são (ou não) suficientes para superar a desigualdade social, a dependência externa e a limitada democracia política que caracterizam o capitalismo brasileiro.

Não se trata do debate sobre concordar ou não com os métodos utilizados para enfrentar a herança neoliberal. Tampouco do balanço do que fizemos e seguimos fazendo, no plano da ideologia, da política, da sociedade e da economia brasileiras. Esses debates são relevantes, mas a discussão proposta é outra.

Trata-se de responder o seguinte: a estratégia e o programa adotados até aqui, pelo PT, no enfrentamento do neoliberalismo, são suficientes para a tarefa de enfrentar e superar as características estruturais do capitalismo brasileiro?

Caso a resposta seja sim, são suficientes, então podemos nos concentrar nos debates táticos, setoriais e pragmáticos. Caso a resposta seja não, não são suficientes, então devemos dar destaque, em nossa pauta, aos debates estratégicos, programáticos e ideológicos.

Para responder à pergunta, o primeiro ponto a considerar é o acúmulo de forças, por parte da esquerda em geral e do PT em particular, através de variáveis como a evolução da cultura política do povo, o nível de associativismo e os resultados eleitorais. A conclusão é que ainda estamos oscilando ao redor dos patamares alcançados na onda vermelha de 2000-2002.

Patamares que nos permitiram conquistar e manter a Presidência da República, mas sem maioria congressual de esquerda, precondição institucional para mudanças mais profundas no país.

Patamares altos, como nunca antes na nossa história, mas ainda assim inferiores aos níveis de satisfação popular com nosso governo e, de maneira geral, com a vida.

Há várias explicações para a situação descrita, entre as quais:

1) a melhoria de vida do povo não está sendo acompanhada da correspondente politização e organização desse povo: a maioria dos beneficiários das políticas sociais considera que seu progresso deve-se principalmente a seu esforço pessoal;

2) parcelas crescentes das novas gerações nos enxergam apenas como gestores do presente, não como superadores do passado e construtores do futuro, e com isso crescem as parcelas da juventude que buscam candidaturas alternativas, à esquerda ou à direita;

3) os meios de comunicação e o financiamento privado das campanhas reduzem nosso potencial eleitoral, especialmente das candidaturas parlamentares, além de desgastar a esquerda, estimulando ainda a degeneração ideológica e a desorganização popular;

4) parcela crescente do petismo tem se convertido em força predominantemente eleitoral, que faz política e busca o povo intensamente, apenas nos anos pares, o que pode ser suficiente para ganhar eleições e administrar, mas não para governar transformando estruturalmente o Brasil.

Sem alterar essas e outras variáveis, não teremos os meios necessários para fazer mudanças estruturais no Brasil.

A estratégia e o programa adotados até aqui, no enfrentamento do neoliberalismo, são suficientes para alterar as variáveis citadas?

Um segundo ponto a considerar é o comportamento do grande empresariado frente a nossos governos, não através do que dizem, mas do que fazem com aquilo que consideram mais importante: seu capital.

Já houve um tempo em que, nas palavras de Lula, eles lucraram como nunca. Mas hoje as taxas de investimento privado indicam que o capital não está satisfeito com a rentabilidade resultante da combinação entre crise internacional, juros cadentes, baixas taxas de desemprego e participação crescente do trabalho na renda nacional.

Baixas taxas de investimento resultam em baixas taxas de crescimento. E isso pode repercutir sobre o emprego, sobre os salários, sobre a participação do trabalho na renda nacional, sobre os recursos disponíveis para as politicas públicas e, por tabela, no estado de ânimo da população em relação ao nosso governo.

Contornar essa situação exige maior participação do Estado. Mas os meios disponíveis são limitados. Para ampliá-los, será necessário submeter o setor financeiro privado e/ou ampliar a tributação das camadas mais ricas da população.

Perguntamos: a estratégia e o programa adotados até aqui, no enfrentamento do neoliberalismo, são suficientes para alterar as variáveis citadas acima?

Um terceiro ponto a considerar é o comportamento dos setores médios. Como é de sua natureza, estão divididos. Parte deles constitui desde o início a tropa de choque do PSDB. Outra parte incorporou-se desde sempre na construção do PT. Um terceiro setor oscila entre os dois polos da política brasileira desde 1994 – o que se expressa, de maneira distorcida, na postura do PMDB e de outros partidos frente aos governos FHC, Lula e Dilma.

Pois bem: parcelas crescentes dos setores médios, assim como parcela dos trabalhadores que progrediram materialmente desde 2003, estão sendo empurradas para uma postura de rejeição visceral ao petismo.

A fórmula para isso é clássica: as acusações de corrupção, trombeteadas pelos meios de comunicação e supostamente confirmadas pelos setores conservadores do Judiciário.

A rejeição ao petismo é a cunha através da qual a oposição busca dividir a base de apoio do governo.

Novamente a pergunta: a estratégia e o programa adotados até aqui, no enfrentamento do neoliberalismo, são suficientes para disputar os corações e as mentes dos setores médios?

Os que consideram que a resposta para esta e anteriores perguntas é não têm pela frente o desafio de retomar o fio vermelho das elaborações programáticas e estratégicas do PT, que num passado não muito distante, antes da onda neoliberal, formulou uma alternativa democrático-popular e socialista para os dilemas estruturais da sociedade brasileira.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores


Publicado na Revista Teoria & Debate
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