segunda-feira, 25 de março de 2013

A água que sacia e a sede de justiça

Por Rafael Tomyama*

22 de março é o Dia Mundial da Água. 2013 está dedicado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Cultura e Ciência - UNESCO, como o Ano Internacional de Cooperação pela Água, ressaltando a "importância da cooperação para o manejo de recursos hídricos limitados em um mundo em que a demanda está em rápido crescimento."

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), estima-se que um bilhão de pessoas carece de acesso a um abastecimento de água suficiente. Isso quer dizer ao menos uma fonte que possa fornecer 20 litros por pessoa ao dia, a uma distância não superior a um quilômetro. Essas fontes, podem ser: ligações domésticas, fontes públicas, fossos, poços e nascentes protegidos e a coleta de águas pluviais.

O abastecimento deficiente de água pode ter várias causas como: uso ineficiente, poluição e/ou superexploração das reservas de águas subterrâneas. Num cenário de crescimento demográfico, concentração urbana e intensificação das atividades de produção e consumo a gestão dos escassos recursos de águas doce e potável passa a ser uma questão-chave da sustentabilidade planetária.

Secas e cercas

Historicamente, o semi-árido brasileiro é afetado por vários fatores naturais, como: baixa pluviosidade, continentalidade, solos calcários, etc. Mas o clima, a geografia e a geologia não fornecem explicações tão contundentes quanto a economia e a ecologia social, ao identificarem os principais agravantes do quadro nas formas como se dão as atividades produtivas humanas.

Em várias áreas do bioma caatinga estão em curso processos acelerados de desertificação, incidindo fortemente sobre os problemas sócio-ambientais dos aglomerados urbanos.

Além da privatização dos mananciais e recursos hídricos, políticas públicas insuficientes e/ou equivocadas para convivência com o fenômeno da seca têm contribuído para piora da situação.

Certamente não é assistencialismo, nem reforma do Código Florestal, nem reza, nem milagre que vão conseguir escamotear o impasse fundamental das desigualdades sociais que decorrem da concentração da renda e das propriedades fundiárias.

O modelo da monocultura de exportação, segue avançando terreno sobre a agricultura familiar, devastando as matas nativas na fronteira, envenenando alimentos, rios e campos com superpotentes agrotóxicos e transgênicos. É ainda a agropecuária a principal causa de emissões de gases do efeito estufa no Brasil.

Que progresso?

Mas o fato de haver graves questões associadas à produção de alimentos, não muda o fato de que nos núcleos urbanos se concentram as atividades industriais e de consumo, responsáveis pelos piores indicadores sócio-ambientais e, também, os agentes e instituições centrais para transformações radicais na ordem.

No Ceará, foi decretado estado de emergência pelo governo em 174 de seus 184 municípios por conta da estiagem. Enquanto o povo mais carente padece de fome e sede no sertão, o mesmo governo cinicamente desperdiça imensos volumes de recursos com obras faraônicas para o circo da Copa do Mundo de futebol. O estádio Castelão, por exemplo, tornar-se-á tão somente um "elefante branco", fator de endividamento e com altos custos de manutenção, pois é superdimensionado para as disputas de campeonatos de times locais.

Por essas e outras, crescem as desilusões com os institutos da democracia formal e a necessidade de se amadurecer um compromisso programático global do planejamento integrado com o desenvolvimento sustentável.

Repensar o significado do progresso a qualquer custo é comprometer-se com a dimensão da sustentabilidade num outro mundo possível.

Sendo a natureza o cosmos - a totalidade que nos envolve - é preciso incorporar, nas agendas das lutas sociais, a preservação dos bens ambientais - a água, o solo, as matas, a biodiversidade - e dos serviços - filtragem, alimentação, resfriamento, perpetuação das espécies - que oferecem no ciclo permanente da vida, da qual somos apenas um fragmento.

Para tanto, romper com a atual lógica da produção e do consumo capitalistas é mais do que uma necessidade revolucionária do povo explorado. É hoje um fator decisivo para a continuidade da vida na Terra.


*Rafael Tomyama é membro do Coletivo Nacional de Meio Ambiente e Desenv. do PT

Publicado no jornal Página 13 de março

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