Por Fernando Cartaxo de Arruda*
O Ceará foi dominado, nessa última década, por uma aliança política típica das habituais acomodações partidárias. A máquina pública e os espaços de poder são fragmentados para atender as diferentes correntes de interesses políticos e econômicos. A chegada de Lula e do PT no poder demarca trajetória de ampla coalizão de partidos políticos, similar ao antigo consórcio do tucanato. Uma salada de letras e interesses conflitantes, que se uniram na conveniência de surfarem nas benesses e entranhas do poder. A manutenção desses acordos partidários da base aliada do governo federal serviu como ponto de referência para os acordos nas esferas estaduais e municipais. A consequência direta foi o enfraquecimento da antiga base de dominação. Dessa forma, o núcleo do PSDB e do PFL (hoje DEM), amargou derrotas significativas nas disputas eleitorais, em todo o país.
A nova base aliada do governo petista por reunir um caldo partidário divergente apresenta, pouco a pouco, os sinais de exaustão, naturais no jogo político do poder. Essas circunstâncias resultam em atritos na montagem dos acordos políticos regionais e no esgarçamento das alianças partidárias envelhecidas diante das diferentes perspectivas de poder. A disputa pela ocupação dos espaços de poder ocorre dentro da heterogênea base aliada, incidindo no campo das disputas eleitorais. A manutenção dos acordos políticos tende a entrar em colapso quando partidos ou grupos políticos acirram as disputas visando um melhor posicionamento no tabuleiro de domínio do poder. O resultado das eleições municipais que se avizinha determinará o novo campo de batalha das eleições de 2014, redefinindo o peso e força dos partidos para a grande disputa que desenhará o novo mapa de poder no país.
A sucessão na Prefeitura de Fortaleza é retrato fiel desse confronto de interesses, da luta pelo poder. As divergências marcantes, cumulativas entre dois polos hegemônicos que compartilharam o domínio político no Ceará. O PSB de Cid Gomes e o PT de Luizianne Lins conviveram no mundo das aparências, marcado por traços de intolerância no convívio pessoal e troca de farpas no terreno das decisões administrativas. O paraíso artificial mantido enquanto satisfazia ambos os lados e foi capaz de acomodar os apetites dos demais partidos que orbitam o pacto de poder.
Esse fenômeno dos desgastes das alianças partidárias não é uma particularidade da nossa aldeia política. A guerra entre os caciques tem se revelado como consequência dos novos arranjos regionais, partidários... que miram, em última instância, a disputa presidencial e dos governos estaduais e a renovação da representação parlamentar.
É um engano pensar que a postura da Prefeita Luizianne Lins tem algo de impositivo. É simplesmente a coerência de quem sempre enfrentou os acordos de gabinetes. Coisas que ocorrem longe do povo. E sem diálogo social. Essa vontade política de gestão participativa tem que sempre se ampliar, começando por definir prioridades, tempos de realização e vontade da comunidade. O ritual da decisão coletiva e partidária sinaliza que a consulta e o debate interno do candidato atendeu o rigor da legitimidade democrática, com o beneplácito do diretório nacional do PT e o aval explícito de suas lideranças nacionais. O PSB buscava motivos para consolidar o seu desejo de ruptura. A vontade de interferir na escolha interna do partido aliado foi o mantra para desestabilizar o comando da prefeita Luizianne Lins. A tentativa de fortalecer alas petistas mais próximas ao governador não alcançou êxito. As desavenças foram fruto do jogo de interesses de minar a liderança de Luizianne Lins, que detém a astúcia política de ser um nome importante para o novo desenho de poder político no Ceará. Sabe-se de sua determinação política, do seu poder carismático e potencial eleitoral até para disputar o Governo do Estado. Essa consciência incomoda da realidade política é que estar provocando a derrocada final da aliança partidária. O resto é a velha encenação que se nutre de outros argumentos e razões para ocultar a real motivação da disputa pela hegemonia do poder.
O cenário eleitoral ainda se encontra confuso e imponderável. A fragmentação partidária e diversidade de candidaturas, no contexto de uma cidade que costuma surpreender as previsões da lógica eleitoral, pode gerar na tensão eleitoral resultado imprevisto. Não podemos descartar que candidaturas como a do Deputado Heitor Ferrer e do advogado Renato Roseno venham a figurar com opções que alcancem o segundo turno, mesmo diante das dificuldades de falta de tempo na TV e estrutura financeira para o embate eleitoral. O PT aposta na renovação de quadro com o advogado Elmano Freitas, que tem um potencial para crescer na disputa e seduzir o eleitor com um discurso equilibrado composto por um conhecimento administrativo e de planejamento urbano para cidade e um veio ideológico de compromisso com as causas sociais.
Por outro lado, o PSB tende a trazer um nome novo e sem teste de urna na cidade de Fortaleza, apostando suas fichas no presidente da Assembleia Roberto Cláudio. Há mesmo quem defenda o apoio do PSB a candidatura de Inácio Arruda, diante dos riscos de se colocar um candidato sem segurança prévia para um momento de definições estratégicas para o futuro político do Ceará. O senador Inácio Arruda parte como um nome conhecido das urnas e certa vantagem eleitoral. O mesmo caso de Moroni Torgan, que deverá ser o candidato da aliança do DEM com o PSDB. Esses primeiros retratos da pesquisa eleitoral não traduzem o que será a campanha e a dinâmica da disputa eleitoral. A dança dos números é natural em toda campanha eleitoral complexa e cheia de alternativas como a que devemos presenciar em Fortaleza. As consequências da ruptura fazem mover outras forças políticas, como a possibilidade de aproximação do PT com o PR, liderado por uma expressão histórica e que se desvencilhou dos vínculos com Tasso Jereissati e os Ferreiras Gomes. O Lúcio Alcântara é uma figura política curiosa e de vasta experiência, tendo ocupado quase todos os cargos políticos em sua longa caminhada. Essa união pode configurar uma nova configuração de força política para se contrapor a gula de hegemonia do PSB, que deverá fortalecer sua aliança com o tradicional fisiologismo do PMDB.
Essa encruzilhada da política no Ceará representa um momento de recomposição dos blocos partidários diante do processo das disputas eleitorais. Para a democracia é um momento de oxigenação e de melhor definição das identidades partidárias, o que enriquece o cenário político com a abertura para o exercício fundamental das divergências partidárias e de projetos de poder. E o mais salutar, que a expressão das forças políticas de oposição não sejam soterradas pelas conveniências de acordos esdrúxulos e pactos de loteamento do poder. Nesse sentido, a quebra do pacto de poder entre PT e PSB deve ser observada pelas lentes criteriosas da saudável disputa pelo poder. A manutenção desse acordo ficou insustentável e os atores políticos devem assumir essa circunstância como fato natural da política. O PT tem todo o direito de lutar para assegurar espaços para a realização do seu projeto político, com mais autonomia e identidade ideológica; bem como o PSB deve exercer com liberdade sua vontade de estabelecer sua hegemonia na política do Ceará. E, além disso, novas forças políticas devem debater e mostrar seus projetos para a cidade de Fortaleza. Isso é a democracia livre e sem as amarras das cordialidades falsas, dos engodos de acordos que anulam as divergências dos projetos de poder e empobrecem o próprio desenvolvimento e consolidação da democracia. A sociedade e o eleitor é quem sai ganhando com o fim do paraíso artificial da política e o aclaramento das identidades partidárias.
*Fernando Cartaxo de Arruda é Sociólogo.
Publicado no Blog da Dilma
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