terça-feira, 6 de março de 2012

USP: Inaceitável eliminação de seis estudantes


Observar o devido processo administrativo, atender aos princípios da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da apuração justa e individualizada: tais são os quesitos universalmente aceitos como condições necessárias, ainda que não suficientes, para legitimar os atos da administração. Pressupostos indispensáveis, em particular, quando se referem à aplicação de penalidades, especialmente numa instituição educacional, como é o caso da USP.

Prudência redobrada se deveria esperar, quando as consequências da penalidade imposta se revelam tão irreparáveis quanto a interrupção — sem direito a retorno — do processo de formação profissional, cultural e de cidadania de seus estudantes.

Em 19/12/2011, decidiu o reitor pela “eliminação do quadro discente” de seis alunos que, em 18/3/2010, ocuparam a sede da Coordenadoria de Assistência Social da USP (Coseas). O ato de “expulsão” e o relatório final da comissão encarregada do processo disciplinar, designada em março de 2010, e concluído em dezembro do mesmo ano, ferem as premissas acima expostas.

Ao executar a eliminação, o reitor declarou à imprensa (Folha de S. Paulo, 19/12/11) que “ações graves, como sumiço de documentos, justificam punição de seis estudantes” e que “a medida não foi autoritária e manifestações políticas não são fundamento para a penalidade”. Contudo, o alegado “sumiço de documentos” não se encontra entre os fatos que justificaram a instalação da comissão disciplinar.

A Portaria GCC-06, de 23/3/2010, limita-se a fazer referência à “invasão e ocupação das dependências da Divisão de Promoção Social” da Coseas; a relacionar os alunos que “teriam” praticado este ato; a mencionar que no “referido local estão guardados documentos sigilosos” e que “em decorrência de referida conduta os servidores da Divisão de Promoção Social tiveram o acesso aos seus locais de trabalho impedido”.

Ônus da prova

Tampouco o alegado “sumiço de documentos” se encontra registrado no Boletim de Ocorrência (BO) 861/2010, mencionado na portaria. Também não é tratado no relatório final da comissão disciplinar. No entanto, consta do BO a seguinte declaração da representante da autarquia: “...noticiando que no local, data e hora supra, alunos residentes da USP, não identificados, com intuito de reivindicações de melhorias, invadiram prédio do serviço social...”.

As inconsistências do processo vão muito além destas contradições iniciais. Ora, para a aplicação legal de qualquer penalidade é imprescindível que se estabeleça precisamente o que motivou a cominação das sanções, de maneira individualizada.

Contrariamente, o que se lê das “Conclusões” (relatório final) da comissão disciplinar revela que esta baseou-se nos depoimentos genéricos de agentes de segurança e vigilância, que informaram possuir registros fotográficos do ocorrido, estranhamente não utilizados como elemento de acusação. Em realidade, entendeu a comissão acolher como absolutamente verdadeiros os depoimentos dos agentes de segurança, devendo os alunos indiciados provar sua inocência!

Caberia à comissão, ao contrário, averiguar detidamente os fatos, e, na ausência de provas suficientes para comprovação cabal do comportamento infracional, furtar-se de propor a aplicação de qualquer punição disciplinar.

Na verdade não se vê fundamentação mínima, nas “Conclusões”, para as punições propostas. Apenas a título de exemplo: a recomendação ao reitor da “eliminação” de alguns estudantes é feita sob a presunção de serem “verdadeiros os fatos que lhe foram imputados, em razão de deixar de prestar depoimento quando oportunizado e de providenciar elementos de prova, no prazo legal, passíveis de demover essa comissão da convicção de sua responsabilidade no evento” (sic). Ora, a comissão já estava convicta do envolvimento dos estudantes na invasão e ocupação nos termos referidos, cabendo aos acusados “providenciar elementos de prova” em sentido oposto?!? Entretanto, em que se baseia esta convicção? Em provas? Se existem, não constam do relatório.

Nulidade

Some-se a isto outra ilegalidade da transcrita “fundamentação” da sanção aplicada, que é não observar uma das principais normas orientadoras do processo penal e subsidiariamente, dos processos administrativo-disciplinares: o silêncio do acusado jamais poderá ser interpretado em prejuízo de sua defesa.

Ainda que restasse indubitável a responsabilidade dos estudantes punidos na invasão e ocupação das dependências da Coseas, seria absolutamente irrazoável e desproporcional aplicar-lhes uma sanção de tal gravidade, o que é elemento suficiente para sua nulidade. Isso fica evidente ao considerar-se a progressão de penalidades prevista mesmo no malfadado decreto 52.906/1972, utilizado pela comissão disciplinar, e que prevê as seguintes penalidades progressivas: I - advertência verbal; II - repreensão por escrito; III - suspensão; IV - eliminação. Adotou-se a penalidade máxima, apesar de o alegado sumiço de documentos sequer haver constado do relatório da comissão!

O que se pretende com este ato de autoritarismo sem precedentes no âmbito desta universidade? Nada permite supor que tenha sido o elevado propósito de fazer valer os princípios do respeito ao direito, às normas de civilidade; nem a intenção de demonstrar que, numa democracia, os indivíduos devem ser responsabilizados por seus atos, conforme mecanismos legais legítimos e desde que respeitado o direito ao contraditório e à defesa.

Mais uma vez, estamos diante de uma violência a respeito da qual não nos é possível calar. Fazê-lo nos tornaria coniventes com a negação de princípios de civilidade e cidadania sobre os quais, acreditamos, devam se estruturar a sociedade e a universidade.

(Informativo Adusp 340)

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