"Avisei que estava certo sobre o capitalismo" |
Por Miguel Urbano Rodrigues
Uma campanha de âmbito mundial proclamou após a desagregação da URSS o fim do marxismo. Para os teólogos do capitalismo, o neoliberalismo seria a ideologia definitiva. O movimento da História teria demonstrado a inviabilidade do socialismo; o marxismo foi identificado como arcaísmo obsoleto nas grandes universidades do Ocidente.
Essas profecias foram rapidamente desmentidas. A Humanidade não entrou na era de progresso, abundância e democracia anunciada por George Bush pai. Ocorreu o contrário: uma crise de civilização abateu-se sobre o planeta Terra. Uma prodigiosa concentração da riqueza foi acompanhada pelo alastramento da pobreza. Fomes cíclicas assolaram países da África e da Ásia e, no início do século 21, o capitalismo entrou numa crise estrutural de proporções globais.
Sem soluções, porque a lei da acumulação não funciona mais de acordo com a lógica do capital, os EUA, polo do imperialismo, desencadeiam guerras monstruosas, saqueando os recursos naturais de países do ex-Terceiro Mundo. Simultaneamente, a crise financeira e econômica iniciada nos EUA, ao alastrar à Europa, contribuiu para o descrédito do neoliberalismo e da democracia representativa de modelo ocidental.
O renascimento – a palavra justifica-se – do marxismo acompanhou o avolumar da contestação dos povos ao sistema responsável pela crise mundial.
Paradoxalmente, a social democratização de muitos partidos comunistas, resultante da derrota temporária do socialismo na Rússia, coincidiu com uma renovação do interesse pela obra de Karl Marx. A crise do capitalismo, afinal, vinha confirmar a validez e atualidade do seu legado.
Filósofos como o húngaro István Mészáros, o italiano Domenico Losurdo, os franceses Georges Labica , Georges Gastaud , Jean Salem , Alain Badiou, o esloveno Slavoj Zizek escreveram trabalhos que, a partir da obra do autor de O Capital, confirmam a atualidade do materialismo histórico e dialético como o instrumento dinâmico indispensável à compreensão dos grandes problemas e desafios sociais do nosso tempo. Na América Latina ocorre o mesmo. Os livros de marxistas como Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, José Carlos Mariátegui são tema de teses de doutoramento. Os livros de acadêmicos prestigiados, como os brasileiros Ricardo Antunes,Virginia Fontes, Mauro Iasi, Milton Pinheiro, os argentinos Cláudio Katz e Julio Gambina, o boliviano Marcos Domich, o cubano Osvaldo Martinez, entre outros, exemplificam bem a vitalidade do marxismo no Sul do continente.
É precisamente por temer o explosivo renascimento do pensamento revolucionário que o imperialismo se esforça por promover a alienação das massas e vê com simpatia a transformação de partidos operários tradicionais em organizações reformistas, inofensivas para o sistema. Foi nesse contexto que surgiu o Partido da Esquerda Europeia. Não obstante a maioria desses partidos serem nominalmente comunistas, atuam sobretudo dentro do sistema parlamentar, secundarizando a luta pelo socialismo como objetivo principal. No panorama europeu, o Partido Comunista da Grécia surge hoje como a grande exceção à tendência majoritária que privilegia a linha reformista. Por isso mesmo, acompanhar os acontecimentos da Grécia, refletir sobre eles e apoiar o combate dos trabalhadores gregos se tornou um dever revolucionário. Eles se batem hoje pela humanidade. O que é válido para a Grécia não é obviamente transponível para outros países da zona euro.
Em Portugal – o PCP também não aderiu ao Partido da Esquerda Europeia – as condições subjetivas não são favoráveis para a luta como na Grécia. O meu povo acompanha angustiado o desenvolvimento da estratégia ultrarreacionária do governo de Passos Coelho. Há dois anos que a sua resposta à politica que está a destruir o país não para de crescer. Mas é ainda insuficiente. As gigantescas manifestações de protestos e duas greves gerais realizadas com êxito, confirmaram a disponibilidade das massas para a luta. Mas, para abalar o sistema, a luta terá de adquirir um caráter permanente, nas fábricas, nos portos, nas escolas, na administração, em múltiplos locais de trabalho, nas ruas.
Após quase meio século de fascismo, o povo português foi sujeito de uma grande revolução. Assassinada pela burguesia, as suas sementes não desapareceram. Voltarão a germinar, porque o capitalismo está condenado. Daí a atualidade de Marx. O socialismo é a única alternativa à barbárie.
Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português.
Texto originalmente publicado na edição 479 do Brasil de Fato.
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