domingo, 20 de maio de 2012

O 13 de maio e o projeto civilizatório brasileiro


Por Carlindo Fausto Antonio*

O 13 de maio de 1888, construído nos livros didáticos e no imaginário nacional pelas elites, começou a ser enterrado com o advento, no ano de 1978, do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial.

Redefinimos, sob a égide dos movimentos negros pós 1978, o 13 de maio a partir do passado de lutas e especialmente da saga de Palmares. Mesmo assim, reconhecemos que o 13 de maio de 1888 é um marco jurídico e também um momento preciso das lutas negras para superar o trabalho escravizado.

Por razões amplamente discutidas pelos movimentos negros, aprendemos, à revelia do ensino oficial que exaltava a princesa redentora, que aqueles que estavam nas senzalas, nos quilombos e nos espaços opacos da sociedade brasileira, perderam a hegemonia de um processo que, se vitorioso, daria uma nova feição identitária, política e econômica à nação e à realidade brasileira.

Não teríamos com a vitória das senzalas somente a igualdade econômica e política, com democracia racial talvez pudéssemos construir um projeto de nação para além dos marcos ideológicos e políticos da Europa e do branqueamento.

Considerando que o processo em 1888 foi hegemonizado pelas elites escravistas e brancas, os movimentos negros apontam para a necessidade de uma nova abolição. Antes e sem desconsiderar o marco histórico delineado pelo 13 de maio de 1888, os militantes negros e antirracismo sabem que o fim do trabalho escravizado não foi uma farsa. Tivemos, apesar de os ex-trabalhadores escravizados perderem a hegemonia do processo abolicionista na sua etapa final, um rosário de lutas.

Os negros organizados e o campo político delimitado pelo antirracismo sabem das lutas, das revoltas urbanas, das inúmeras insurreições, dos quilombos e da inviabilidade de sustentação, nos estertores do século XIX, do escravismo. Não foi farsa. Por sua vez, o 13 de maio de 1888 não significou, de modo algum, a redenção para milhões de brasileiros oriundos das senzalas.

No que toca à data histórica, hoje cunhada pelos negros organizados de “Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo”, vale enfatizar que a mesma não explica, de modo isolado, o porquê das péssimas condições de vida da população negra nos dias de hoje, notadamente no que tange às desvantagens ocupacionais, locacionais, educacionais e jurídicas.

Tal explicação deve ser buscada não tão-somente no modo como se deu o fim do trabalho escravizado, mas nos inúmeros mecanismos de exclusão racial implementados pós 1888 e rearticulados no transcorrer do século XX. É a partir do entendimento do racismo à brasileira e da sua superação que pretendemos delinear as bases políticas, econômicas, sociais e civilizatórias para a construção da nação brasileira.

Há 124 da abolição, os negros continuam na contramão da sociedade oficial. Trocando em miúdos, são os negros de 13 a 24 anos as vítimas preferenciais da violência estrutural brasileira.  A dimensão estrutural da problemática diz que a superação do racismo não pode ser tratada de maneira isolada. Não é um problema de ou para negros resolverem. A superação das desigualdades raciais tem de ser inscrita num projeto nacional. O debate tem de entrar na conta dos partidos e da sociedade para, então, de forma sistêmica, revelar o projeto de país.

O desmonte das práticas racistas não pode ser um capítulo independente de uma certa visão de país, de projeto de nação e civilizatório. Dentro desses limites, somos favoráveis às cotas para negros, como dispositivo tático e não estratégico, em todos os níveis da sociedade brasileira. No mesmo diapasão, bradamos pelo engajamento e pela mobilização dos movimentos sociais, sindicais e partidos, em sintonia com os movimentos negros, no enfrentamento da violência policial e do genocídio da população negra jovem.

Além das medidas táticas e emergências das chamadas políticas afirmativas, o país precisa de um projeto de nação que considere, no seu imaginário, na tradição cultural e circuitos universitários, os significados das manifestações e visões de mundo construídos em consonância com as matrizes africanas e profundamente enraizadas na vida e cotidiano brasileiros.

Na questão da encruzilhada marcada pela superação do racismo e pela construção de uma nação inclusiva, há outras coisas implicadas aquém e além da suposta igualdade econômica e política. Falamos de igualdade de oportunidades em todos os níveis, incluindo uma hermenêutica, uma filosofia e uma cosmogonia que, a exemplo do flagrante enegrecimento físico da população brasileira, possibilite o encontro entre o que somos no plano físico, ou seja, da negrura corpórea com a cosmovisão afro-brasileira. Caros leitores, está em jogo, na luta negra e antirracismo arquitetada pela nova perspectiva do 13 de maio, “o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo”, o desenho identitário do país e a construção da nação brasileira.

*Carlindo Fausto Antônio é professor e militante do PT Campinas

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